Reforma tributária favorece pastores bolsonaristas
Foto: Montagem sobre fotos de arquivo
O movimento apoiado pelo governo Lula para inserir na Reforma Tributária a extensão da isenção de impostos das igrejas para “associações beneficentes e assistenciais” vai beneficiar organizações de líderes evangélicos que apoiaram a reeleição de Jair Bolsonaro. O GLOBO levantou 40 entidades filantrópicas, casas de repouso e instituições de ensino atreladas aos templos dessas lideranças religiosas abarcadas pela medida, que foi aprovada pela Câmara e está em tramitação no Senado. Especialistas alertam que o texto é subjetivo, o que pode implicar na ampliação da imunidade tributária para empreendimentos como rádios, televisões e gráficas.
A emenda aprovada pela Câmara foi resultado de um acordo com a bancada evangélica da Casa e recebeu o apoio dos ministros Fernando Haddad (Fazenda), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais). Esse foi o maior aceno do presidente Lula aos evangélicos desde o início do governo.
Da Igreja Batista, o relator da matéria, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), esteve com as lideranças evangélicas às vésperas da votação, em reunião que ocorreu na sala de Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Na ocasião, os parlamentares entregaram uma proposta mais extensa que visava outras isenções, como IPVA para carros da igreja, o que não foi acatado inteiramente:
— No início da (discussão da) PEC (Proposta de Emenda à Constituição), ainda no mandato de Bolsonaro, fiz pontuações ao relator para evitar excessos que a Receita vem cometendo com as entidades religiosas. Tomei a frente para conversar com o governo Lula sobre o tema e assim foi aceita a inclusão do artigo. Não alcançamos tudo que queríamos, mas foi um grande avanço, tem que tirar o chapéu (para Lula) — disse Cezinha de Madureira (PSD-SP), da Assembleia de Deus.
Apesar do aceno de Lula, metade da bancada votou contra a Reforma Tributária, inclusive o líder Eli Borges (PL-TO). Os parlamentares justificam a falta de adesão devido a outros artigos do projeto e orientação partidária.
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Por outro lado, a extensão da imunidade tributária agradou líderes evangélicos que estiveram ao lado de Bolsonaro, já criticaram Lula publicamente e serão beneficiados. Entre eles, o fundador da Comunidade Sara Nossa Terra, bispo Robson Rodovalho, responsável por organizar um encontro entre o ex-presidente e outros pastores no Palácio da Alvorada pouco antes das eleições do ano passado.
Rodovalho terá ao menos duas organizações filantrópicas — empresas destinadas ao trabalho social nas comunidades próximas aos templos — beneficiadas pela isenção.
— A iniciativa do governo agora é muito boa, tira a dubiedade no entendimento que gera multas milionárias para a igreja — disse o bispo.
Além de Rodovalho, pastores da Assembleia de Deus, a maior vertente do país, também serão contemplados. São nomes como José Wellington Bezerra, Silas Malafaia, Abner Ferreira, Samuel e Keila Ferreira. Outros grandes conglomerados como a Universal, fundada por Edir Macedo, e a Lagoinha, de Márcio Valadão, também possuem organizações que ficarão isentas de tributo.
As entidades mapeadas têm como objetivo oferecer à igreja apoio logístico e parceria como agência missionária, servir como casa de repouso para idosos ou fornecer ensino religioso e formação educativa aos fiéis.
A imunidade para os templos está prevista na Constituição. No entanto, há um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o benefício deve alcançar apenas tributos diretos, como IPTU no imóvel da igreja.
Na Reforma Tributária, há a especificação de que as organizações vinculadas aos templos também devem ser abarcadas. Atualmente, auditores da Receita Federal interpretam que essas empresas não estão contempladas pelo benefício e, por isso, aplicam sanções.
Durante a votação na Câmara, Glauber Braga (PSOL-RJ) argumentou que o texto abre brecha para que grandes organizações evangélicas sejam beneficiadas, para além do assistencialismo. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO, a tese do parlamentar se sustenta pela subjetividade da redação, o que pode dificultar a fiscalização:
— A jurisprudência presente na Constituição já concede ampla imunidade à instituição como um todo. As arquidioceses são formadas em associação com os líderes, ou seja, entidades registradas por lideranças podem ser abarcadas nesta imunidade. Isso abre espaço para que o grupo apresente empresas laterais, sem conexão com a atividade religiosa e crie um conglomerado comercial — afirma João Paulo de Campos Echeverria, presidente da Comissão de Assuntos Religiosos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), na Subseção do Paranoá e Itapoã, no Distrito Federal.
O advogado, doutor em Direito e Religião, relembra ainda os casos de templos com livrarias, televisões e rádios presentes no país. Neste cenário, a imunidade se estenderia para outras dezenas de instituições ligadas aos pastores bolsonaristas — o GLOBO mapeou 98. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Senado e pode ser alterado.
Antes do apoio à emenda na Reforma Tributária, o presidente Lula havia solicitado à senadora Eliziane Gama (PSD-MA) a elaboração de uma PEC para ampliar a isenção tributária das igrejas. O projeto foi entregue à Casa Civil e aguarda parecer do Planalto.
Ao longo de seu mandato, Bolsonaro sancionou uma lei por ano para o setor. Ainda em 2019, o ex-presidente liberou as igrejas de pagarem o principal imposto estadual, o ICMS, que incide sobre serviços e produtos, como conta de luz, por até 15 anos.
Já em 2021, o ex-titular do Planalto perdoou a dívida de R$ 1,4 bilhão referente ao pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), imposto da União que incide sobre o lucro líquido dos templos. No ano passado, a duas semanas do início da campanha eleitoral, aumentou a isenção previdenciária a pastores. Uma emenda constitucional também isentou igrejas de pagarem IPTU sobre imóveis alugados.