Tarcísio mantém estratégia de afastamento gradual de Bolsonaro
Foto: Marcelo Aparecido Silva Camargo/Divulgação
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tentou equilibrar forças durante os seis primeiros meses de gestão — ao mesmo tempo em que participou de eventos com Jair Bolsonaro (PL) e permaneceu como seu aliado, não deu as costas para o Planalto e o Judiciário. Ontem, entretanto, ficou explícito que a relação com o padrinho político está em crise — Tarcísio foi vaiado em reunião do PL após ser interrompido pelo ex-presidente. Reuniões com STF Como governador de São Paulo, Tarcísio se encontrou com quase todos os ministros do STF — a Corte foi alvo constante de críticas do padrinho político. A agenda oficial registrou reuniões com oito dos dez ministros: Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Nunes Marques. Só Rosa Weber e Edson Facchin não foram visitados.
Gilmar, Moraes e Fux se reuniram duas vezes, cada um, com Tarcísio. Já Barroso, Mendonça, Nunes Marques e Toffoli só conversaram uma vez com o governador desde janeiro. Aposentado em abril, Ricardo Lewandowski esteve com Tarcísio em 21 de março.
Bolsonaristas e suas indicações políticas não foram privilegiados na montagem do primeiro escalão do governo de Tarcísio. À Folha de S.Paulo, aliados do ex-presidente reclamaram que Tarcísio ignorou e se negou a dar cargos a indicados por eles. Apenas dois dos 24 secretários são considerados bolsonaristas raiz — Sonaira Fernandes (Políticas para a Mulher) e Guilherme Derrite (Segurança Pública). Tarcísio não foi ao evento do PL Mulher em São Paulo com a presença de Bolsonaro e da ex-primeira-dama Michelle. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e Valdemar Costa Neto, presidente do PL e desafeto do governador paulista, participaram da cerimônia, realizada em maio. A interlocutores, Tarcísio, que se apresenta como técnico, já criticou Valdemar, um articulador político. Ontem, houve uma escalada da tensão entre Tarcísio e aliados do ex-presidente. O governador foi alvo de queixas e vaias na reunião do PL sobre a reforma tributária, em Brasília, um dia depois de ter dado entrevista junto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Bolsonaro criticou publicamente o governador. A crise com o padrinho político ocorre logo após o TSE tornar Bolsonaro inelegível — Tarcísio foi apontado como herdeiro político do ex-presidente. Tarcísio e Valdemar não são próximos, mas Republicanos e PL negociaram posições estratégicas na Câmara dos Deputados e na Alesp. O deputado federal Marcos Pereira (Republicanos-SP) teve apoio do partido de Bolsonaro para ocupar 1ª vice-presidência em Brasília. Em troca, a legenda de Tarcísio apoiou André do Prado (PL) para presidente da assembleia paulista.
Em fevereiro, bolsonaristas já tinham ficado incomodados com Tarcísio por ele ter aparecido ao lado do presidente Lula (PT) em viagem ao litoral norte de São Paulo. Enchentes causaram 36 mortes e deixaram mais de 330 pessoas desabrigadas — a região mais prejudicada foi a de São Sebastião e Bertioga. Tarcísio passou “tempo demais” no litoral norte, disse um aliado ao UOL. Um membro da base do governador afirmou que uma viagem de dois ou três dias seria suficiente, além da melhor divulgação das ações. À época, Tarcísio seguiu para Ubatuba no sábado, 19 de fevereiro, e voltou a ter eventos na capital na segunda-feira, dia 27, de acordo com a agenda.
Houve também polêmicas locais — uma delas é a sugestão da mudança da sede administrativa do governo para o Centro de São Paulo. Hoje, o Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, zona oeste, desempenha as duas funções — sede administrativa e residência oficial. A nova sede é promessa de campanha. A primeira-dama, Cristiane Freitas gosta de morar no Morumbi, segundo interlocutores de Tarcísio. O atual governador mantinha um apartamento no bairro antes da eleição. Hoje, o casal vive na ala residencial do palácio — que, sozinha, mede 668 metros quadrados.
A feijoada no Palácio dos Bandeirantes mudou para sexta-feira, dia em que é tradicionalmente servida no Rio — em São Paulo, é o prato das quartas e sábados. Responsável por restaurantes que funcionam no local, a SHA (Santa Helena Alimentação) afirma que percebeu queda nas vendas às sextas e, por isso, promoveu a mudança no cardápio. A SHA diz que não houve pressões por mudanças. De acordo com empresa, a alteração não foi feita a pedido do governador nem de qualquer outra pessoa. Tarcísio é carioca. O governador não costuma frequentar restaurantes dos Bandeirantes e, geralmente, almoça no próprio gabinete. Já os secretários que trabalham no palácio — como Gilberto Kassab, de Governo, e Guilherme Afif Domingos, de Projetos Estratégicos — são vistos eventualmente em um dos dois restaurantes mantidos no local.
Dentro do governo, as alas técnica e política se envolvem constantemente em discussões e disputas. Técnicos são liderados por Arthur Lima, secretário da Casa Civil — enquanto Gilberto Kassab comanda os políticos. Apesar de relatos de bastidores, os envolvidos negam publicamente rusgas. Integrantes da ala política reclamam da falta de traquejo do governador. Ontem, Bolsonaro reforçou essa crítica: “Todo mundo aqui sabe que o Tarcísio não entende nada de política”, disse. Nos primeiros seis meses, a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência foi a única sem reuniões com o governador. Responsável pelo órgão, Marcos da Costa não participou de nenhuma das mais de 450 atividades registradas na agenda oficial entre 1º de janeiro e 30 de junho. A venda da Sabesp, outra promessa de campanha, é vista como o maior desafio do governo — mesmo entre aliados. Deputados estaduais da base e da oposição veem a medida como impopular. A equipe de Tarcísio contratou o Banco Mundial para um estudo sobre viabilidade do negócio e espera que as análises estejam concluídas até meados de 2024.
A Secretaria Especial de Projetos Estratégicos considera que a transferência da residência oficial não é a prioridade nos estudos de viabilidade do projeto de transferência da estrutura de governo para o Centro. A realocação dos cerca de 24.000 funcionários públicos estaduais para um único local, sim.Secretaria Especial de Projetos Estratégicos, em nota enviada ao UOL A escolha da feijoada passada para sexta-feira é devido à queda do movimento no restaurante. Percebemos que, às sextas-feiras, o consumo e venda caíram e os funcionários saíam para almoçar fora do palácio. Assim, para continuar e manter o movimento, alteramos o prato de quarta para sexta-feira, visto que é um prato bem aceito pelos clientes.SHA, em nota enviada ao UOL A empresa [SHA] tem liberdade e é responsável pela refeição que será servida em cada dia da semana, desde que cumpra todos os requisitos do contrato. Portanto, o cardápio das unidades é elaborado e definido exclusivamente pela equipe de nutricionistas da empresa, que tem a obrigação contratual de oferecer diariamente aos comensais opções de refeições balanceadas e nutricionalmente completas.Governo do Estado, em nota enviada ao UOL Os dois grupos estão em sintonia perfeita. A gestão política é muito integrada com a técnica.Gilberto Kassab, secretário de Governo, sobre disputa entre alas técnica e política