Senado deve anular sabotagem da Câmara a Lula

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Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Num momento em que o governo assistiu perplexo à direção da Câmara dos Deputados esticar ao máximo a corda na relação entre os poderes na noite desta quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a ouvir de auxiliares que deveria estreitar os laços com o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Aliados do mineiro observam, entretanto, que a relação entre o Palácio do Planalto e o Senado tem de ser uma via de mão dupla, porque também há senadores insatisfeitos, embora o ambiente na Casa Alta não seja hostil como entre os deputados. Em meio à tensão com a votação da medida provisória (MP) de reestruturação do governo, Pacheco suspendeu a sessão plenária do Senado na noite de ontem, e garantiu o quórum de senadores para eventual votação da proposta, que perde a validade à meia-noite de sexta-feira. Até o fechamento desta edição, havia suspense quanto à apreciação e à aprovação da MP pelos deputados. Mas segundo um interlocutor, Pacheco havia deixado a Casa arrumada para votar o texto a “toque de caixa”, se fosse preciso. A relação estremecida entre Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), em meio ao embate sobre o rito de tramitação das medidas provisórias, vem se refletindo na pauta das duas Casas. Até o momento, o presidente do Senado e seu grupo de aliados mais afinados com a base governista têm se colocado como salvaguarda de propostas de interesse do governo. Um exemplo dessa blindagem é o projeto que suspendeu trechos de dois decretos presidenciais que alteraram regras do novo Marco do Saneamento Básico, uma das primeiras derrotas do Executivo na Câmara. Aprovado pelos deputados em 3 de maio, o projeto de decreto legislativo chegou ao Senado no dia 10, e ainda não tem relator designado. Não terá uma tramitação célere: será submetido a audiências públicas nas comissões de Infraestrutura e de Comissão e Justiça (CCJ) antes de ir a plenário. Em outro episódio de derrota para o governo na Casa vizinha, Pacheco declarou que o projeto do marco temporal das terras indígenas não tramitará em regime de urgência no Senado, ao contrário do que ocorreu na Câmara. Os deputados aprovaram o projeto que altera o sistema de demarcação das terras indígenas por 283 votos a favor e 155 contrários nesta terça-feira. No entanto, para proporcionar essa relação de estabilidade que o Palácio do Planalto não encontra na Câmara, Pacheco e seu grupo de aliados esperam contrapartidas do governo. Interlocutores do presidente do Senado disseram ao Valor que Lula foi aconselhado a estabelecer um canal de diálogo frequente com o líder mineiro para se reunirem, ou conversarem por telefone, ao menos uma vez por semana para discutirem as pautas do Congresso e medirem a temperatura da crise. Lula ouviu a recomendação, entre outros emissários, dos líderes da maioria no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), e do MDB, Eduardo Braga (AM), quando se reuniu com ambos no Planalto no dia 24 de maio. No dia seguinte, Lula levou Pacheco na comitiva que o acompanhou à solenidade pelo Dia da Indústria na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) na capital paulista. “Lula tem demonstrado explicitamente um reconhecimento ao presidente Pacheco, tem sido visível isso”, disse ao Valor o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP). Ele também reconheceu que, devido ao ambiente de turbulência, Lula acaba falando mais com Arthur Lira do que com Pacheco. A relação de Lula e Pacheco tem sido de sintonia desde o começo do governo: o presidente do Senado também integrou a comitiva presidencial na viagem à China no começo de abril. No entanto, são raras as oportunidades em que ambos podem conversar em ambiente reservado e tranquilo. Em paralelo, Pacheco ouve cobranças de senadores aliados, e até mesmo de independentes, quanto à letargia do governo na liberação de emendas, e à falta de cumprimento de acordos. É devido a esse ambiente de insatisfação entre os senadores, que Pacheco não levará o projeto do novo arcabouço fiscal diretamente ao plenário. Na terça-feira, ele anunciou que a proposta passará pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), e, se necessário, haverá audiências públicas. O formato retardará o andamento da matéria, mas não deixa o governo em alerta, porque tudo ocorre sob a rédea curta de Pacheco. O relator da nova regra fiscal deverá ser o senador Omar Aziz (PSD-AM), de seu núcleo mais próximo, e governista de primeira hora. Além disso, a CAE é controlada pelo PSD, com o presidente Vanderlan Cardoso (GO), e o vice Ângelo Coronel (BA).

Valor Econômico