Recursos da Reforma Tributária dividem prefeitos e governadores
Foto: Renato Alves/Agencia Brasília
Um dos pontos mais polêmicos da reforma tributária, que seguiu para análise no Senado, é a criação de um órgão que vai decidir como será a divisão de recursos oriundo da arrecadação do futuro Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) entre estados e municípios. Os critérios de composição do Conselho Federativo preocupa prefeitos e governadores, que temem perder autonomia.
O colegiado será a instância máxima para o IBS — tributo que será criado pela reforma para substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), incidente nos estados, e o Imposto sobre Serviços (ISS), cobrado nos municípios. De última hora, a Câmara dos Deputados acatou um pedido do governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), junto com outros governadores das regiões Sul e Sudeste, para incluir a regra que prevê que o grupo de estados vencedores em deliberações precisará representar 60% da população brasileira. O critério, no entanto, não agradou boa parte dos estados, que creem que foram passados para trás.
De acordo com o texto aprovado na Câmara, as 27 unidades da Federação indicarão um representante cada uma. O conjunto dos 5.568 municípios terá direito a eleger outros 27 membros, sendo 14 representantes com base nos votos de cada município — com valor igual para todos — e 13 representantes com base na média ponderada dos votos de cada município pela respectiva populações. Na perspectiva de parlamentares, a divisão acabou elevando o poder decisório de Sul e Sudeste.
Além do Conselho, a Câmara retirou da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) o artigo 19, que indicava a prorrogação de benefícios para indústrias das regiões Norte e Nordeste até 2032. O dispositivo também estendia benefícios para fabricantes de veículos das duas regiões e do Centro-Oeste, cujos estados ficaram insatisfeitos. Esses pontos devem inflamar o conflito entre as unidades da Federação na casa parlamentar delas, o Senado.
A expectativa é de que os critérios de composição do Conselho sejam revistos, pois, diferentemente da Câmara, onde o número de deputados é proporcional à população dos estados, o Senado tem três representantes para cada ente da federação, equilibrando a tomada de decisão.
Governadores que se sentem prejudicados, como o de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), contam com o Senado para dar uma nova redação a um texto que, para ele, piora em vez de melhorar a tributação brasileira. Único dos 27 chefes de Executivo estadual radicalmente contrário à reforma, ele afirmou que os critérios de composição do colegiado são “uma afronta” ao pacto federativo, conjunto de regras criadas para dividir as competências e organizar o funcionamento do Estado brasileiro.
Para o governador, a regra cria uma divisão definitiva do país, tanto que disse estar disposto a ir contra a reforma até o fim. “O texto prevê que quem vai mandar no Conselho Federativo são os estados de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, que detêm o maior número de habitantes. Se isso for aprovado, irei entrar com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para impedir esse completo desatino ao pacto federativo”, ameaçou.
Caiado enfatizou que “não podemos admitir que os estados sejam divididos entre alto e baixo clero, onde os ‘melhores’ decidem como será feita a divisão dos recursos destinados aos demais. Isso é uma excrescência, cria uma divisão definitiva do Brasil. Um completo absurdo”.
A expectativa é de que a tramitação no Senado seja mais lenta. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), estima que a votação ocorra até novembro. Senadores, porém, sinalizaram que pretendem pedir estimativas de impacto da reforma e analisar o saldo para estados e municípios, sem compromissos em aprovar a matéria rapidamente. Líderes consideram que a proposta, em linhas gerais, é positiva, mas avaliam que nem todos os deputados sabiam exatamente o que estava sendo votado depois dos últimos acordos.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) chegou a sugerir a criação de um grupo de trabalho na Comissão de Assuntos Econômicos, aos moldes do que foi feito na Câmara, mas o martelo não está batido. A própria ministra do Planejamento e Orçamento, a ex-senadora Simone Tebet (MDB), afirmou que o Senado “vai precisar um pouco mais de tempo” — e que, como ex-integrante da Casa, está convicta de que todos os prazos regimentais serão utilizados.
Ao comemorar a aprovação da reforma, Tebet reconheceu que a proposta sempre teve “pedras no caminho”, como o pacto federativo. “Estive no Senado por oito anos, sei o que pesa e onde ficam os problemas. Nós discutimos isso por oito anos e não conseguimos avançar em relação a tributária”, admitiu.
Segundo Tebet, alguns ajustes finos sobre o pacto ainda deverão ser realizados com os governadores: “Essa questão do pacto federativo já foi praticamente equacionada, ainda que não na sua inteireza pela Câmara dos Deputados. É até bom que se tenha esse tempo porque é uma reforma tão importante, e é preciso que as 27 unidades da federação estejam satisfeitos e seguros de que não terão perdas na sua arrecadação”.
Outros pontos importantes ainda poderão ter regulamentação posterior por meio de lei complementar, como os critérios de divisão dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FDR), que receberá aportes do governo federal para estados e municípios. O repasse foi motivo de outro grande embate durante as negociações com governadores.
A falta de consenso entre as unidades da Federação fez com que o critério de repartição não entrasse no texto da PEC. Se houver acordo, a mudança pode ser feita no Senado. Caso contrário, a regulamentação fica para lei complementar. A União se comprometeu a bancar o fundo com aporte de R$ 8 bilhões, em 2029, e elevação gradual, até chegar a R$ 40 bilhões a partir de 2033, em valores corrigidos pela inflação.