Governadores de direita querem ser herdeiros de Bolsonaro

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Em meio à disputa pelo espólio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a reação ao fim do programa federal de escolas cívico-militares reforça uma estratégia de governadores do Sul e Sudeste cotados para a próxima disputa presidencial: a de enfatizar ao eleitorado contrapontos ao governo Lula. O episódio se soma a outras sinalizações de divergências à gestão petista nos últimos meses, principalmente na área econômica.

Embora tenha ocorrido em 13 estados — não restrito apenas aos governados por nomes alinhados ao bolsonarismo —, o anúncio de continuidade dessas escolas recebeu defesa mais enfática de aliados do ex-presidente, principalmente em regiões nas quais Bolsonaro teve melhor desempenho eleitoral em 2022. O governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi um dos primeiros a se manifestar pouco depois do comunicado federal, ao lado de Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, e Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, também apoiadores do ex-presidente. Ao abordar o tema, o mineiro Romeu Zema (Novo) aproveitou para acenar às Forças Armadas ao elogiar “a tradição, a disciplina e o prestígio” das instituições de ensino.

O posicionamento enfático ocorreu após mandatários aliados a Bolsonaro se manifestarem a favor da Reforma Tributária, aprovada na Câmara dos Deputados e encampada pelo governo Lula. O apoio ao texto gerou desgaste entre Tarcísio e Bolsonaro, que orientou no PL voto contrário à proposta. O governador chegou a ser alvo de ataques da base bolsonarista nas redes.

Apesar do alinhamento a Lula na Reforma Tributária, os governadores do campo da direita já fizeram uma série de críticas à gestão federal na agenda econômica. Um dos principais focos são as pressões de Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por manter a taxa de juros em 13,75% ao ano. O grupo também se uniu ao se posicionar contra os decretos do petista publicados em abril que buscavam flexibilizar o Marco Legal do Saneamento Básico. Após derrotas no Congresso, o governo recuou e costurou com o Senado alternativa à medida.

Mesmo nomes que tentam uma aproximação com Lula mantiveram críticas nesses temas. Foi o caso do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).

— A tentativa de rever o marco do saneamento é um retrocesso — disparou Leite em entrevista ao GLOBO, em maio.

Embora já tenha recebido o petista e ministros no estado, o tucano adota estratégia oposta de sua correligionária, a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, que enfatiza a neutralidade.

Outro tema usado pelos governadores para marcar diferenças com Lula são as ações do MST, alvo de uma CPI no Congresso e aliado do petista, e a exaltação ao agronegócio. Em abril, Ronaldo Caiado, de Goiás, falou que e seu estado não existe “mês vermelho”, em referência ao termo usado para tratar o avanço de invasões, e que já havia acionado as forças de segurança.

Em outra frente, o chamado Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud), que reúne os executivos dos estados das duas regiões, tenta reproduzir o modelo adotado por gestões do Nordeste na oposição em bloco ao governo anterior.

O Cosud também se transformou em um espaço para marcar posição, fazer articulação política e se projetar nacionalmente. Embora tenha sido criado em 2019, só agora foi oficializado. Dois encontros foram realizados este ano, o último em junho, em Belo Horizonte. Zema citou, no evento, que a inspiração foi o Consórcio Nordeste, que ganhou protagonismo com o enfrentamento a Bolsonaro.

Diretor da empresa de pesquisa Quaest e professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Felipe Nunes avalia que os governadores aproveitam oportunidades abertas pelo governo Lula para ocupar espaço na oposição e reforçar seu alinhamento ideológico com a base bolsonarista. Um exemplo do impacto dessa agenda para o eleitorado mais distante do PT, aponta o cientista político, é a posição adotada pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), que também anunciou a continuidade de uma escola cívico-militares em funcionamento na cidade.

— Primeiro, esses governadores mostram que não são Lula, mesmo sendo democráticos e mantendo encontros e reuniões com o presidente. Segundo, não querem passar (imagem) de traidores e repetir a situação de governadores como João Doria e Wilson Witzel — explica Nunes.

Pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o cientista político Josué Medeiros acrescenta que os posicionamentos expressam o desafio de reorganizar o campo bolsonarista. Os governadores buscam se descolar do ex-presidente, sem abandonar pautas importantes para seu eleitorado.

— Se a disputa na esquerda se organiza pelos partidos, para essa direita, eles não importam. A chave de organização são as gestões estaduais. Por isso, o foco em quem vai ser a liderança do bolsonarismo está nos governadores, que têm uma gestão e resultado prático para mostrar e uma máquina à disposição.

O Globo