Velha política ganha com reforma ministerial
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
O iminente ingresso dos deputados Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (Progressistas-MA) no ministério do governo Lula reforça a “bancada de juniores” no primeiro escalão, num contexto de continuidade, e até de expansão do poder das famílias políticas no Brasil.
Nos bastidores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já avalizou as indicações de ambos para o ministério, mas ainda não definiu quais pastas irão assumir. Representantes de famílias tradicionais da política pernambucana, no caso de “Silvinho”, e maranhense, no caso de “Fufuca”, eles chegam ao primeiro escalão para engrossar um time de filhos de caciques políticos, encabeçado pelos ministros Renan Filho (MDB), dos Transportes, e Jader Filho (MDB), das Cidades.
O primeiro, filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), ex-ministro e quatro vezes presidente do Senado; e o segundo, filho do senador Jader Barbalho (MDB-PA), ex-governador, ex-ministro e ex-presidente da legenda. “No atual governo, continua a mesma relação estrutural de poder, o mesmo processo de hereditariedade do poder familiar”, explicou ao Valor o professor Ricardo Costa de Oliveira da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “A política no Brasil é majoritariamente organizada por famílias políticas, que estão presentes controlando todas as instituições”, completou. Sociólogo de formação, o professor é fundador de um grupo de trabalho que pesquisa, há mais de 30 anos, a genealogia política, nepotismo e a perpetuação das famílias no poder. Oliveira observou que a presença de ministros herdeiros de famílias políticas tradicionais no governo Lula segue a lógica natural da conjuntura brasileira. “Onde há governo, as famílias políticas tendem a procurar um entendimento com quem está no poder, essa é a lógica”, argumentou. Ele acrescentou que nesse cenário, e como político habilidoso, Lula não tem alternativa a não ser compor com as famílias tradicionais, independentemente se fizeram campanha pra ele ou para Jair Bolsonaro. “Lula vai entrando no campo dos que querem acordo”, ponderou. No atual governo, continua o processo de hereditariedade do poder familiar” — Ricardo Oliveira O professor observou que o fenômeno da “oligarquização” manifesta-se nos três Poderes. No Congresso, por exemplo, 2/3 dos parlamentares estão vinculados a alguma família tradicional na política. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é filho do ex-senador e prefeito de Barra de São Miguel (AL), Benedito de Lira. Oliveira ressaltou, ainda, que os herdeiros políticos “conseguem sucesso eleitoral muito novos”, em razão dos investimentos e capital político da família, que tende a controlar diretórios e as finanças do partido em seus Estados. Aos 41 anos, já no segundo mandato, “Silvinho” é filho do ex-deputado federal Sílvio Costa, que ganhou protagonismo como um dos mais combativos defensores da presidente Dilma Rousseff durante o impeachment, e de Lula durante a prisão em Curitiba. Em 2022, Costa elegeu-se primeiro suplente da senadora Tereza Leitão (PT-PE), e ainda viu o filho mais novo, João Paulo Costa (PCdoB), conquistar o mandato de deputado estadual. A família controla o diretório do Republicanos em Pernambuco. Aos 33 anos, André Fufuca herdou o apelido do pai, Francisco Dantas Ribeiro Filho. Conhecido como “Fufuca Dantas”, ele exerce o terceiro mandato de prefeito de Alto Alegre do Pindaré (MA). Por causa do pai, o ministeriável também é chamado de “Fufuquinha”. Aliado de primeira hora do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI) – que tem feito oposição ostensiva a Lula -, e de Arthur Lira, Fufuca já exerceu interinamente a presidência da Casa em 2017. Quando Nogueira foi nomeado ministro da Casa Civil, tornou-se presidente nacional do PP. Atualmente, é líder da bancada federal, e dirigente do partido no Estado. Da mesma forma, as famílias dos ministros Renan Filho e Jader Filho estão à frente dos diretórios do MDB em seus Estados. Ex-governador de Alagoas, Renan Filho trilha o caminho do pai para consolidar a projeção nacional. O clã Calheiros tem como base eleitoral a cidade de Murici (AL), onde o atual prefeito é Olavo Calheiros Neto, sobrinho do senador. No Pará, Jader Barbalho impulsionou a carreira política dos filhos. Helder Barbalho foi reeleito governador em primeiro turno em 2022, e ampliou a votação de Lula no Estado no segundo turno, enquanto Jader Filho pilota um dos ministérios mais cobiçados da Esplanada. Da mesma forma, o ministro Juscelino Filho (Comunicações), do União Brasil, representa uma família influente no Maranhão, que tem se revezado na Prefeitura de Vitorino Freire. O pai do ministro, Juscelino Rezende, foi deputado estadual e duas vezes prefeito do município. O cargo hoje é exercido pela irmã do ministro, Luanna Rezende. Além disso, a família tem laços no município vizinho, Santa Inês, onde o tio do ministro, Roberth Bringel, foi prefeito. Hoje Bringel é primeiro suplente do senador Weverton Rocha (PDT).
Registre-se, ainda, que a ministra Simone Tebet (Planejamento) é filha do ex-presidente do Senado Ramez Tebet (morto em 2006), quadro histórico do MDB e ex-governador do Mato Grosso do Sul. Ricardo Oliveira afirma que seu grupo de estudos tem registrado a expansão da “oligarquização” do poder político. Atualmente, cerca de 70% dos deputados federais têm conexões com famílias políticas. Na percepção do professor, esse fenômeno reforça a desigualdade social no Brasil. “Temos poucas mulheres, poucos negros, poucos indígenas, poucos trabalhadores no Congresso”, salientou. “Não vejo caminho para romper essa lógica; vejo o reforço dessa característica estrutural do Brasil”, lamentou.