Abin divulga roteiro golpista do 8 de janeiro

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Foto: REUTERS

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) compartilhou com a CPI dos Atos Golpistas, que investiga os ataques de 8 de janeiro, 11 relatórios de inteligência que descrevem as diversas frentes de organização da invasão dos prédios dos Três Poderes.

A TV Globo teve acesso à integra dos 11 documentos, entregues à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista em 21 de junho, que são um roteiro da tentativa de golpe.

Nos relatórios, o órgão rastreia os suspeitos de financiar e divulgar os atos, além de indicar como eles se organizaram por meio das redes sociais e o plano orquestrado de ataque a torres de energia e sistemas de controle.

Os relatórios são divididos da seguinte forma:

Empresários que contrataram ônibus fretados para transportar os golpistas
Envolvimento de empresários do garimpo no financiamento dos atos
Empresas transportadoras que deram suporte às ações violentas
Ameaças de novas ações violentas como identificação de explosivos em locais públicos e sabotagem de sistemas de controle industriais
Ataques a torres de linhas de transmissão de energia com objetivo de causar prejuízo no abastecimento
Influenciador digital que participava de grupos extremistas em redes sociais com convocações para os atos golpistas
Participante de atos extremistas que auxiliou bolsonaristas a saírem do DF
Intensificação da atuação de extremistas violentos de direita
Mapeamento dos presos e foragidos no 8 de janeiro
Identificação de grupo extremista violento em Brasília que poderia ameaçar a posse do presidente Lula
Empresários do agronegócio que patrocinaram os ataques de 8 de janeiro e articularam anteriormente diversos atos por intervenção militar e em apoio a Bolsonaro

A Abin identificou 83 pessoas e 13 organizações que contrataram 103 ônibus fretados com objetivo de transportar para Brasília 3.875 pessoas, todas já identificadas. De acordo com o mapeamento feito pela agência, a grande maioria dos contratantes é da região Sul e Sudeste.

Apesar disso, “é provável que diversos contratantes tenham sido utilizados como ‘laranjas’ com objetivo de ocultar os verdadeiros financiadores das caravanas e dos manifestantes”.

Entre os financiadores identificados está Pedro Luis Kurunczi, empresário do ramo de engenharia de Londrina (PR), que seria responsável por locar quatro ônibus que foram a Brasília transportando 153 pessoas.

Outro identificado foi Marcelo Panho, de Foz do Iguaçu (PR), que locou dois ônibus para transportar 73 pessoas. Ambos foram alvos da operação Lesa Pátria, da Polícia Federal, em fevereiro.

A partir da análise de máquinas usadas no garimpo ilegal no Pará, foi rastreada uma rede de empresários que financiou manifestações contrárias ao resultado das eleições.

O relatório destaca que os empresários Roberto Katsuda e Enric Lauriano estão diretamente associados à prática do garimpo e possuem relação com políticos da região.

Segundo o documento, Lauriano financiou manifestações no Pará e em Brasília e esteve presente nos atos golpistas de 8 de janeiro.

A agência classifica Katsuda como “notório defensor de garimpos em áreas protegidas e visto como um dos maiores articuladores políticos” do tema.

Oito retroescavadeiras identificadas eram usadas em atividades ilegais dentro das Terras Indígenas Kayapó e Trincheira-Bacajá, no sudeste do Pará.

Três equipamentos apresentavam como última proprietária a empresa BMC Máquinas, Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações, administrada por Felipe Sica Soares Cavalieri, com sede em Itatiaia (RJ). Outras quatro retroescavadeiras eram dessa empresa, mas foram revendidas.

A filial da BMC em Itaituba (PA) é administrada pela filha de Roberto Katsuda e é o principal ponto logístico para o garimpo na bacia do Rio Tapajós.

Katsuda “financia a estrutura do lobby garimpeiro do vereador Wescley Tomaz”. Pelo documento, os dois fazem parte da comissão pró-garimpo junto com Fernando Brandão, dono de um escritório de advocacia, e Guilherme Aggens, engenheiro florestal da Geoconsult Pará.

Desde 2018, o grupo realizou diversas reuniões com parlamentares e ministros em Brasília, inclusive com a participação de Bolsonaro, para liberação do garimpo em Unidades de Conservação e Terras Indígenas.

Devido à influência desses empresários, foi proposto o projeto de lei (PL) 191/2020, que busca regulamentar o garimpo em terras indígenas.

O relatório identificou 272 caminhões que integraram comboios para Brasília a partir de 4 de novembro de 2022. A grande maioria está registrada nos seguintes estados: Mato Grosso (136), Goiás (46), Bahia (46) e Paraná (26).

Dos 272 veículos, 132 caminhões estão registrados em nomes de empresas, o que, de acordo com a Abin, representa envolvimento de grupos empresariais no financiamento ao acampamento no QG do Exército.

Os demais veículos, 140, estão em nome de pessoas físicas. Mas não pertenciam a caminhoneiros autônomos. Os proprietários são sócios em empresas de médio porte do setor agropecuário.

“A idade dos caminhões reforça o indício de envolvimento de grupos empresariais. Veículos de caminhoneiros autônomos têm, em média, 18 anos de uso. No entanto, aproximadamente 65% dos caminhões presentes nos comboios são novos e seminovos (ano modelo a partir de 2019). Somente 18 dos 272 caminhões analisados (6%) têm 18 anos ou mais.”

O documento traz as principais rotas percorridas até Brasília e os nomes das companhias envolvidas. A empresa com mais caminhões (10) é a Sipal Indústria e Comércio, de Paranaguá, no Paraná. O faturamento estimado do negócio em 2021 foi de R$ 250 milhões.

A Sipal atua na moagem de grãos e, também, na criação de bovinos e aves.

A Abin avaliou que o formato dos ataques poderia mudar após o 8 de janeiro. Em vez de manifestações, havia maior risco de atos de vandalismo, sabotagem e ataques a sistemas de controle, como, por exemplo, os de distribuição de energia, gás e gasolina.

A agência relatou, no fim de janeiro, que permanecia “o risco de mobilização violenta de atores isolados ou pequenas células” e de “ameaças por indivíduos radicalizados que não foram localizados e detidos”.

Em 10 de janeiro, uma mochila foi encontrada em um viaduto de Feira de Santana (BA) com quatro artefatos que poderiam ser explosivos conectados a uma placa eletrônica.

No dia seguinte, foi encontrado um explosivo próximo à Rodoviária do Plano Piloto, em Brasília, que foi retirado pela polícia.

“Há tendência de formação de agrupamentos menores, mais fechados e formados por indivíduos radicalizados com maior propensão à ação violenta, e de mudança do modus operandi, passando de ações ostensivas, como bloqueios e manifestações, para atos de vandalismo, sabotagem e ataques contra ICs [sistemas de controle]”, diz o relatório.

Este documento cita ainda que “Ramiro dos Caminhoneiros”, liderança da categoria que fez convocações para os ataques, seguia enviando mensagens chamando os grupos para novos protestos.

O relatório lista nove tentativas de sabotagem a torres de linhas de transmissão que possuem “relevância estratégica para a matriz energética nacional”:

Dia 14 de janeiro, foram detectados danos a estruturas das torres das linhas de transmissão da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). A companhia avaliou o ataque como de “alto risco” porque a queda de uma dessas torres causaria prejuízo ao abastecimento de energia na região.
Em 28 de dezembro de 2022, houve tentativa de derrubar uma torre em Loreto (MA). Dois botijões de gás foram encontrados no local pela equipe da Eletronorte prontos para explodir.
Em duas cidades de Rondônia, Cujubim e Rolim de Moura, cabos de sustentação das torres de transmissão foram intencionalmente rompidos em 8 de janeiro. Depois, em 14 de janeiro, houve a queda de uma torre em Pimenta Bueno, com indícios de vandalismo e sabotagem.
Em Medianeira (PR), houve queda de uma torre e danos em três torres próximas a ela no dia 9 de janeiro. No dia 16 do mesmo mês, peças de sustentação da torre em Cascavel foram roubadas.
Em São Paulo, foram retiradas da torre de Rio das Pedras diversas peças de sustentação da sua estrutura no dia 12 de janeiro.
Em Cuiabá, no Mato Grosso, a Eletronorte identificou que parafusos foram removidos da parte inferior da torre.

A Abin apresenta informações a respeito de um extremista radical, de 24 anos, que propunha a resistência civil contra o Estado brasileiro, no contexto do governo Lula.

O jovem se manifestava em listas no Telegram. Ele é membro de 119 grupos do aplicativo. As conversas incitavam novas ações violentas, depois do 8 de janeiro, e tratavam da criação de grupos paramilitares.

O extremista declarou que estava estruturando um grupo paramilitar no estado do Rio de Janeiro, que teria integrantes da polícia, para “prover treinamento e armamento aos demais membros”.

Ele defendia criar células de “autodefesa” por todo o país para defender os interesses da extrema-direita, assim como foi feito na Ucrânia, em 2014.

“Além de trocarmos informações, devemos buscar nos organizar em células de autodefesa locais, porque a partir do momento que eles dominaram tudo, seus ‘coletivos’ como na Venezuela, já não teremos muito o que fazer”, afirmou em mensagem no dia 16 de janeiro, em um dos grupos.

Neste relatório, a agência investigou um candidato a deputado distrital em 2022 pelo PTB que organizou campanha on-line e, com os recursos, comprou passagens de ônibus. Os bilhetes eram para bolsonaristas que estavam acampados em frente ao QG do Exército em Brasília voltarem para seus estados.

O jovem de 26 anos tentou invadir a sede da Polícia Federal em dezembro e participou dos ataques de 8 de janeiro. Nas redes sociais, ele repercute notícias falsas referentes às eleições de 2022 e critica a prisão dos vândalos que depredaram os prédios dos Três Poderes.

Ele recebeu R$ 50 mil do partido para disputar as eleições para a Câmara Legislativa do Distrito Federal, mas não foi eleito.

Neste relatório, produzido dez dias após os ataques, a Abin notou uma intensificação na atuação dos chamados extremistas violentos ideologicamente motivados (EVIM).

Esse movimento decorreu da crescente radicalização de uma parte dos manifestantes que contestavam, sem fundamento, a validade do processo eleitoral.

“A disseminação de narrativas de incentivo à violência, somada ao emprego de discurso conspiratório, à difusão de notícias falsas e à veiculação de reivindicações de ruptura democrática, aumenta o risco de radicalização de indivíduos isolados ou pequenos grupos com potencial para mobilização para ação extremista violenta”, afirma o relatório.

A Abin aponta que já existia um “elevado grau de radicalização e potencial para mobilização para violência” mesmo antes dos ataques de janeiro, como foi possível ver na tentativa de invadir a Polícia Federal e a tentativa de explodir um caminhão-tanque carregado de combustível, no aeroporto de Brasília.

Conforme o documento, após a desmobilização parcial do acampamento no QG do Exército, as convocações passaram a ser realizadas em redes sociais, a partir de 3 de janeiro. A ideia inicial era que as invasões ocorressem em 6 de janeiro, em alusão à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos.

Ainda diz que as ações violentas foram premeditadas, uma vez que foram identificadas mensagens que aconselhavam o uso de máscaras de proteção contra gás, vestimentas militares e porte de armas brancas ou armas improvisadas.

“Circularam em mídias sociais e aplicativos de mensageria instruções para confronto com forças de segurança, incluindo contramedidas em caso de uso de gás lacrimogêneo”.

A Abin lista o nome de 28 pessoas envolvidas com os ataques, mas que não tinham sido presas até 26 de janeiro. Os suspeitos foram classificados em seis categorias: lideranças identificadas, invasores com acesso a arma de fogo, influenciadores, organizadores de caravanas, financiadores e invasores.

Ao menos três foram presos após a elaboração do documento em operações da Polícia Federal:

Eduardo Antunes Barcelos: classificado pela Abin como invasor com acesso a arma de fogo.
Joelson Sebastião Freitas: classificado pela Abin como invasor com acesso a arma de fogo.
Marisa Aparecida Aires Nogueira: classificada pela Abin como invasora com acesso a arma de fogo.

Este é o relatório mais antigo, produzido no ano passado. Nele, o órgão mapeou a presença de um grupo extremista violento em Brasília que poderia trazer ameaças para a posse do presidente Lula, em 1º de janeiro deste ano.

“A presença desse grupo extremista na capital federal eleva o risco de ocorrência de ações violentas com potencial de impactar a posse do presidente eleito.”
O alerta foi dado a partir de quatro fatores:

militares da reserva são integrantes do grupo;
presença de membros do grupo nas proximidades da sede da Polícia Federal durante a diplomação do presidente Lula, quando houve tentativa de invasão do órgão;
comunicação com um movimento radical, que tinha como objetivo criar unidades paramilitares para atuar no país;
um dos líderes ter publicou vídeo, em 22 de dezembro, dizendo que “a partir de então seria iniciada nova fase dos atos de protesto, pois o povo estava inflamado e não iria entregar o país ao crime político organizado”. E que se a “salvação” não viesse pelo amor, viria “pela dor”.
De acordo com a Abin, os membros do grupo “compartilham posição político-ideológica semelhante, discurso radical de deslegitimação do Estado de Direito e propensão à ação violenta”.

Um dos líderes do grupo, inclusive, invadiu o plenário da Câmara dos Deputados, em 2016, durante um ato que pedia intervenção militar no país.

Além disso, o grupo também foi responsabilizado por incitar a “desordem” durante o desfile de 7 de setembro de 2021, em Brasília.

A agência ainda informou que apesar de ser um grupo sem grandes recursos para financiamento de ataques, “[o grupo] tem capacidade, motivação e meios para planejar, executar ou prestar suporte a um ato extremista violento”.

O documento aponta o Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA) como um dos “principais articuladores” de atos defendendo intervenção militar, mesmo antes das eleições do ano passado, e de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

O movimento realizou bloqueios rodoviários. “Muitos dos caminhões que partiram em comboio para Brasília após a eleição para apoiar o acampamento em frente ao Quartel do Exército partiram de regiões de influência do MBVA”, explica o parecer.

Segundo o documento, participaram da fundação do grupo em 2018: Associação Nacional de Defesa dos Agricultores e Produtores da Terra (Andaterra), as Associações de Produtores de Soja e Milho (Aprosojas) de Mato Grosso e Goiás, e a União Democrática Ruralista (UDR).

Atualmente, o grupo é coordenado pelas lideranças da Andaterra, Aprosoja Brasil, Aprosojas Mato Grosso, Goiás e Bahia.

A Abin explicou que o grupo tem uma posição política “secundária”, ou seja, não é o principal representante do setor. O MBVA tem divergências, por exemplo, com a Frente Parlamentar Agropecuária e com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Por causa deste papel não tão relevante no setor, as lideranças do MBVA estreitaram as relações com políticos na tentativa de fazer andar pautas de seu interesse como restrição da demarcação de terras indígenas e armamento da população.

Entre os identificados pelo órgão como principais líderes do grupo estão: Antônio Galvan, presidente da Aprosoja Brasil, e Jeferson da Rocha, advogado em Florianópolis e porta-voz do grupo.

Galvan é considerado por outros coordenadores do movimento como “general” do grupo, diz o documento. Ele é investigado pelo Supremo Tribunal Federal no inquérito dos atos de 8 de janeiro.

De acordo com o relatório, Rocha é chamado de “líder” e mantém contato com Alex Silva, do grupo extremista Ucraniza Brasil. Galvan se candidatou ao Senado em 2022, e Rocha a uma vaga de deputado federal. Não se elegeram.

“Com capacidade de mobilização nacional, o MBVA organizou atos em Brasília que contaram com deslocamento de máquinas agrícolas, caminhões e caravanas de suas áreas de influência local. A partir da articulação da sua rede de contatos nas Aprosojas e nos sindicatos rurais, o grupo demanda e coordena doações em suas bases. Os protestos geralmente ocorrem após o período de colheita da soja (entre janeiro e abril no centro-oeste) quando há mais disponibilidade de máquinas e pessoal.”

As convocações ocorrem por meio de redes sociais. Pelo documento, o MBVA controla o programa Sucesso no Campo, na TV aberta.

O relatório lista os atos que o grupo promoveu ou participou:
organizou ato na Agrobrasília em maio de 2019 em apoio a reformas econômicas;
participou e apoiou o acampamento 300 pelo Brasil em Brasília em maio de 2020;
organizou ida de tratores e caminhões a Brasília em 15 de maio 2021;
organizou protesto com tratores na sede da PF em Sinop (MT) em 23 de agosto 2021;
liderou manifestações do 7 de setembro de 2021;
levou máquinas pesadas a Brasília para a manifestação do 7 de setembro de 2022;
atuou nos bloqueios e nos atos contra o resultado eleitoral a partir de 31 de outubro 2022.

O delegado suplente da Aprosoja de Mato Grosso, Vilso Gabriel Brancalione, foi preso em novembro de 2022. Ele e mais duas pessoas trocaram tiros com policiais depois de terem furtado e incendiado pneus em um bloqueio em Nova Mutum (MT).

“Os municípios de influência das lideranças do MBVA são praticamente os mesmos de onde partiram os principais comboios de caminhões com destino a Brasília para as manifestações contra o resultado eleitoral em 2022, assim como nas manifestações ocorridas entre 8 e 10 de setembro de 2021”, explica.

G1