Má imagem de Aras impede continuidade na PGR
Foto: Carlos Moura/STF
A dois meses de encerrar o mandato, o procurador-geral da República, Augusto Aras, vem recebendo elogios de petistas e aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e se movimentando na tentativa de ficar mais dois anos no comando do Ministério Público Federal (MPF). A recondução, no entanto, é vista como pouco provável no Palácio do Planalto.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), defenderam publicamente a atuação de Aras. Para o integrante da Esplanada, o procurador-geral teve a “virtude de enfrentar a avalanche de perseguição e o lavajatismo”. O parlamentar, por sua vez, afirmou que Aras reduziu “excessos” e prestou um “serviço importante para o Brasil”. Uma ala do PT também avalia que ele jamais seria hostil a Lula, inclusive por uma questão familiar: Roque Aras, pai do procurador-geral, era filiado ao PT e foi candidato ao Senado na Bahia pelo partido.
A defesa da permanência, no entanto, tem pouca adesão no entorno de Lula e divide o próprio PT. Segundo relatos feitos ao GLOBO, segue como favorito ao posto o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, que tem o apoio de nomes como os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com auxiliares, Lula ainda não decidiu sobre o nome que comandará a PGR e, conforme a colunista Bela Megale, o presidente não tem se mostrado simpático à ideia de reconduzir Aras para os poucos que tentaram convencê-lo a mantê-lo no posto.
— Possivelmente, vou conversar com o Aras e com outras pessoas, e eu vou sentir o que pensam. No momento certo eu indicarei — disse Lula na semana passada à TV Record.
O grupo que endossa Aras defende que ele é ponderado e não adotou posturas radicais. Um dos entusiastas, segundo interlocutores, é o ex-deputado federal petista João Paulo Cunha, que atua como advogado e chegou a ser preso no mensalão. O procurador-geral tem bom trânsito no Congresso, incluindo com nomes ligados ao Planalto, como o líder do União Brasil no Senado, Davi Alcolumbre (AP).
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também já defendeu publicamente a recondução. Em 2021, quando foi aprovado para um novo biênio, Aras recebeu os cumprimentos do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), enquanto ainda era sabatinado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Por outro lado, há um bloco que vê como inadmissível a conduta de Aras durante a pandemia e avalia que o procurador-geral falhou na contenção ao ex-presidente Jair Bolsonaro durante o avanço da Covid-19. Um dos eixos da “campanha” do procurador-geral é justamente defender sua atuação na crise sanitária. Em relatório que será lançado nas próximas semanas, a que O GLOBO teve acesso, ele pontua que a PGR agiu de forma “atenta, proativa e coordenada”.
Em paralelo, Aras ampliou contato com advogados próximos a Lula, entre os quais integrantes do Grupo Prorrogativas, como Lenio Streck, Kakay e Marco Aurélio de Carvalho.
— Nenhum nome deve ser subtraído das possibilidades. Lula não levará em consideração para escolha do eventual sucessor ou até mesmo da recondução do Aras qualquer desejo de se blindar, proteger seu governo e aliados — disse Carvalho.
O advogado Luiz Carlos da Rocha, que atuou na defesa do presidente, a quem visitava diariamente na prisão em Curitiba, acrescenta que não deve existir “veto”:
— Lula tem que ter liberdade para escolher, inclusive Aras, se quiser.
Nos últimos meses, Aras vem fazendo gestos ao governo Lula. Para rebater críticas sobre a suposta blindagem a Bolsonaro no governo passado, publicou nas redes sociais na sexta-feira um vídeo em que diz ter aberto “oito inquéritos contra o (ex-) presidente da República”. Ontem, postou o trecho de uma entrevista em que o ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski diz que Aras sempre atuou com “muito equilíbrio e sensatez”. Desde junho, tem publicado prestações de contas semanais sobre sua atuação na PGR. Na mais recente, destacou a “interlocução” e acordos de cooperação técnica firmados com ministérios e outros entes.
Levantamento do GLOBO mostrou que, em 184 acusações contra Bolsonaro ou seus filhos apresentadas ao STF, as manifestações da PGR se alinharam aos interesses do bolsonarismo em 95% dos casos. Até deixar o cargo, Bolsonaro tornou-se alvo de um único inquérito aberto por iniciativa da PGR, sobre uma suposta interferência na Polícia Federal relatada por Sergio Moro ao deixar o Ministério da Justiça. Outros quatro foram iniciados no próprio STF ou em decorrência da CPI da Covid, com a PGR opinando pelo arquivamento da maior parte deles.
Integrantes da PGR lembram que em 2019 a então procuradora-geral da República Raquel Dodge, nomeada por Michel Temer, chegou a se movimentar para permanecer no cargo já sob o governo de Bolsonaro e contava com apoio de ministros do STF. Ela acabou sendo desbancada por Aras, que caiu nas graças do ex-presidente com um discurso crítico à Lava-Jato.
Entre integrantes da Corte, o nome de Aras não gera incômodo, muito embora o posicionamento da PGR ao longo da gestão Bolsonaro tenha provocado decisões contundentes por parte de ministros. Em 2022, por exemplo, a presidente da Corte, Rosa Weber, negou um pedido da procuradoria para arquivar um inquérito da PF sobre possível prevaricação do então presidente e afirmou que, diante de ser comunicado de um possível crime, o presidente não tinha “direito à letargia”.
Para uma ala de ministros do Supremo, um novo mandato de Aras na PGR é “improvável”. Na avaliação destes magistrados, reconduzir o atual chefe da procuradoria-geral, escolhido por Bolsonaro, demonstraria uma falta de força política de Lula.
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Reservadamente, ministros ainda apontam o papel de destaque da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, braço direito de Aras. Próxima aos filhos do ex-presidente, ela foi responsável por uma série de manifestações e posicionamentos favoráveis ao bolsonarismo.
Em resposta a um pedido de investigação de Bolsonaro por seus últimos ataques às urnas eletrônicas, por exemplo, a número dois de Aras afirmou que as manifestações configuravam “opiniões”, e não crime.
A recondução à PGR de um procurador-geral da República indicado por outro presidente não é frequente, embora já tenha ocorrido. Foi o caso de Roberto Gurgel, indicado por Lula em seu segundo mandato e reconduzido ao cargo por Dilma Rousseff em 2011.