Lula vai à França se reunir com Macron
Foto: Ludovic Marin/AFP
Mesmo com as críticas que levam os analistas a considerarem que as dificuldades de diálogo entre o Palácio do Planalto e o Congresso — principalmente coma Câmara, front onde tem havido as derrotas mais contundentes para o governo — são porque Luiz Inácio Lula da Silva privilegia as agendas internacionais ao varejo da política interna, o presidente e a primeira-dama Janja fazem as malas para novo giro internacional. A programação, dias 22 e 23, com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Paris, vai debater a questão ambiental, garantirá a Lula ter visitado, neste primeiro semestre, o mesmo número de nações em que esteve, no mesmo período, do primeiro mandato (2003-2006).
Mesmo com a questão ambiental no centro do encontro, o brasileiro deve discutir com Macron o conflito causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia. O momento para isso favorece o petista: o presidente francês vem questionando estratégias dos Estados Unidos e pode, na opinião de fontes do Palácio do Planalto, se tornar um aliado importante na posição defendida pelo Brasil — a criação de um colegiado de países, sem a presença dos EUA e de nações que integram a União Europeia (UE), para tentar intermediar a paz entre russos e ucranianos.
Macron tem alinhamento crítico a Washington e já foi questionado, tanto por Moscou, como por Kiev, por algumas falas consideradas dúbias. Ele chegou a pedir que os aliados ampliassem o apoio militar à Ucrânia, mas, em contrapartida, ponderou que a Rússia devesse ser “derrotada e não esmagada”. Ele também defendeu a permanência de Vladmir Putin à frente do Kremlin ao comentar que “todas as outras opções (para o comando do país)” pareciam ser piores.
A relação entre Lula e Macron é fraterna. Começou antes mesmo de o presidente ter garantido a eleição para o terceiro mandato, quando visitou o colega francês, no início de 2022. Macron foi, também, um dos primeiros líderes do G7 a cumprimentar o petista pela vitória da eleição de 2022 — como lembra Hugo Albuquerque, especialista em relações internacionais.
“O encontro entre Macron e Lula é o que deve trazer menos novidades. Tem a pauta ambiental, mas, talvez, seja apenas uma reunião de trabalho. O destaque deve ser a conversa a respeito da conjuntura, da Ucrânia, e sobre as relações com a China”, projeta.
Para Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM de São Paulo, outro ponto importante desse encontro bilateral será a conversa sobre o acordo entre o Mercosul e a UE — sobre o qual o lobby contrário dos agricultores franceses é intenso. Ela lembra que o Brasil tem a maior fronteira terrestre com a França, no caso a Guiana Francesa, e esse território faz do país europeu um ator importante na questão amazônica.
Ela entende que a questão geopolítica tem tudo para centrar o debate entre os dois presidentes. “Macron tem uma posição crítica sobre alguns pontos em relação à disputa entre a China e os EUA, e defende uma atuação mais multilateral. Isso será uma forma de o Brasil ganhar apoio e ter um país europeu relevante ao seu lado”, observa.
Os especialistas ouvidos pelo Correio entendem que o esvaziamento das atribuições dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas — efeito da falta de uma melhor articulação política entre o Palácio do Planalto e a Câmara dos Deputados — não deve causar grande desgaste. Mas o embate entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) contra o Ministério das Minas e Energia e a Petrobras — sobre a exploração do petróleo na foz do Rio Amazonas — poderia ser analisado pela comunidade internacional como falta coesão do governo em torno dos compromissos ambientais assumidos na campanha presidencial.
“A questão causa apreensão. Denuncia que o discurso do governo não condiz com a posição de setores do Poder Executivo. Essa discussão sobre desenvolvimento pela exploração mineral versus a questão ambiental mostra posicionamentos contrários”, aponta Holzhacker.
A pretensão brasileira de ampliar a influência geopolítica, com Lula se apresentando como um mediador neutro do conflito entre Ucrânia e Rússia, encontra barreiras depois da série de declarações desastradas do presidente. Para Holzhacker, “o Brasil perdeu espaço como mediador na questão da Ucrânia. A reunião em Hiroshima, na cúpula do G7, mostrou a percepção de que o Brasil tem um lado, e é a favor da Rússia”.
Albuquerque discorda. Ele salienta que outros países de fora do G7 têm apresentado propostas semelhantes à brasileira. Isso, conforme avalia, pode criar a convergência rumo a um bloco que estimule russos e ucranianos a recuar nas posições que mantêm.
“O fato é que o conflito pode ser freado por esse tipo de proposta, mas não parado, uma vez que as partes beligerantes ainda têm disposição e recursos para manter a guerra. A postura de Lula desafia o entendimento de que apenas o G7 pode propor uma paz na Ucrânia”, afirma.
As declarações de Lula de que as violações aos direitos humanos na Venezuela seriam apenas uma “narrativa” contra Nicolás Maduro é outra questão que pode fazer com que seja cobrado não apenas por Macron, mas também por outros líderes políticos franceses — sobretudo aqueles que fazem oposição ao presidente do país.
É consenso para os especialistas que manobras na política externa não podem ser medidas a curto prazo. Mas, para eles, uma questão é cristalina: o país voltou a participar, e a querer estar presente, de fóruns multilaterais. Isso que reforça a percepção de que o prestígio do Brasil na arena internacional se mantém — e que esteve congelado no período do ex-presidente Jair Bolsonaro.