Preferido de Moraes para PGR é conservador
Foto: Alejandro Zambrana/TSE
Candidato de Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes para a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR), o subprocurador Paulo Gonet tem posições conservadoras na seara de costumes que provocam incômodos em setores do Partido dos Trabalhadores de Lula, responsável pela indicação do próximo chefe do Ministério Público Federal (MPF).
Atual vice-procurador-geral eleitoral, Gonet já se posicionou em artigo contra o aborto, demonstrou resistência à criminalização da homofobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e e já foi voto vencido em decisões que repararam famílias de vítimas da ditadura militar.
O candidato ao comando da PGR já foi, inclusive, definido como “conservador raiz” e “cristão” pela insuspeita bolsonarista Bia Kicis (PL-DF) – de quem foi colega no curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB) nos anos 80.
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O mandato do atual procurador-geral da República, Augusto Aras, se encerra em setembro, mas a disputa em torno de sua sucessão já vem movimentando os bastidores em Brasília. O próprio Aras articula junto a interlocutores no governo sua recondução para um terceiro período à frente da PGR, o que é permitido pela Constituição.
No fim de maio, Moraes e Gilmar Mendes aproveitaram um churrasco com Lula no Palácio da Alvorada para fazer lobby por Gonet.
Aos 61 anos, o subprocurador viu o seu favoritismo aumentar com o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que condenou Jair Bolsonaro a oito anos de inelegibilidade pelos ataques ao sistema eleitoral na infame reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada. Mas isso pode não ser suficiente para contornar o desconforto na base de Lula.
“Essas posições superconservadoras prejudicam. O PT já cometeu erros no passado, com pessoas que tinham posições progressistas, imagina o sujeito tendo posições conservadoras na agenda de costumes”, critica um interlocutor de Lula.
Em 2009, Gonet assinou um artigo intitulado “Proteção à vida: a questão do aborto”. Católico praticante, ele desferiu duras críticas ao direito ao aborto em meio à discussão sobre a possibilidade do uso de embriões para pesquisas científicas, jurisprudência firmada pelo STF no ano anterior.
O texto foi publicado em um periódico do Instituto Brasileiro de Ensino, Brasileiro e Pesquisa (IDP), instituição de ensino superior ligada a Gilmar Mendes da qual o subprocurador foi sócio até 2017.
O texto está recheado de referências conservadoras, incluindo uma encíclica do Papa João Paulo II e artigos do jurista Ives Gandra Martins, mentor da controversa tese de que o artigo 142 da Constituição atribui às Forças Armadas um poder moderador, explorada por Bolsonaro e aliados em diferentes episódios de tensão institucional durante seu mandato.
No artigo, o subprocurador-geral abraça o argumento de que a vida humana individual deve ser considerada desde a concepção – o que incluiria embriões usados em pesquisas – e defende que a rejeição “firme e eficaz” do procedimento seja “dever do Estado no domínio do nosso direito constitucional”.
A interrupção da gravidez é prevista no Código Penal em casos de estupro, risco de vida para a gestante e quando o feto é diagnosticado com anencefalia, uma condição que gera a má formação congênita do cérebro.
Um dos principais temas da “pauta de costumes”, o tema controverso deve retornar para a agenda do Supremo nos próximos dois meses, antes da aposentadoria da atual presidente do STF, Rosa Weber.
Rosa quer iniciar, ainda sob a sua gestão, o julgamento de uma ação que pede a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação – e quer deixar o seu voto registrado antes de se despedir do tribunal.
Em 2019, quando articulou sua indicação para a PGR ainda no início do governo Jair Bolsonaro, Gonet manifestou ao então presidente sua contrariedade à criminalização da homofobia pelo STF. A conversa foi revelada pelo jornal Folha de S. Paulo.
Meses antes, o STF havia reconhecido a omissão do Congresso Nacional no enfrentamento da discriminação contra a população LGBTQIA+ e decidido enquadrar a homofobia e a transfobia como racismo – o que é inafiançável e imprescritível.
Apesar do tom favorável à agenda ultraconservadora de Bolsonaro, o subprocurador-geral acabaria preterido pelo colega Augusto Aras, que também não compôs a lista tríplice da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR).
Gonet foi levado para uma conversa com Bolsonaro por Bia Kicis. Naquela ocasião, a parlamentar apoiou publicamente a indicação do colega para a chefia do MPF e relatou nas redes sociais detalhes da conversa entre Gonet e Bolsonaro.
“O candidato à PGR, Paulo Gonet, disse ao presidente Jair Bolsonaro que nenhum candidato pode prometer que jamais haverá uma ação que [o] incomode. Mas garantiu que jamais usaria do cargo para atrapalhar o governo”, escreveu a deputada.
“Paulo Gonet é conservador raiz, cristão, sua atuação no STF nos processos da Lava-Jato foi impecável. Ele não tem capivara. E o fato de ter sido sócio de Gilmar Mendes no IDP em nada interferiu em sua atuação profissional”, defendeu na ocasião.
Na época, movimentos de direita que apoiaram Bolsonaro em 2018 e militantes bolsonaristas criticaram duramente a sondagem de Gonet pela sociedade que manteve com Gilmar no passado, o que era visto como um “risco” para o então presidente. Seu antecessor, Michel Temer, foi denunciado três vezes pela PGR.
O PT também quer evitar o risco de um “novo Janot” e por isso Lula já avisou que seu critério primordial de escolha será a lealdade e não a pressão da categoria ou a independência política.
Além de Gonet e Aras, o subprocurador Antonio Carlos Bigonha, conhecido pelo discurso anti-Lava-Jato também entrou na bolsa de apostas para a PGR. “Paulo Gonet tem chances, já que Gilmar e Alexandre gostam dele. A situação do Carlos Bigonha é mais difícil, porque ele não tem apoio”, avalia um ministro que acompanha de perto a disputa.
Gonet também caiu na graça dos petistas recentemente devido à dura manifestação pela condenação de Bolsonaro na ação julgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que levou à inelegibilidade do ex-presidente.
Conforme informou a coluna, Gonet já havia defendido a condenação de Bolsonaro em parecer escrito enviado ao TSE em abril deste ano. Mas ele foi muito mais categórico e escolheu palavras bem mais fortes em sua fala perante os ministros do TSE, na sessão transmitida ao vivo na TV Justiça no mês passado.
Integrantes do Ministério Público Federal ouvidos reservadamente pela reportagem, no entanto, apontam que Gonet, na verdade, demorou para agir no caso.
Ao invés de o próprio Ministério Público assumir o protagonismo de entrar com a ação pela inelegibilidade de Bolsonaro, observam que o subprocurador preferiu deixar a bola com um partido político (no caso, o PDT), evitando o ônus de colidir com o candidato à reeleição do PL quando ele ainda estava à frente do cargo.
Gonet limitou-se a entrar com uma representação por propaganda eleitoral irregular e só se manifestou pela inelegibilidade de Bolsonaro quando a ação do PDT estava perto de ser julgada. “O Gonet está sempre com o freio de mão puxado, joga parado. O Ministério Público Eleitoral foi extremamente autocontido durante as eleições”, critica um colega do MPF.
Nós procuramos a Procuradoria-Geral da República para registrar o outro lado de Paulo Gonet. A assessoria de imprensa do órgão informou que o subprocurador está de férias e, por esse motivo, não foi localizado. O espaço segue aberto para manifestação.