Centrão volta a fazer celeuma para extorquir Lula

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Foto: Cristiano Mariz/O Globo

O impasse em torno do futuro da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), cuja extinção pelo governo Lula foi revertida pelo Congresso no mês passado, ameaça quase mil convênios firmados entre a entidade e municípios para obras de saneamento, que representam R$ 1,2 bilhão e não foram prorrogados em meio ao imbróglio. A indefinição piorou o clima entre o Planalto e o Centrão e tem alarmado prefeitos pelo risco de inadimplência.

Até agora, 375 contratos já expiraram e outros 531 perderão a validade até o próximo dia 23. São convênios firmados em governos anteriores e que poderiam ser renovados, mas entraram em um limbo diante da disputa entre o governo Lula e o Congresso pela recriação da Funasa. A maioria se refere a obras de saneamento em curso em municípios pequenos e rurais, principal foco de atuação do órgão.

Sem poder dar prosseguimento aos empreendimentos, mas com uma parcela dos recursos já repassada, mandatários que disputarão a reeleição em 2024 temem responder por improbidade administrativa e acabarem inelegíveis. Os números foram compilados por ex-funcionários da Funasa consultados pela equipe da coluna com base em dados da Secretaria Nacional do Saneamento.

Como antecipou O GLOBO, o governo convidou parlamentares que pressionaram pela recriação da Funasa para uma reunião com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, na última quinta-feira (6) em busca de um acordo. O Planalto quer a entidade subordinada ao Ministério das Cidades, controlado pelo MDB.

De olho no controle da fundação, aliados do União Brasil, PSD e PP defendem que ela fique atrelada ao Ministério da Saúde, como no passado, fora da influência emedebista.

O clima, que já não era favorável a um consenso, azedou. Isso porque, após ser transferido para a Secretaria de Relações Institucionais sem aviso prévio, o encontro sequer aconteceu. Segundo fontes ouvidas pela equipe da coluna, os parlamentares convocados pelo Planalto levaram um “chá de cadeira” de 40 minutos e acabaram não sendo atendidos.

Haviam sido convidados o senador Hiran Gonçalves (PP-RR), relator do projeto de decreto legislativo que reestruturá a nova Funasa, a também senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), presidente da Comissão Mista de Orçamento, e o deputado federal Danilo Forte (União-CE), que já presidiu a entidade.

Parlamentares têm relatado, sob reserva, pressão diária de prefeitos de municípios, em especial do Norte e do Nordeste, onde Lula teve maioria absoluta sobre Jair Bolsonaro em 2022, por conta da insegurança jurídica envolvendo os convênios vencidos da Funasa.

A equipe do blog também apurou que o governo passou a sondar discretamente senadores da base para que retirassem suas assinaturas do requerimento de urgência do projeto de Hiran Gonçalves após o Planalto solicitar o adiamento da votação, prevista para a última quarta (5), para consolidar um acordo.

O objetivo seria impedir que o tema seja tratado na próxima terça-feira, nova data prevista para a deliberação pela urgência, e adiar novamente uma definição.

A movimentação irritou ainda mais os partidos do Centrão, especialmente por ocorrer em meio à tramitação da reforma tributária. Isso porque o Congresso entra em recesso no próximo dia 18 e o projeto precisa ser votado até 2 de agosto, quando expira o prazo regimental para suplantar os efeitos da medida provisória derrubada em junho.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já disse a aliados estar disposto a pautar o projeto tão logo seja aprovado pelo Senado.

Para parlamentares ouvidos sob reserva pela equipe do blog, o possível adiamento da votação do Conselho de Administração dos Recursos Fiscais (Carf) e do arcabouço fiscal para o segundo semestre é um recado de líderes próximos a Lira sobre os reflexos dos atropelos da articulação do Planalto junto ao Congresso – incluindo o da Funasa.

Procurado, o deputado Danilo Forte confirmou a pressão de prefeitos diante do ambiente de insegurança jurídica.

“Vejo um desinteresse muito grande da parte do governo, principalmente partindo da Casa Civil. Essa omissão causará um prejuízo muito grande aos pequenos municípios. Estão criando um problema para os prefeitos que, lá na frente, resultará em uma confusão muito grande. Boa parte desses municípios são base do Lula”, alerta Forte, que presidiu a Funasa no segundo mandato de Lula.

Procurada, a Casa Civil não respondeu até a publicação desta reportagem.

No pano de fundo da disputa intrincada entre o governo e os partidos aliados está o controle da própria entidade, disputado entre as legendas do Centrão. Como revelou O GLOBO no último dia 27, o núcleo político do Planalto passou a cogitar entregar a Funasa ao bloco liderado por Arthur Lira para frear a fritura da ministra da Saúde, Nísia Trindade. Em jogo está cargos da diretoria nacional e de 27 superintendências regionais.

Fundada em 1991, no governo Fernando Collor, a fundação sempre foi alvo de cobiça de partidos do Centrão pela capilaridade no território nacional e por um orçamento expressivo. A medida provisória que pôs fim ao órgão, assinado por Lula já no dia de sua posse, seguiu uma recomendação do grupo de trabalho de saúde do gabinete de transição, com base em relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU) que apontaram irregularidades como fraudes em contratos.

A decisão pegou o Congresso de surpresa. Isso porque a PEC da Transição, aprovada ainda em dezembro com articulação da base lulista, previa um orçamento generoso de R$ 2,9 bilhões para a fundação que, até ser extinta, a tinha mais de 2 mil funcionários – hoje distribuídos por diferentes pastas. A novela envolvendo a Funasa se arrasta desde então.

Como publicamos em maio, o desfecho do lobby pela recriação da entidade era visto nos bastidores de Brasília como um termômetro da relação do Centrão com o Planalto. Na ocasião, o governo Lula tentava articular na Câmara o apoio necessário para aprovar seis MPs editadas em janeiro que arriscavam caducar, incluindo a que acabou com a Funasa.

Pressionado por uma base instável na Casa e problemas na articulação política, o governo quase viu outra medida provisória, que definia a estruturação atual da Esplanada dos Ministérios, ser derrubada pelos deputados. Aprovada praticamente no limite do prazo, a MP incluiu um destaque de última hora que recriava a fundação e o Planalto acabou derrotado.

O órgão sempre foi cobiçado por partidos da base em diferentes governos. Seu comando já esteve nas mãos do MDB, além do PSD – que mandava na fundação até o fim do ano passado – e do PP.

Com mais esta bomba armada, é provável que a fatura do bloco diante da pressão pela Funasa aumente a cada dia. O que resta claro é que o governo Lula adentrou o segundo semestre com brigas antigas ainda a serem resolvidas.

O Globo