Reforma tributária será votada na 1a semana de Julho
Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
Relator da reforma tributária, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) destaca que a União aceitar, pela primeira vez, aportar recursos próprios para financiar investimentos e convalidar os incentivos fiscais dados pelos Estados é um marco histórico para aprovação da reforma tributária e descarta adiar a votação. “Quem estabelece data é o presidente da Câmara. Ele marcou para a primeira semana de julho, o texto já está sendo debatido e estou pronto para votar na próxima semana”, disse, em entrevista exclusiva ao Valor nessa terça-feira.
Mesmo que ainda não exista acordo em torno do valor do fundo de desenvolvimento regional, com uma disputa para que fique entre R$ 40 bilhões e R$ 75 bilhões, Ribeiro ressalta que o gesto do governo federal levou os governadores a aceitarem, também de forma inédita, que a unificação do ICMS e uma legislação única federal de fato ocorram. Na legislatura anterior, ele lembra, foi justamente esse o ponto que travou de vez a proposta.
Tenho conversado com os partidos para termos um texto com a chancela da política”
O outro entrave que existe são resistências no setor agropecuário, parcialmente resolvidas com alíquotas reduzidas e um regime especial para os produtores com faturamento de até R$ 2 milhões por ano, e dos empresários de serviços, que continuam em grande parte insatisfeitos. Para Ribeiro, esses descontentamentos serão resolvidos com os mecanismos já incluídos no substitutivo de quinta-feira e com mais informação. O setor de serviços, argumenta, não sabe hoje quanto paga de impostos, que se acumulam dentro da cadeia produtiva e, por isso, faz a avaliação incorreta de que pagará mais. “O sistema hoje é injusto inclusive com esses setores porque eles se equivocam também no cálculo.”
Ele rebate que a criação de três alíquotas diferentes, com valores distintos para produtos de higiene e da cesta básica em relação aos demais bens, por exemplo, vá tornar o sistema tão complicado quanto o atual. “O que o torna complexo hoje é que cada Estado tem alíquotas próprias para uma infinidade de produtos e há cumulatividade dentro da cadeia produtiva. Isso vai acabar”, diz. Cita, ainda, que a reforma cria a possibilidade de desonerar completamente o transporte público coletivo. “Vamos reduzir a tarifa de ônibus para quem pega todo dia”, afirma. Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista:
Valor: Qual o calendário agora?
Aguinaldo Ribeiro: Trabalhamos dentro do calendário que o presidente [da Câmara] Arthur Lira fixou, que é [votar] na primeira semana de julho. Estamos ouvindo entes federados e setores. Vamos ouvir, refletir e fazer a discussão política. Já tenho conversado com os líderes dos partidos para aprofundar essa construção de termos um texto que tenha a chancela da política, os votos para aprovar. Não ouvi ainda nenhum argumento que fosse consistente para adiar. Estamos no processo normal de tramitação de uma matéria como essas, fazendo os últimos ajustes, os últimos acordos. Tratativas que vão seguir até o dia da votação.
Valor: Quais pontos foram alvos de mais pedidos de ajuste?
Ribeiro: Conceitualmente o texto foi muito bem recebido porque está estruturado num conceito que defende um país mais competitivo, mais produtivo e mais justo. Há preocupações específicas de um setor determinado, preocupações com um eventual efeito, às vezes por falta de compreensão do que é a própria proposta. Essa dificuldade de pensar na lógica do novo sistema faz com que algumas pessoas se preocupem muito com o IVA [Imposto sobre Valor Adicionado]. Vivemos um regime complexo há 50 anos e romper com essa ideia é um desafio como sociedade. O fato de iniciar a reforma pelo consumo nos possibilitará mudar a lógica distorcida entre renda, patrimônio e consumo que existe só no Brasil.
Valor: O setor de serviços tem dito que perderá com a reforma.
Ribeiro: Não é perder. Esse é o velho pensamento. Quem está pensando assim está pensando com a cabeça de hoje. Estamos propondo um novo modelo para o país. No IVA não há alíquota para setor, não funciona assim. Se fosse assim, a gente estaria fazendo a mesma coisa que já temos. Se a demanda de todos os setores é manter o que cada um paga hoje, então é o sistema que a gente já tem, que é injusto inclusive com esses setores porque eles se equivocam no cálculo. Não consideram que pagam impostos embutidos dentro do preços e que, com o IVA, haverá clareza e sistema de créditos. O setor de serviços é muito amplo. Por exemplo, 90% dessas empresas estão no Simples e terão a opção de continuar no Simples ou migrar para o novo sistema, dependendo da conveniência delas. Existe preocupação muito exacerbada [sobre aumento de carga tributária] ou equívoco na avaliação desses impactos. Quando temos a oportunidade de explicar como se faz a conta, a pessoa começa a raciocinar. […] Mas estamos abertos para que se tragam as preocupações, com dados concretos, para que possamos checar a informação e ver se existe de fato alguma distorção ou não.
Valor: A Confederação Nacional do Comércio divulgou estudo em que diz que haverá aumento da carga tributária para os serviços.
Ribeiro: Aquele é um material que não dá para comentar. É uma opinião com três ilustrações que traz um impacto, mas não diz como é que se deu esse impacto. Se cada um olhar para si, vamos contribuir para que o país continue a ser como é, sem conseguir crescer. Estamos discutindo esse modelo há muitos anos, que foi testado em vários países. Não é uma aventura que vamos trilhar.
Valor: O senhor mesmo admite que o ICMS era para ser simples e não cumulativo, mas que foi distorcido. O que garante que isso não ocorrerá de novo pós-reforma?
Ribeiro: No texto que apresentamos há obrigatoriedade dos dois impostos [o IVA federal e o subnacional] funcionarem da mesma forma. Como estamos amarrando no texto constitucional? O que vale para um vale para o outro, inclusive as reduções, os tratamentos e as imunidades, para que não se tenha distorção depois e também se evite aumento de carga. Um sistema simples de se pagar também contribui para aumentar a arrecadação, diminuir a sonegação e melhorar a formalização da economia. Há potencial arrecadatório muito maior, o que possibilita que seja possível reduzir a alíquota depois, que é o desejo de todos.
Valor: Há reclamações de que a trava contra alta da carga não é efetiva. Como se calculará a alíquota?
Ribeiro: A conta da carga tributária será feita efetivamente, no momento da aprovação da própria lei complementar. Não iríamos inovar e colocar alíquotas na Constituição. O cálculo tem uma regra técnica. Basicamente, ela refletirá aquilo que pagamos hoje na alíquota atual sobre o consumo equivalente a soma desses impostos.
Valor: Um dos grandes impasses é quanto a União vai aportar nos fundos regionais. Os Estados querem R$ 75 bilhões, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fala em R$ 40 bilhões. Como resolver?
Ribeiro: Quanto sobra do Orçamento federal para investimento? [São R$ 70 bilhões em 2023]. Então o valor que ele quer é expressivo. Pode ter negociação, mas a reforma já trouxe grandes avanços federativos. Que governo toparia bancar também a convalidação dos benefícios fiscais dos Estados? Com isso, não vamos romper contratos e nem causar insegurança jurídica. A União bancar é dizer: “olha, vocês precisam acreditar no país”. Muita gente ainda não tem a dimensão do que esse gesto significou. E são R$ 40 bilhões em valores de hoje, mas que serão corrigidos pela inflação, e parte já começará a ser paga agora, em 2025, antes mesmo da unificação do ICMS.
Valor: O fundo pode ser gasto com investimento, mas também permite ao Estado conceder incentivo tributário para atrair empresas. É uma nova forma de guerra fiscal?
Ribeiro: Mas o Estado terá um limite anual e trará mais qualidade de investimentos. Às vezes, você traz empresa, mas o emprego é muito caro para o Estado e isso hoje não fica muito claro para a sociedade. Esse modelo vai qualificar a política, o incentivo vai constar do Orçamento e a população vai poder questionar. Poderá fazer a conta de quanto estou pagando para cada emprego gerado e se vale a pena o incentivo.
Valor: Haverá uma reunião entre governadores e União para definir o valor dos fundos regionais?
Ribeiro: Vai ter muita conversa nos próximos dias. Me animei muito com governadores com quem falei depois da reunião da semana passada, que foi muito boa. Há disposição de realmente ter uma federação cooperativa que vise um novo Brasil. Não dá para pensar só como Estado, como prefeitura. Se o país não cresce, ninguém cresce. Temos compromisso político com os governadores, patrocinado pelo presidente Arthur Lira. Ainda não tive uma posição do Comsefaz, nem dos governadores. Vamos aguardar para que tenhamos o correto endereçamento, respeitando o máximo de consenso possível.
Valor: O parecer prevê três alíquotas para o IVA, com valores distintos, por exemplo, para os produtos da cesta básica, que hoje são mais de 1,3 mil. O sistema ficará mais complexo do que o desejado?
Ribeiro: Uma coisa era o cenário ideal. Eu defendia um IVA único e não houve as condições políticas, então será um IVA dual. Hoje a cesta básica é isenta no âmbito federal, mas no estadual não é e tem alíquotas que variam de Estado para Estado e sobre cada item. É uma confusão. Fizemos uma média nacional, com base em estudos, e com a alíquota reduzida em 50% tenho convicção absoluta de que não teremos oneração. Uns Estados cobram mais sobre determinados produtos, outros cobram menos. Então podem pegar algum produto e, numa narrativa de desinformação, cálculo inconsistente ou mal-intencionado, lamentavelmente tentar criar um fato de que “vai dobrar, triplicar” o imposto, quando na verdade não é isso. Tem que fazer a conta pela média. E tem também o período de transição, que mitigará qualquer problema em relação a isso.
Valor: Há preocupação de que o texto diz que “poderá” haver redução de 50% na alíquota para educação, saúde, cesta básica, entre outros, mas que está no campo do “pode” e não do “terão”.
Ribeiro: É debate que tive [ontem] de manhã com os consultores e que continuamos porque é aquela história da técnica legislativa. Estamos estudando como encontrar a melhor forma de ser claro, respeitando a técnica legislativa, mas já me posicionei com muita clareza quando apresentei o relatório. Qual era o sentido de colocar os setores no texto se não fosse para atendê-los?
Valor: O senhor falou que fez as alterações com base nos estudos. O secretário especial da reforma tributária, Bernard Appy, prometeu em março que apresentaria o impacto por setor, mas nunca mostrou os dados. Não faltou isso?
Ribeiro: Aí vou pedir vênia para que você procure o Appy, que é quem falou. A gente recebeu estudos de inúmeros setores, confrontei com dados da academia e da Receita e fizemos a discussão com base nisso. Houve muita discussão com a sociedade, tudo de forma muito transparente, cobramos metodologia assinada. Alguns setores foram convencidos. O desafio é que as vezes eu pedia informação que ninguém tem, por conta da complexidade.
Valor: Houve reunião na segunda-feira do Instituto Pensar Agro (IPA), que financia a bancada ruralista, e ainda há resistências. Querem, por exemplo, alíquota reduzida em 80% para a cesta básica.
Ribeiro: Estou tratando com os deputados, o Pedro Lupion, com o Sérgio Souza, com o Arnaldo Jardim e com o próprio presidente Arthur, que estão falando em nome do setor agropecuário. Fizemos reunião e tudo que nos pediram foi levado em consideração. Pode ter algum ponto aqui ou acolá [não incluído], mas pactuamos para que se possa caminhar com tranquilidade. Pode ter ajuste redacional, algo precisar ser tratado com mais clareza.
Valor: Há pressão contra a taxação de jatinhos e embarcações? Há empresários do agro reclamando que há veículos em nome próprio, mas usados para os negócios…
Ribeiro: Acho que não é o objetivo da frente [ruralista]. Foram muito claros para mim: a frente quer defender o produtor. Não é o rico do agro. O texto faz essa ressalva, o avião certificado para pulverizar o defensivo agrícola e o barco do pescador não serão taxados. Mas não vi questionamentos à taxação [em geral], [a isenção] é algo difícil de defender.
Valor: Os prefeitos de capitais ainda estão resistentes?
Ribeiro: A Confederação Nacional dos Municípios tem papel hoje fundamental pra que a gente possa avançar. Atendemos aos pedidos deles [como correção do IPTU por ato do Executivo]. E mesmo a Frente Nacional dos Prefeitos, onde ainda há alguma resistência, teve demandas atendidas. A gente vai levar pro cidadão redução da tarifa de transporte público, vai zerar [o IVA do setor]. Isso terá impacto direto para quem pega ônibus todo dia.
Valor: O cashback dos impostos visava substituir a desoneração da cesta básica, mas a desoneração será mantida e o cashback será uma alternativa de política distributiva.
Ribeiro: Não houve consenso nem no grupo de trabalho sobre como deve funcionar o cashback, quais os moldes. Então vamos criar o conceito na Constituição e deixar a discussão para a regulamentação por lei complementar.