Pastores “bolsonaristas” silenciam sobre o “mito” às vésperas da inelegibilidade
Foto: Zanone Fraissat – 2.jun.2023/Folhapress
O tsunami bolsonarista que inundou as igrejas evangélicas em 2022 virou uma marolinha. Têm sido bissextas as manifestações públicas de apoio a Jair Bolsonaro (PL) às vésperas do julgamento que poderá torná-lo inelegível.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) começa a analisar na quinta-feira (22) a ação que poderá tirar o ex-presidente de pleitos por oito anos, mas o assunto ainda não mobilizou o Aliança, grupo no WhatsApp que reúne algumas das lideranças mais influentes do segmento.
Lá estão Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo), Renê Terra Nova (Ministério Internacional da Restauração), Estevam Hernandes (Renascer em Cristo), Abner Ferreira (Assembleia de Deus Madureira), Rina (Bola de Neve), Robson Rodovalho (Sara Nossa Terra), César Augusto (Fonte da Vida) e Victor Hugo (Ives Church), entre outros. E a possível inelegibilidade do político que eles abraçaram com tanto entusiasmo no ano passado não é pauta de maior relevância, disseram três integrantes à Folha.
Um passeio pelas redes sociais desse círculo, antes coalhadas de conteúdo abonador ao então presidente em busca da reeleição, ilustra esse esvaziamento. Quase ninguém tem postado sobre Bolsonaro.
O pastor André Valadão (Igreja Batista Lagoinha) é um bom exemplo. Antes do segundo turno, ele chegou a mentir que o TSE o havia intimado a se retratar por acusações contra Lula (PT), o grande rival de seu aliado. Agora que Bolsonaro está prestes a ter seu futuro político decidido pela corte, ele vem usando suas contas para promover ataques ao mês do orgulho LGBTQIA+.
As explicações sobre tanto silêncio variam. Publicamente, pastores dizem que Bolsonaro continua tendo o apreço deles, mas não há muito o que fazer a essa altura do campeonato. Nos bastidores, alguns admitem que 2022 foi desgastante para todos os envolvidos e que, mesmo sem morrer de amores por Lula, preferem não bater de frente com o chefe do Executivo federal por ora.
Há também certo incômodo com o sumiço do ex-mandatário da atividade cristã. Católico que construiu uma coalizão evangélica ao redor de si, casado pelas mãos de Malafaia com a crente Michelle Bolsonaro, Bolsonaro pulou de púlpito em púlpito na corrida eleitoral passada. Uma vez derrotado, deixou de ir a cultos. Também não foi à Marcha para Jesus 2023 —estava descansando no litoral paulista.
Seja qual for a justificativa para o engajamento tímido em sua defesa, ao menos até aqui, o sentimento predominante é de página virada.
O ex-presidente “é o único que ainda tem a capacidade de mobilizar a maioria dos evangélicos numa eleição, e preferimos que ele não seja julgado culpado”, diz o apóstolo César Augusto. Mas é preciso reconhecer que “a tendência é ele ficar inelegível”, e “o povo evangélico já espera isso”.
E decisão assim é para cumprir, afirma. “Pra mim, Justiça é Justiça, tem que respeitar um julgamento do TSE e ponto final.”
Ser pró-ativo neste momento seria contraproducente, segundo Rodovalho, bispo da Sara Nossa Terra. “Não temos muito o que fazer. Não vejo como fazer algum movimento que possa vir a beneficiá-lo. Talvez até o prejudiquemos [com protestos]. No Judiciário é bom não mexer, fica parecendo até interferência.”
O deputado Marco Feliciano (PL-SP), pastor na Assembleia de Deus Catedral do Avivamento, é um dos poucos quadros evangélicos de expressão a servir de escudeiro a Bolsonaro nas últimas semanas. Na segunda (19), compartilhou uma foto do ex-presidente assistindo a uma participação do parlamentar no programa Pânico (Jovem Pan).
A certa altura, Emílio Surita, o apresentador, especula sobre o que acontecerá caso o ex-presidente perca a ação no TSE: “É aquilo que você falou, né? Ele vira vítima mesmo”. O entrevistado responde: “Aí nós vamos ver como o povo vai reagir a isso”.
Ao que tudo indica, se houver manifestações mais densas nas igrejas em prol de Bolsonaro, elas acontecerão depois de uma eventual condenação. Feliciano reconhece isso, mas enverniza a possibilidade com tintas religiosas. “Se tornarem Bolsonaro inelegível, cometerão uma injustiça”, diz à Folha. “Nosso povo evangélico, ordeiro, reagirá com suas orações, clamando aos céus por uma verdadeira justiça.”
Malafaia é a barulhenta exceção. O pastor diz falar pouco com o amigo no banco dos réus, em trocas no WhatsApp, e relativiza a inércia que tomou um segmento outro dia mesmo tão comprometido com o bolsonarismo.
“Do que adianta mobilização contra um tribunal que deixou de ser o Tribunal Superior Eleitoral para ser o Tribunal Superior da Injustiça e da Política? O [Deltan] Dallagnol mostrou a covardia inescrupulosa de um tribunal que, ao arrepio da lei, cassa um cara”, diz, citando o deputado batista cassado pela corte, um desfecho que enfureceu muitos pastores.
Chegou a circular na internet a fake news de que o líder evangélico faria greve de fome se o amigo tivesse os direitos políticos suspensos pelo TSE. Malafaia nega. “Isso é palhaçada de um vagabundo. A única coisa de fome que faço é o jejum para me aproximar de Deus.”
Ele divulgou na terça (20) o que definiu à reportagem como “o vídeo mais violento, de botar para arregaçar, o mais duro que já fiz contra essa patifaria da ditadura do Judiciário”.
Na peça, Malafaia afirma que a reunião com embaixadores que enseja a ação eleitoral contra o ex-presidente não teve nada demais. Bolsonaro, ironiza o pastor, só falou da “santa, imaculada e inerrante urna eletrônica” e “contra os 11 deuses do olimpo do STF”.
Se os ministros do TSE culpabilizarem Bolsonaro, irão transformá-lo “na maior vitima politica da história do Brasil” e no “maior cabo eleitoral deste país”, conclui.