Sogro de ministro das Comunicações despacha no ministério
Foto: Cleverson Oliveira/Mcom
O sogro do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, despacha no gabinete do genro, onde recebe empresários, embora não esteja nomeado em nenhum cargo público. Registros de entradas e saídas do ministério, obtidos pelo Estadão, mostram que o empresário Fernando Fialho, sogro de Juscelino, atende na sede da pasta, em Brasília, inclusive quando o genro cumpre agenda no Maranhão, sua base eleitoral.
Um dos empresários recebidos nas Comunicações, no último dia 17 de março, afirmou ao Estadão que tratou de internet e debateu a “expansão da conectividade” com Fialho. Outro definiu o papel dele como sendo de “apoio”. Procurado, o ministério confirmou que o sogro de Juscelino despacha na pasta e justificou que ele contribuiu “com sua experiência”. Para especialistas, o gabinete paralelo montado nas Comunicações é irregular.
Com um orçamento de R$ 2,2 bilhões, o Ministério das Comunicações é um dos mais importantes do governo. Entre suas funções está a de regular o bilionário setor de telecomunicações e promover a inclusão digital. Também é responsável pela radiodifusão (rádio e TV).
O sogro de Juscelino não tem relação com a área. Ele foi diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) por cinco anos, entre 2006 e 2012. Também exerceu cargo de secretário de Estado do Maranhão entre abril de 2012 e dezembro de 2014, no segundo governo de Roseana Sarney (MDB). A passagem pela Secretaria rendeu um processo na Justiça do Maranhão no qual é réu, acusado de desvio de dinheiro público.
Atualmente, Fialho controla cinco empresas nos ramos de portos, construção, mineração, criação animal e consultoria, segundo dados da Receita Federal. Apesar de não atuar publicamente com telecomunicações, o sogro do ministro recebeu um empresário do setor em 17 de março, no 9.º andar do ministério, onde fica o gabinete de Juscelino.
A portaria das Comunicações registrou a entrada de Luiz Claudio Soares Pereira, diretor da Infovia Digital, para “falar com Fernando Fialho”. A empresa se classifica como uma “união de provedores para o desenvolvimento da internet no Centro-Oeste e Norte do Brasil”.
“Nessa ocasião, fui apresentar ao ministério soluções plausíveis que podem ser adotadas para melhoria e expansão da conectividade da Região Norte e Nordeste do País”, disse Pereira ao Estadão. O empresário não explicou por que despachou com o sogro do ministro nem detalhou a reunião.
No mesmo dia, o sogro de Juscelino recebeu outro convidado, que se identificou apenas como “André Leandro”. O visitante não informou, na portaria, qual era seu cargo, onde trabalhava nem o assunto sobre o qual trataria. Disse apenas que também tinha ido até lá para “falar com Fernando Fialho”.
Naquele 17 de março, uma sexta-feira, enquanto o sogro recebia seus convidados no Ministério das Comunicações, Juscelino estava a 2 mil quilômetros de Brasília. A agenda pública do ministro registrou sua ida à sede dos Correios, em São Luís, para uma cerimônia de “Reconhecimento Destaques do Ano 2022″ e para uma reunião com o superintendente da empresa no Estado, Thiago Silva Serra.
Os documentos internos do Ministério das Comunicações indicam que Fernando Fialho recebeu ao menos quatro convidados entre fevereiro e março. O Estadão apurou que nem todos os acessos de visitantes da pasta entram nos registros. Não é possível, portanto, saber com precisão quantas ou quais pessoas o sogro do ministro recebeu desde o início do governo.
As planilhas de acesso ao ministério, obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI), também não registram informações uniformes sobre todos os visitantes. Ou seja, há meses em que os horários de entrada são registrados para alguns convidados. Em outros, não. E nem todos os visitantes indicam nominalmente as pessoas com quem vão se encontrar.
Não há também, nesses registros, a entrada do sogro de Juscelino na sede do Ministério das Comunicações como visitante. Fernando Fialho é mencionado nos documentos internos apenas como alguém que recebe convidados na pasta.
Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Antônio Cecílio Moreira Pires afirma que, para receber pessoas e despachar em um órgão de governo, o funcionário precisa estar nomeado em uma função pública.
“O servidor público, para exercer suas funções, tem de ser nomeado e tomar posse. No ato da posse, ele será investido das funções públicas que vai exercer a partir de então”, disse Pires. “Para ele estar dentro do ministério recebendo pessoas, despachando, ele tem de exercer uma função pública. Para exercer função pública, tem de ter cargo público. Se não tem cargo público, essa atuação dele é irregular”, completou.
Se não tem cargo público, essa atuação dele é irregular
Antônio Cecilio Moreira Pires, professor de direito administrativo da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Fialho é réu em ação penal por suposto desvio de verbas públicas por meio de um convênio de R$ 4,9 milhões, firmado com um instituto mantido por laranjas para obras de “melhoramento de caminho de acesso”, no interior do Maranhão. O convênio foi assinado no período em que ele atuou como secretário de Desenvolvimento Social e Agricultura Familiar do governo de Roseana Sarney.
O Ministério Público acusa o sogro de Juscelino de autorizar o gasto “sem qualquer critério definido” e de dar continuidade a repasses mesmo diante de denúncias de irregularidades. A denúncia foi oferecida em outubro de 2019 e recebida pela Justiça do Maranhão em fevereiro de 2021. O processo segue em tramitação e, desde o fim de abril deste ano, está “concluso para decisão”.
O texto da denúncia, obtido pelo Estadão, afirma que o então secretário tomou ciência das irregularidades ainda em meados de 2013, mas as ignorou. “Não havia um plano de trabalho definido como também o ente público estadual não sabia onde tais obras deveriam ser realizadas. Na verdade, havia um firme propósito de conveniar com alguma entidade com o fim exclusivo de repassar os recursos públicos”, alega o Ministério Público do Maranhão.
O instituto mantido por laranjas não tinha a realização de obras de acesso entre as suas atribuições e dizia funcionar em um endereço falso. Além disso, não houve nem sequer comunicação do convênio com os seis municípios que supostamente seriam beneficiados.
Os registros das Comunicações apontam ainda que, em 7 de fevereiro, Fernando Fialho recebeu o empresário Ricardo Conrado Mesquita, identificado pela portaria como um “amigo”. Ele informou que se dirigiria ao gabinete do ministro, no 9º andar. Naquele dia, Juscelino esteve em reuniões no ministério entre 10 e 19 horas, segundo sua agenda oficial. Nem Fialho nem Mesquita aparecem na sua agenda.
Ricardo Mesquita disse ao Estadão que estava em Brasília, naquela data, e confirmou ter ido ao Ministério se encontrar com Fialho. Relatou que o empresário estava no ministério dando um “apoio”.
Em 15 de março, foi a vez de um visitante identificado como Paulo Ramalho entrar no ministério para falar com o sogro do ministro. O convidado não informou, na portaria, qual era seu cargo. Disse apenas que se tratava de um “particular”. Juscelino esteve, naquele dia, em São Paulo pela manhã. Voltou a Brasília e participou de sete reuniões no ministério durante a tarde.
Desde o início do ano, o Estadão tem mostrado que Juscelino Filho faz mau uso do dinheiro público. O ministro usou avião da FAB para ir a leilões de cavalo em São Paulo, em janeiro. Dos quatro dias na capital paulista, Juscelino consumiu três com compromissos particulares, como inauguração de praça em homenagem a um cavalo e festa dedicada a equinos. Tudo pago com dinheiro público.
As reportagens também revelaram que Juscelino escondeu do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de R$ 2,2 milhões em cavalos de raça. Quando exercia o mandato de deputado federal, Juscelino enviou verba do orçamento secreto para asfaltar uma estrada que dá acesso às suas fazendas em Vitorino Freire, no Maranhão.
Ao Estadão, Fernando Fialho confirmou que esteve “algumas vezes” no ministério, “principalmente no início do ano”. O sogro declarou que “é falacioso” e “leviano” dizer que ele atua na pasta ou exerce qualquer função. Segundo o empresário, sua contribuição “é meramente de um conselheiro informal”.
“Não tenho nenhum vínculo com o setor de comunicações”, declarou. “Fui prestigiar meu genro frente ao seu novo desafio.”
O sogro de Juscelino afirmou ser “natural” haver registros de sua presença, ou mesmo que alguma pessoa tenha se identificado para falar com ele, pois estava lá. “Estranho seria se não tivessem adotado tal procedimento”, disse.
“Não sou nem poderia ser nomeado a nenhum cargo no Ministério das Comunicações, uma vez que sou familiar do ministro e, em respeito à administração pública, jamais foi cogitado pelo ministro, tampouco por mim, a possibilidade de ocupar função pública no MCom”, argumentou Fialho. Sobre o processo em que é réu, o empresário afirmou que está “certo da inocência e com confiança total na Justiça”.
Em nota, o Ministério das Comunicações exaltou as “qualificações profissionais – técnicas e acadêmicas” –, de Fernando Fialho. Segundo a pasta, o sogro esteve presente e próximo a Juscelino Filho no começo da gestão e contribuiu “com sua experiência” de forma espontânea, “prática essa muito comum em períodos de formação e formulação de um novo governo”. Há, porém, registro de reunião em março do sogro, no gabinete do ministro, sem a presença de Juscelino.
A pasta classificou Fialho como conselheiro informal de Juscelino Filho. A nota registrou ainda que ele esteve “eventualmente” na pasta “para conversar com o ministro” e que, nessas ocasiões, participou de reuniões, “o que também não é incomum”. O cruzamento das agendas mostra, contudo, que o sogro despacha sem a presença do ministro em Brasília.
“Merece esclarecer que o ministro nunca cogitou nomear o seu sogro, Fernando Fialho, em virtude do vínculo familiar”, destacou a nota do ministério.