Lula mira partidos contra derrotas no Congresso
Foto: Cristiano Mariz / O Globo
Diante da sua maior crise política desde o início do governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva admite rever a articulação com o Congresso para manter a governabilidade no restante do mandato, mas ainda busca caminhos para melhorar essa relação. No receituário traçado por líderes partidários ouvidos pelo GLOBO, a solução para o Palácio Planalto não ampliar a lista de derrotas em votações importantes inclui desde mudanças na composição dos ministérios até a definição de novos interlocutores com os parlamentares.
Um dos primeiros passos foi dado pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Ele fez chegar ao presidente da legenda, Marcos Pereira, que gostaria de uma reunião nos próximos dias.
Ao mesmo tempo, o “choque de realidade” na votação da MP que reestruturou os ministérios — aprovada apenas na véspera de perder a validade — motivou uma espécie de mea-culpa no Planalto. Aliados de Lula avaliam ter até a próxima semana para repactuar a relação com os líderes partidários do Congresso, pois já no dia 14 outra importante medida perde a validade, a da nova versão do Minha Casa, Minha Vida.
Líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR) aponta que, até agora, 230 deputados novos não conseguiram sequer cadastrar suas propostas de solicitação de recursos nos ministérios de Educação, Saúde, Agricultura, Cidades e Integração Nacional, fruto de um acordo feito ainda no período da transição de governo.
— Isso é problema do ministério, que tem dotação orçamentária. Foi feito um acordo e você não abre nem para cadastrar proposta, como vai empenhar e pagar? — questiona o líder petista.
Parlamentares reclamam, sobretudo, da dificuldade de dialogar direto com membros do governo com “caneta na mão” para solucionar essas indicações de verbas, nomear pessoas e dar apoio a projetos.
— É necessário fazer um ajuste na Câmara, conversar mais, conversar com o presidente (Arthur Lira) — reconhece o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
As queixas dos líderes, contudo, vão além. Passam ainda por questões como falta de agenda de ministros para receber parlamentares, ausência de respostas a pedidos diversos e até desatenção a rivalidades políticas locais. Para exemplificar a falta de interlocução, eles citam, especificamente, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por ter pouco trânsito no Legislativo.
— O governo é dividido em vários grupos, várias ilhas, e não tem um comando único. Falta um contato sério e respeitoso com o Congresso — afirma o líder do Republicanos no Senado, Mecias de Jesus (RR).
Interlocutores do partido de Marcos Pereira já indicaram que poderiam aceitar uma aproximação em troca de um ministério, além do apoio ao cacique à presidência da Câmara, em 2025.
Integrantes do governo já admitem, nos bastidores, que será necessário um ajuste ministerial nas próximas semanas. Além de levar o Republicanos para a base aliada, esses auxiliares de Lula avaliam que o governo deveria contar com PP no redesenho na Esplanada. A solução seria acomodá-lo em pastas que estão, atualmente, com União Brasil.
Na semana passada, ao se reunir com o líder do União, Elmar Nascimento (BA), Lula reconheceu que houve falhas no processo de escolha dos ministros da cota do partido. Integrantes da legenda interpretaram a declaração como oportunidade para trocar algum dos nomes da sigla no primeiro escalão do governo. Como mostrou O GLOBO na sexta-feira, há negociações para emplacar o deputado Celso Sabino (União-PA), o que não deixaria de ser um aceno a Arthur Lira (PP-AL), já que são aliados. Sabino entraria no lugar de Juscelino Filho (Comunicações) ou de Daniela Carneiro (Turismo).
A relação com Lira é outro ponto de atenção . Um aliado do presidente da Câmara cita que não haverá uma trégua enquanto o governo não oferecer um controle maior do orçamento dos ministérios à Casa, nos moldes do que ocorria no governo Bolsonaro, quando parlamentares enviavam recursos às suas bases via emenda de relator — mecanismo do chamado orçamento secreto.
De acordo com Randolfe, Lula chamará líderes e vice-líderes da Câmara e do Senado, de forma separada, a partir desta semana para agradecer o apoio na MP da reestruturação dos ministérios.
Líderes aliados a Lula, contudo, entendem que só haverá solução com as trocas de Padilha, responsável pela articulação política, e do ministro da Casa Civil, Rui Costa. A avaliação é que o primeiro perdeu a credibilidade nas negociações porque os seus compromissos não são cumpridose Costa é considerado insensível. Ao nomeá-lo, Lula buscou, segundo suas próprias palavras, uma “Dilma de calças”, em referência ao estilo durão adotado pela ex-presidente quando esteve à frente da Casa Civil entre 2005 e 2010. Mas os aliados lembram que a conjuntura hoje é completamente diferente dos dois primeiros governos Lula.
Apesar dos apelos feitos nos bastidores, não há, porém, indicativo de que o presidente esteja disposto a mexer na cozinha de seu governo.
Na avaliação da cientista política Graziella Testa, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV), o problema da governabilidade começa pelo espaço dado para os partidos da base no Executivo:
— Eles (MDB, PSD, União e PSB) fazem parte da base, mas querem ter um espaço no governo proporcional à influência (no Parlamento) e à quantidade de votos que tiveram nas urnas.
Segundo ela, se Lula não quiser depender apenas da liberação de emendas para aprovar projetos, vai precisar ceder mais espaços de poder.
Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper, tem uma avaliação semelhante:
— É preciso dar o peso de acordo com a participação deles nas votações.
Apesar da liberação de emendas individuais, líderes se queixam das dificuldades para o cadastro de projetos pelas prefeituras e no diálogo com os ministérios. Reclamam ainda que o governo não cumpriu acordo para liberar recursos das emendas de relator repassados aos ministérios por decisão do STF.
Há cobrança para a nomeação de indicados pelos partidos em cargos de segundo e terceiro escalão e para que esses cargos sejam distribuídos seguindo critérios de proporção das bancadas. A recriação da Funasa, com 27 diretorias a serem preenchidas, é apontada como parte da solução.
Líderes reclamam que não conseguem resolver demandas porque os interlocutores do Planalto não têm “a caneta na mão” e “passam a batata quente de mão em mão”. Afirmam também que Alexandre Padilha, responsável pela articulação política, não tem mais crédito por não cumprir promessas.
Líderes de partidos de centro dizem que a crise não vai ser resolvida enquanto o governo não der um controle efetivo do orçamento aos parlamentares e propõem entregar o comando de ministérios a indicados pelas bancadas partidárias e incluir PP e Republicanos, hoje fora da base aliada, na partilha.
Na avaliação de líderes, integrantes do governo têm menosprezado a relação com os parlamentares em suas bases eleitorais. Eles citam como exemplos episódios em que ministros como Flávio Dino (Justiça) e Camilo Santana (Educação) não avisaram ou convidaram aliados para agendas em seus estados de origem.
A visita do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, ao Brasil, também serviu de pretexto para líderes criticarem a falta de conexão entre o governo e sua base aliada. Para parlamentares, o apoio a pautas consideradas da extrema-esquerda afasta o presidente de aliados de centro.
Parlamentares reclamam da falta de apoio do governo a pautas defendidas por aliados, seja em projetos em discussão no Congresso ou mesmo em ações dos ministérios. Entre exemplos de insatisfação, o deputado Duarte (PSB-MA) disse ter ficado frustrado após o governo decidir não apoiar uma proposta sua sobre diagnóstico precoce para pessoas com deficiências.