SP tem 2,4 mil kms de obras de estradas paradas

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Foto: Estadão

A Secretaria de Agricultura do governo de São Paulo entregou ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) um relatório em que aponta “graves irregularidades” no programa Melhor Caminho, de construção de estradas rurais, entre os anos de 2021 e 2022. Segundo o documento, foram pagos cerca de R$ 200 milhões por obras que não foram concluídas. Outros R$ 300 milhões foram gastos, conforme a análise da gestão de Tarcísio Freitas (Republicanos), sem passar pelo protocolo de processos internos que garantem a qualidade das obras. Os atos aconteceram nas gestões de João Doria e Rodrigo Garcia.

Em alguns casos, transferências foram efetuadas às empresas contratadas sem que os despachos em que os fiscais atestam a realização do serviço fossem registrados no sistema eletrônico. Ao todo, 420 obras foram paralisadas, canceladas ou nem iniciadas, o que corresponde a mais de 2,4 mil quilômetros de estradas – ou a distância entre São Paulo e Maceió.

A instrução incorreta teria causado, além de gastos com projetos não executados, o pagamento duplicado pela pavimentação de um mesmo trecho e o descumprimento de requisitos de qualidade previstos em contrato. A Controladoria Geral do Estado solicitou acesso aos processos, mas parte deles ainda não se encontra digitalizada.

O Estadão acionou o TCE-SP, que recebeu o relatório em maio. Segundo a assessoria, ainda não há nenhuma decisão sobre as irregularidades apontadas no documento. A Secretaria de Agricultura foi procurada, assim como os ex-governadores João Doria e Rodrigo Garcia, mas também não se manifestaram.

As informações levantadas são sobre o programa Melhor Caminho, relançado em outubro de 2021, na gestão do deputado estadual Itamar Borges (MDB) à frente da Agricultura. Na época, ele prometeu asfaltar 5 mil quilômetros de vias rurais em um ano. A meta representaria um aumento de dez vezes no ritmo de execução em comparação à versão anterior do programa, criada em 1997, que entregou 12 mil quilômetros em 24 anos.

No entanto, somente 1,6 mil quilômetros foram concluídos até maio deste ano, um terço do total previsto. Ao todo, foram contratados R$ 844 milhões para tirar as obras do papel, com a contratação de 59 empreiteiras, de uma empresa para elaborar os projetos e de outra para gerenciá-los. Apesar do atraso nos cronogramas, mais da metade deste montante já foi pago. Borges foi procurado pela reportagem, mas não quis e manifestar.

A LBR Engenharia, responsável por garantir o cumprimento dos prazos e dos parâmetros técnicos das obras, recebeu R$ 23 milhões, o equivalente a 93% do valor previsto em contrato por todo o serviço.

É justamente no gerenciamento em que a maior parte dos problemas foi detectada pela atual gestão da pasta. A Coordenação de Logística Rural emitiu ordens de serviço para o início de obras que ainda não tinham licenciamento ambiental ou liberação de terrenos pelas administrações locais.

Trocas de e-mails entre empreiteiras contratadas e funcionários do governo mostram que a falta de condições legais para o início das obras comprometeu os cronogramas. Algumas empresas chegaram a pedir a rescisão amigável dos contratos.

Segundo o planejamento inicial, o programa seria concluído em 24 meses, durante os quais seriam emitidas 90 ordens. No entanto, em julho de 2022, já haviam sido emitidas 770. Esse excesso de ordens de serviços é apontado como um reflexo da falta de controle dos processos internos e significa, na prática, aditivos, com consequente aumento do gasto público.

Quatro obras no valor de R$ 5,4 milhões foram autorizadas sem que houvesse convênio firmado entre a Secretaria e os municípios. Destas, uma está em andamento na cidade de Sales e outra em estágio inicial, em Piracaia. Uma terceira está parada em Araçatuba e outra, prevista para Ilha Solteira, sequer foi iniciada.

Documentos anexados ao relatório mostram ainda que a secretaria ignorou laudos de vistorias que constataram, em pelo menos 15 municípios, o descumprimento de requisitos de qualidade das obras, como baixa densidade do chamado “revestimento primário” e falta de escoamento adequado das águas das chuvas.

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Após os alertas, a pasta cobrou apenas a atualização de cronogramas de execução, sem se atentar à baixa qualidade das estradas, e chegou a emitir novas notas de pagamentos. Em Jarinu, por exemplo, uma via pavimentada pela LF Locação de Bens continha um terço a menos de brita em relação à quantidade exigida no contrato, segundo os fiscais.

Em Itajobi, duas empresas ganharam a licitação para pavimentar exatamente os mesmos dois trechos. Em uma concorrência, a Planex Engenharia foi a escolhida para um contrato de R$ 888 mil. A Saize Engenharia ficou encarregada do mesmo trajeto, mas por um valor maior, de R$ 966 mil.

Mesmo com os problemas identificados, o governo pagou, no fim de dezembro, no apagar das luzes do governo de Rodrigo Garcia, R$ 50 milhões em aditivos de reequilíbrio econômico financeiro. A obra em Jarinu, por exemplo, recebeu R$ 41 mil. A justificativa utilizada foram os impactos econômicos da guerra na Ucrânia.

O desembolso deste valor revelou mais um problema, segundo a secretaria: a terceirização das obras por empresas contratadas para executá-las, o que era proibido pelo edital. O relatório contém a cópia de um contrato de R$ 500 mil firmado pela CCL Construtora Capital com uma terceira para a construção de um trecho em Penápolis de responsabilidade da empreiteira.

Em dezembro do ano passado, a contratada enviou um e-mail ao então coordenador de Logística Rural com um pedido para que ele interviesse em um impasse com a CCL, que teria se negado a repassar R$ 68 mil referentes a um aditamento pago pelo governo para a conclusão do trecho. Em abril, a empresa ainda tentava receber o valor da CCL.

As empresas citadas na reportagem foram procuradas, mas não se manifestaram, exceto a Saize que não foi localizada.

Tarcísio Freitas retirou o Melhor Caminho da alçada da Agricultura e o transferiu para o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, chefiada por Natália Resende.

O DER é comandado pelo coronel do Exército Sergio Codelo, ex-superintendente regional do DNIT em São Paulo durante a gestão de Tarcísio no Ministério da Infraestrutura, no governo de Jair Bolsonaro. Trata-se de um homem de confiança do governador.

No início do governo, aliados pediram a Tarcísio que mantivesse o programa sob o guarda chuva da Agricultura. Ele, no entanto, avaliou que não havia sentido em um programa de construção de estradas ser conduzido pela pasta e o repassou para Codelo.

Estadão