Um dos bolsonaristas do STF tem conflito de interesse

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Foto: Carlos Moura/STF

Relator de uma ação que contesta acordos de leniência firmados por empresas investigadas pela Operação Lava-Jato, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), vai dar a palestra de abertura de um seminário promovido por um instituto comandado por um dos advogados que movem o processo.

Na manhã do dia 7 de agosto, Mendonça é aguardado em São Paulo para a palestra magna na abertura do seminário “10 anos da Lei Anticorrupção: Desafios e oportunidades”, organizado pelo Instituto para Reforma das Relações Entre Estado e Empresa (IREE).

O instituto é presidido por Walfrido Jorge Warde Júnior, um dos 11 advogados que assinam a ação movida por PSOL, PCdoB e do Solidariedade, partidos da base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acionaram o Supremo para suspender as indenizações e multas impostas nos acordos de leniência.

Warde também advoga para a J&F, que trabalha para anular os acordos de leniência assinados com o Ministério Público Federal ao confessar pagamento de propinas para lideranças do Congresso.

Também é autor do livro “O espetáculo da corrupção – Como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país”, lançado em 2018.

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Na ação contra os acordos de leniência que ele subscreve, PSOL, PCdoB e do Solidariedade acusam a Lava-Jato – que levou Lula a ser condenado e preso por corrupção e lavagem de dinheiro por 580 dias – de promover “a instalação de um Estado de Coisas Inconstitucional em relação não só aos celebrantes dos acordos de leniência, como à própria sociedade civil, que arcou com o efeito cascata da quebra generalizada de companhias estratégicas para a economia brasileira”.

Para as legendas, os acordos de leniência das empreiteiras foram feitos sob “absoluta coação”.

Além do ministro do STF, o evento vai receber também o diretor global de compliance do grupo JBS, José Marcelo Proença, que participa de um dos painéis, sobre “integridade e responsabilidade social no ambiente empresarial”, ao lado do ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida.

A J&F, que controla a JBS, fechou com MP um acordo de leniência que prevê o pagamento de multa de R$ 10,3 bilhões ao longo de 25 anos por seu envolvimento em casos de corrupção. Agora, o grupo quer rever o acordo e diminuir o valor.

Durante viagem por Portugal para participar de um fórum jurídico de um instituto ligado ao ministro Gilmar Mendes, os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do grupo JBS, aproveitaram um coquetel para se aproximar de Mendonça, com quem tiraram uma foto em que aparecem sorridentes.

No último dia 25, Mendonça assinou dois despachos que destravaram a ação: pediu informações à Presidência da República, ao Congresso e ao Ministério Público Federal em um prazo de 10 dias; e aceitou que o partido Novo e o Instituto Não Aceito Corrupção acompanhassem a ação na condição de “amigo da Corte”, uma espécie de interessado que pode se manifestar nos autos, elaborar pareceres e até ser ouvido durante o julgamento.

Não há, no entanto, previsão de quando a ação vai ser enfrentada pelo plenário da Suprema Corte.

Procurado pela reportagem, o ministro do STF disse que a “palestra não é remunerada e tem objetivo acadêmico, a fim de tratar sobre como a Constituição aborda as relações entre o Estado e as empresas”.

“Não há conflito de interesses, uma vez que não haverá nenhum benefício ao referido advogado, sendo a palestra direcionada a um público amplo e diverso e com participação de vários órgãos públicos”, sustentou Mendonça.

Em abril, a equipe da coluna informou que o governo Lula vai trabalhar, pelo menos oficialmente, contra a ação que está nas mãos de Mendonça.

À época, a Advocacia-Geral da União (AGU) disse em nota que “deverá cumprir seu dever constitucional de defesa dos atos impugnados na ação proposta à Suprema Corte, com intuito de preservar os acordos de leniência firmados”.

O seminário estrelado por Mendonça vai ocorrer no Hotel Rosewood, em São Paulo, ao longo de toda a segunda-feira da semana que vem.

Outro painel do seminário, sobre “leniência e preservação da empresa”, vai contar com a participação do secretário de integridade privada da CGU, Marcelo Pontes Vianna e do procurador-geral da União, Marcelo Eugênio Almeida. Por fim, o painel sobre “lobby, transparência e corrupção”, terá a presença do deputado federal Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) e da presidente do movimento RenovaBR, Patricia Audi.

O IREE alegou à reportagem que já promoveu “cerca de mil eventos presenciais e virtuais”, com a colaboração de 1,6 mil palestristas e que o convite feito a Mendonça, “profundo conhecedor da Lei Anticorrupção”, “jamais incluiu qualquer remuneração”.

“O IREE seguirá contribuindo com o debate público no mais amplo espectro do conhecimento que puder alcançar”, afirmou a entidade.

O Globo