Lira tenta impedir a taxação de grandes fortunas

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Enquanto o Palácio do Planalto negocia uma reforma ministerial que vai selar a entrada do PP e do Republicanos no governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o comandante da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cacique de uma das legendas, vêm manifestando divergências pontuais sobre os rumos da pauta no segundo semestre e o ritmo das mudanças na Esplanada. A expectativa é que haja um encontro entre os dois no início da semana para ajustar os ponteiros, como adiantou o colunista Lauro Jardim, do GLOBO.

Nos últimos dias, Lira se contrapôs publicamente à ideia do governo, capitaneada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de enviar ao Congresso uma proposta que vai taxar os “super-ricos”. Um dos eixos do novo marco fiscal, que tramita no Congresso, é elevar a arrecadação, e a equipe econômica tem em mãos uma série de medidas neste sentido.

O presidente da Câmara, apesar de afinado com Haddad, avalia que é um “risco político muito grande” abrir um novo flanco no Legislativo no momento em que o Senado vai se debruçar sobre a Reforma Tributária. A tendência é que o texto passe por mudanças, o que vai obrigar uma nova análise pelos senadores. Em meio ao impasse, uma ala do governo avalia que o melhor caminho é seguir o “conselho” de Lira, que defendeu a necessidade de “comprar uma briga por vez”.

No caminho oposto, Lira é um entusiasta da reforma administrativa, tema do qual o Palácio do Planalto quer distância por ora. O projeto elaborado na gestão de Jair Bolsonaro já passou por uma comissão especial da Câmara e está pronto para ser levado ao plenário, mas líderes partidários avaliam que, para ser aprovado, seria necessário que os governistas articulassem apoios e votos com os partidos que já ocupam ministérios.

Entretanto, Lula não indica que a proposta, que tem como objetivo alterar as regras para os futuros servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, estados e municípios, esteja entre as suas prioridades deste semestre. Durante a semana, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que “não é hora de discutir” o assunto.

Interesses divergentes de Lula e Lira sobre a pauta da Câmara para o segundo semestre — Foto: Editoria de Arte

AO GLOBO, Lira afirmou que a necessidade de votar o projeto é fruto da mobilização da sociedade. Ele negou, no entanto, qualquer colisão com o governo:

— Baixar as despesas é uma forma de gerar receita. Trata-se de um anseio de mais de cem instituições, mas não quer dizer que eu tenha feito uma pressão. Tratou-se apenas de uma sugestão, uma opinião.

Em conversas privadas, Lira já disse também ser contra a ideia em discussão no governo de acabar com os Juros sobre Capital Próprio (JCP). Trata-se da modalidade por meio da qual empresas podem remunerar seus acionistas. O mecanismo é usado com frequência por instituições financeiras, e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) já criticou a possibilidade e afirmou que a medida tornaria o crédito mais caro aos consumidores no país. Haddad, por sua vez, vê a mudança como uma forma de aumentar a arrecadação.

Interlocutores do presidente avaliam que as divergências configuram uma “demarcação de espaço”. A avaliação é que Lula, ao contrário do antecessor, Jair Bolsonaro, se mostra mais presente no dia a dia do governo e, apesar da aliança em vias de ser concretizada, não vai delegar ao Centrão a condução da agenda.

— O Lula não conversa com o Centrão como organização. O Lula conversa individualmente. Eu posso conversar com PP, União Brasil, com partidos que são da base. Eu não me reúno com o Centrão, que não existe. É um ajuntamento de uns partidos em determinadas situações. Eu não quero conversar com o Centrão como organização — disse o presidente na terça-feira, durante a live semanal, em um recado sobre as cobranças para que acelere a reforma ministerial.

Dentro do Planalto, uma das estratégias traçadas é tirar Lira do papel de articulador da negociação por cargos. Já está certo que os deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) serão ministros, mas as pastas que eles vão assumir ainda não foram definidas. O plano é fazer com que as conversas se deem diretamente com os líderes da cada partido.

Integrantes da equipe de articulação política do governo sabem que mesmo com as entradas de PP e Republicanos no Ministério, não serão todas as pautas que poderão ser levadas à Câmara. A ideia é se concentrar nas áreas econômica e social. Estão na lista de prioridades na segunda metade do ano a votação final do arcabouço fiscal na Câmara, a aprovação da primeira fase da Reforma Tributária no Senado e da segunda nas duas Casas, uma série de projetos ligados ao pacote Verde da Fazenda e as MPs do Desenrola, do programa Brasil Sem Fome e do pacote de crédito (as duas últimas ainda a serem apresentadas).

Em alguns casos, como na revisão de pontos da reforma trabalhista, são previstas dificuldades. Lira não tem interesse em colocar o tema em votação. O Ministério do Trabalho discute em um grupo formado por trabalhadores, empresários e governo a elaboração de um projeto para criar novas formas de financiamentos dos sindicatos, já que a reforma do governo Michel Temer acabou com o imposto sindical.

O governo também quer aprovar três projetos apresentados pelo Ministério da Justiça que fazem parte do pacote de segurança pública. Um deles, visto com mais facilidade de ser aprovado, transforma em crime hediondo homicídio e lesão corporal praticados dentro de escolas. Os outros dois são respostas aos ataques de 8 de janeiro e podem enfrentar resistências. O segundo prevê prisão de 20 a 40 anos para quem atentar contra a vida do presidente, do vice, dos presidentes da Câmara, do Senado, de ministros do Supremo e do procurador-geral da República. Já o terceiro aumenta as penas de quem organizar, liderar ou financiar atos antidemocráticos.

A lista de prioridades da Câmara, no entanto, só será fechada na volta do recesso — a previsão é que líderes se reúnam nesta semana para dar o encaminhamento.

As discordâncias eventuais, no entanto, não escondem o fato de que, depois de um início sinuoso na relação, o Planalto enxerga em Lira um nome com quem pode contar. No primeiro semestre, passaram pela Câmara propostas que o governo enxergava como prioritárias, como o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária — duas pautas suprapartidárias, em que o apoio extrapolava a aliança governista. Também passou, em votação simbólica, o texto que promoveu mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que enfrentou resistências no início da tramitação. Nesta semana, Lira ressaltou o “clima saudável no mundo político” ao tratar da queda da inflação e definiu a elevação da nota de crédito do Brasil, dada pela agência Fitch, como uma “importante conquista para a economia do país”.

O Globo