Militares seguem comprando armas inúteis

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Foto: Associated Press

O Exército brasileiro decidiu comprar drones kamikazes iguais aos usados na guerra da Ucrânia. A Comissão do Exército Brasileiro em Washington (CEBW) deu o primeiro passo para a aquisição do equipamento na semana passada, ao publicar o requerimento para informações 0144/2023 para receber de fabricantes interessados cotações do preço de dois tipos de “munição vagante” ou munição remotamente pilotada – nome técnico do produto no Brasil.

A consulta direta a fornecedores abrange tanto buscas pelo produto no mercado nacional quanto no exterior. “Após o recebimento das cotações, ocorrerá a finalização do Estudo Técnico Preliminar (ETP). Entre outros assuntos, o ETP determinará a viabilidade ou não da aquisição. Caso a aquisição seja viável, será possível apontar como se dará a efetivação da compra, conforme a legislação em vigor”, informou o Exército à coluna.

São dois os tipos de drones kamikazes pretendidos pelo Exército. O primeiro de curto alcance, com capacidade para atingir alvos localizados a até 10 quilômetros de distância do operador da munição. A Força Terrestre quer 14 desses drones, com uma central de controle e lançamento. O segundo prevê a compra de seis munições vagantes capazes de destruir objetivos a pelo menos 40 quilômetros com cargas de alto explosivo para objetivos múltiplos e contra blindados e tanques.

O fabricante deve também providenciar um simulador e o treinamento de três semanas no Brasil para dez operadores – cinco para cada tipo de drone. Só depois de experimentar o uso dessa munição com esses primeiros dois lotes é que Exército definirá o modelo a ser adotado em suas unidades, se terá ou não um projeto próprio desse tipo de munição e se ela será feita no Brasil por um produtor nacional ou em parceria com um estrangeiro – Irã, Rússia, Israel, EUA e China detém essa tecnologia.

“No momento, não existe qualquer projeto para desenvolvimento de MRP (munições remotamente pilotadas) no âmbito do Exército Brasileiro”, informou o Exército à coluna. A Força Terrestre ainda não tem previsão sobre quanto deve gastar nessa primeira fase da aquisição dos drones kamikazes. A intenção de comprar a munição vagante foi revelada pela revista Tecnologia & Defesa e confirmada pela coluna.

Em agosto, será feito um simpósio no Comando Militar do Sul (CMS) para discutir o uso dessa nova tecnologia no campo de batalha. Militares ouvidos pela coluna afirmaram que uma das questões ainda em aberto é definir se os drones seriam operados por unidades de artilharia de campanha ou também pelas de cavalaria e de infantaria que estiverem operando em zonas de contato com o inimigo.

Há uma tendência de que o Exército adote uma solução híbrida. Alvos importantes para a manobra de uma força, como uma brigada, devem ser objeto da artilharia a fim de diminuir o risco de fogo amigo e manter a coordenação e o controle da ação. Mas a munição “vagante” poderá ser operada ainda por unidades de cavalaria que estejam atuando de forma descentralizada, em missões de reconhecimento.

“A destinação é uma das últimas fases do processo, cabendo ao órgão de direção operacional (Comando de Operações Terrestres) manifestar-se, oportunamente e baseado em critérios operacionais, sobre quais tropas receberão o material”, informou o Exército.

Os drones kamikazes com suas ogivas explosivas são parte de um sistema de munições remotamente pilotadas. Ao contrário de mísseis e foguetes, as munições “vagantes” têm capacidade de permanecer em voo durante um período à procura de alvos compensatórios. O operador recebe imagens para rastrear, identificar e localizar o objetivo antes de determinar o ataque. Caso verifique algum erro de identificação do objetivo, a missão pode ser cancelada, o que as diferencia dos drones com sistemas de armas embarcados.

Os drones kamikazes geram grande efeito psicológico no campo de batalha, pois mantém a inquietação de forma constante, criando um cenário ainda mais caótico no combate. O soldado não tem mais como perceber se a ação inimiga passou do ponto culminante, pois esta poderá se manter por meio dos drones enquanto a tropa adversária se reabastece.

Atualmente, o Exército tem drones de reconhecimento do tipo CAT-1 e CAT-2, operados pela Aviação do Exército, em Taubaté, ambos produzidos no Brasil pela empresa XMobots. O mais moderno deles, o Nauru 1000C, foi entregue em dezembro de 2022. Na época, o então comandante militar do Sudeste e hoje comandante do Exército, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, afirmou que o drone colocava a Força Terrestre em outro “patamar em termos de tecnologia, inteligência e aquisição de alvos”.

O plano era usar os aparelhos tanto em ambientes urbanos quanto nas fronteiras. O modelo CAT-2 pode transportar um sistema de armas – o protótipo desse sistema deve ser testado até o fim do ano. Entre as possibilidade de uso do equipamento estaria a destruição de pistas de pouso clandestino em garimpos ilegais na Amazônia, durante operações de garantia da lei e da ordem.

A compra dos drones e prosseguimento dos projetos estratégicos já existentes para a modernização do Exército – como o sistema de foguetes Astros – vão pouco a pouco recuperando a atenção dos militares para o dia a dia das coisas da caserna, afastando a tropa das questões vinculadas à política partidária. Essa é uma prioridade não só para o general Tomás, mas também para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, conforme mostram as constantes declarações do ministro da Defesa José Múcio Monteiro Filho.

É também por isso que o ministro tem se empenhado em resolver questões, como arrumar uma forma de destravar a venda blindados Guarani, fabricados pela Iveco Defence Vehicles (IDV) para a Argentina. Com o dinheiro dos royalties dessa operação pagos ao Exército – de 2 a 5% do valor do negócio de R$ 1,8 bilhão – o Escritório de Projetos da Força pode desenvolver novas versões do blindado e outros projetos, como uma possível munição remotamente pilotada nacional.

Estadão