Lira vive inferno astral e risco de condenação

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Foto: Cristiano Mariz

Quatro dias após a Polícia Federal ter ido às ruas para desbaratar um suposto esquema de desvio de verbas públicas abastecido por emendas parlamentares, um ex-assessor direto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o servidor Luciano Cavalcante, foi exonerado nesta segunda-feira do cargo que ocupava na liderança do PP, o partido do parlamentar. Ele não foi o único investigado a perder o emprego: o governo demitiu também Alexsander Moreira do posto diretor do Ministério da Educação. Além do aumento da pressão sobre um dos seus homens de confiança, Lira terá pela frente, a partir desta terça, o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) de um processo que pode mantê-lo réu por corrupção passiva, sob acusação de recebimento de propina.

O desligamento de Luciano Cavalcante traz implicações políticas a Arthur Lira, embora o deputado não seja investigado no mesmo inquérito, dada a relação de proximidade entre os dois. Afora a situação do servidor, um outro aliado do presidente da Câmara, João Catunda (PSD), é pai de Edmundo Catunda, sócio de uma empresa que está na mira do inquérito. Catunda, Cavalcante e Alexsander Moreira, exonerado do MEC, foram alvo de mandados de busca e apreensão na sexta-feira, quando a PF deflagrou a Operação Hefesto, que investiga desvios do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao MEC.

A PF apura indícios de fraude em licitação e lavagem de dinheiro na compra de kits de robótica para escolas de Alagoas, reduto eleitoral do presidente da Câmara. De acordo com as investigações, o superfaturamento da compra de kits, ocorrido entre 2019 e 2022, gerou prejuízo ao erário de R$ 8,1 milhões e sobrepreço. O inquérito apontou que as contratações teriam sido ilicitamente direcionadas a uma única empresa fornecedora dos equipamentos, a Megalic, de Maceió, que cobrava das escolas R$ 14 mil por kit, após comprá-los por R$ 2.700 de uma empresa em São Paulo. Edmundo Catunda é sócio da Megalic, que nega ter sido beneficiada ilegalmente.

A apuração da PF revelou que o motorista de Luciano Cavalcante, que já foi chefe de gabinete de Lira, teria relação com os operadores do esquema de desvio de verba, o casal Juliana e Pedro Salomão. Em Brasília, eles apareceram realizando “quase uma centena de saques em dinheiro” em bancos e em casas lotéricas.

Parte da quantia sacada teria sido passada por Salomão ao motorista do ex-assessor de Lira, como mostrou o Fantástico no último domingo. Eles foram flagrados no dia 17 de maio entrando juntos num veículo que estava estacionado em um hotel de Brasília, no qual Cavalcante estava hospedado. Pelas imagens obtidas pela Polícia Federal, o operador entrava no carro com a sacola cheia de dinheiro e saía com o recipiente esvaziado. No mesmo dia, em um novo episódio, na Asa Sul, região de Brasília, Pedro voltou a entrar no carro com o motorista.

Durante busca e apreensão realizada pela PF, conforme revelou o Fantástico, foram encontrados R$ 150 mil e o passaporte de Luciano Cavalcante no porta-malas do motorista. Na ocasião, também foi realizada busca e apreensão em endereços do ex-assessor de Lira. Salomão e Juliana foram presos. Todos os envolvidos negam envolvimento com o esquema. O presidente da Câmara não foi citado na investigação.

Em entrevista à GloboNews na semana passada, ao ser questionado sobre o caso envolvendo o seu ex-assessor, o deputado disse que “cada um é responsável por seu CPF neste país”:

— A gente fica mal com uma notícia como esta, mas eu não posso emitir qualquer juízo de valor sobre uma operação sem ter acesso a investigação. Posso dizer que não me sinto atingido e não tenho nada a ver com isto.

Se não consta no rol de investigados da Operação Hefesto, Arthur Lira está na mira da ação que será retomada pelo STF hoje. O ponto central do inquérito é a apreensão, ocorrida em 2012, de R$ 106 mil com Jaymerson de Amorim, então assessor da Câmara dos Deputados, quando ele tentava embarcar em um voo de São Paulo para Brasília. Em 2018, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que o dinheiro era destinado a Lira, em troca de uma indicação na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), órgão vinculado ao Ministério das Cidades.

A denúncia apresentada pela PGR foi recebida pela Primeira Turma do STF um ano depois. Entretanto, a defesa de Lira recorreu contra a decisão. O pedido começou a ser analisado em 2020, e já havia maioria para manter o entendimento da Procuradoria, mas o julgamento foi interrompido por um pedido de vista. Em abril deste ano, porém, sob nova gestão, a PGR mudou sua posição e pediu o arquivamento do caso. Os ministros que já votaram podem optar por manter ou alterar sua posição.

Na denúncia, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, citou pontos que ligariam Lira à entrega do dinheiro, como ligações e trocas de mensagens trocadas com Amorim no dia da entrega e o fato de as passagens aéreas terem sido compradas com um cartão do deputado.

Na época dos fatos, o comando do Ministério das Cidades era de indicação do PP. O doleiro Alberto Youssef, que prestava serviços para o partido, afirmou em seu acordo de delação premiada que indicou Francisco Colombo para a presidência da CBTU. De acordo com Youssef, a indicação foi chancelada por Lira e por seu pai, o então senador Benedito de Lira, hoje prefeito de Barra de São Miguel (AL), que já teriam influência no órgão.

Colombo esteve 61 vezes em duas empresas de Youssef, entre 2011 e 2013. Em uma ocasião, em fevereiro de 2011, Lira entrou no local pouco antes do então presidente da CBTU. Uma servidora do gabinete de Lira também relatou que Colombo esteve algumas vezes no gabinete do deputado.

Amorim estava empregado no gabinete do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE). Entretanto, Lira reconheceu que ele também prestava serviços para o seu gabinete. No dia da apreensão do dinheiro, Amorim admite que encontrou Colombo em São Paulo, mas apresentou explicações divergentes sobre o motivo da reunião.

As passagens aéreas utilizadas por ele foram compradas com um cartão de crédito de Lira. Além disso, no dia da viagem, o assessor enviou mensagem ao deputado informando que o voo para São Paulo estava atrasado e fazendo referência a alguém que o buscaria no aeroporto — para a PGR, seria Colombo. Em resposta, Lira diz que ele deveria ligar para essa pessoa. No mesmo dia, houve seis contatos por telefone entre Lira e Amorim, incluindo logo depois do pouso da aeronave.

Amorim foi detido ao tentar embarcar de volta para Brasília. O dinheiro estava escondido em diversos pontos do seu corpo. No dia da apreensão, ele afirmou que não conhecia Lira e que estava levando o dinheiro de São Paulo para Brasília. Também alegou que os valores teriam sido pagos por uma consultoria que ele fez para a compra de um imóvel.

Posteriormente, em depoimento, admitiu que trabalhava com Lira e que comprou a passagem com seu cartão. Dessa vez, no entanto, declarou que já saiu de Brasília com o dinheiro e que iria utilizá-lo para comprar um carro em São Paulo de um amigo de Colombo. Contudo, o presidente da CBTU não teria levado o veículo, e por isso ele voltou com o dinheiro.

No depoimento, o assessor também disse que só havia falado com Lira sobre a viagem dias depois. Entretanto, questionado sobre a mensagem que enviou dizendo que o voo estava atrasado, disse que não se lembrava do diálogo. Também disse que não se recordava de uma ligação feita para o deputado no mesmo dia, logo após chegar a São Paulo.

Em depoimento, Lira afirmou que não tinha conhecimento de que as passagens aéreas foram compradas em seu nome e disse que não sabia do motivo da viagem de Amorim. Em resposta à denúncia apresentada ao STF, a defesa de Lira afirmou que “não há uma mensagem, e-mail ou conversa que indique” que ele solicitou alguma vantagem indevida, assim como “não existe qualquer descritivo” que mostre que ele seria o destinatário dos recursos levados por Amorim. Os advogados também afirmaram que Lira não teve participação nem na nomeação nem na permanência de Colombo na CBTU.

O Globo