Aras teve coragem de pedir a Lula para ficar
Enquanto Augusto Aras faz os últimos movimentos para tentar a recondução no comando da Procuradoria-Geral da República (PGR), a disputa pelo o cargo se afunila cada vez mais em três nomes: o vice-procurador-geral Eleitoral Paulo Gonet e os subprocuradores-gerais Antônio Carlos Bigonha e Mario Bonsaglia. O trio atua para driblar a falta de proximidade com o presidente Lula, a quem cabe a decisão, com o apoio de nomes influentes no Judiciário.
No entorno do chefe do Executivo, a concorrência hoje é vista como ainda em aberto, “sem jogo jogado”, nas palavras de um interlocutor de assuntos jurídicos do Planalto. Gonet e Bigonha são mais cotados, e Bonsaglia corre por fora. Até por conta da indefinição, Aras deu sua cartada final na quinta-feira, ao ser recebido pelo presidente para uma visita de cortesia.
Apesar da defesa feita por aliados relevantes de Lula, como o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e o ministro Rui Costa (Casa Civil), a recondução do atual chefe da PGR é vista no Planalto como improvável. Na avaliação de interlocutores do petista, a conversa da semana passada teve o intuito de mostrar que o presidente é “aberto ao diálogo”.
Aras tem aproveitado para defender sua gestão na PGR e vai lançar um livro com um balanço da atuação. A proximidade com o final do mandato promoveu um “ajuste de rota”, com manifestações favoráveis aos interesses do governo Lula. Na semana passada, por exemplo, ele emitiu um parecer favorável à ação movida no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo governo questionando a perda de poder de voto da União na Eletrobras após a privatização da empresa.
Para esses integrantes do entorno jurídico do presidente, Lula está analisando detalhes do que é dito a respeito dos subprocuradores, e só baterá o martelo quando o mandato do atual PGR estiver chegando ao fim, em meados de setembro.
Enquanto isso, os três nomes mais fortes no páreo ainda não se encontraram com o presidente, mas nos últimos dias têm mantido, discretamente, agendas com auxiliares jurídicos e integrantes do primeiro escalão. É o caso do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como mostrou o GLOBO. Outro movimento adotado pelos favoritos, em paralelo, é evitar uma postura “de campanha”, não querendo trazer para si os holofotes antes da hora.
Relação distante
Todos estes nomes, contudo, esbarram na falta de proximidade com o presidente, ocasionada pelo distanciamento que houve entre Lula e o Ministério Público Federal (MPF) — consequência direta do que houve nos anos da Lava-Jato. Diferentemente do que ocorreu no Supremo Tribunal Federal (STF), para onde o presidente indicou um nome de sua estrita confiança, o ministro Cristiano Zanin, a busca pelo novo chefe da PGR esbarra na falta de conhecimento que Lula tem dos atuais quadros da instituição.
Assim, a percepção de quem acompanha os movimentos recentes é de que contará não só a vida pregressa dos subprocuradores, como também os apoios que conseguiram angariar até o momento. Gonet tem o respaldo dos ministros Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal (STF), com quem o presidente Lula tem mantido grande interlocução. Já Bigonha tem o apreço de uma ala do PT e de integrantes do grupo Prerrogativas, além de estar sendo ciceroneado pelo advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
Único integrante da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) no páreo, Bonsaglia tem o apreço de advogados e de uma parcela de integrantes do núcleo jurídico ligado ao presidente, além de movimentos sindicais de São Paulo, sua cidade de origem. Ainda assim, é visto como o candidato menos provável.
Integrante da área jurídica da equipe de transição do governo Lula em 2022, o advogado Eugênio Aragão, subprocurador-geral da República aposentado e ex-ministro da Justiça, diz que a escolha do futuro PGR é “tarefa difícil”.
— O presidente deve selecionar um perfil que, sem ser omisso, trabalhe com serenidade, longe dos holofotes e saiba coordenar a orquestra dos membros da instituição, que andou um tanto desafinada. A gravidade das funções do PGR não permite amadorismo nem improvisação, demanda lealdade à democracia, ao estado de direito, às instituições e aos jurisdicionados — afirmou ao GLOBO.
Embora façam parte da mesma carreira — subprocuradores-gerais da República — e integrem o Ministério Público Federal há mais ou menos o mesmo tempo, os três favoritos têm percursos distintos de atuação e já passaram por diferentes áreas na instituição.
Atual vice-procurador-geral Eleitoral, Gonet atuou nas eleições de 2022 e ficou nos holofotes recentemente, durante o julgamento da ação que levou à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que contou com um parecer favorável do MP Eleitoral. Em sua trajetória, Gonet teve foco na atuação constitucional da PGR: foi secretário de Assuntos Constitucionais da instituição e representante do MPF na 2ª Turma do Supremo. É conhecido pela previsibilidade na atuação. Como ele diz a interlocutores, não tem disposição para fazer revolução política “com a caneta ou com a gaveta”.
Durante o julgamento de Bolsonaro no TSE, em junho, Gonet enfatizou que o discurso adotado diante dos embaixadores poderia “perturbar a tranquilidade institucional”. Mais adiante, afirmou que “o sistema representativo desacreditado solapa a base da opção fundamental do constituinte por um Estado Democrático de Direito”, e classificou as críticas do ex-presidente ao sistema eleitoral como “temerárias” e “sabidamente infundadas”.
Diferentes áreas
Bigonha já presidiu a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e tem uma atuação voltada aos povos indígenas e direitos humanos — foi chefe da 6ª Câmara de Coordenação da PGR, responsável pelo tema. Em 2019, em uma sessão da Segunda Turma do STF, o subprocurador-geral pediu desculpas aos ministros por declarações feitas pela hoje extinta força-tarefa da Lava-Jato contra uma decisão do colegiado.
— Como sabemos, não cabe aos procuradores que atuam em primeiro grau fazer juízo de valor sobre os julgamentos deste Supremo Tribunal Federal. Essa tarefa caberia apenas à procuradora-geral da República ou aos subprocuradores — disse na ocasião.
Bonsaglia foi procurador regional eleitoral em São Paulo e coordenou a 7ª Câmara do MPF, responsável pela área de controle externo da atividade policial e do sistema prisional e, por isso, é visto como experiente na área criminal.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), ele defendeu que a Lei da Anistia não deve ser aplicada em casos que envolvem crimes contra a humanidade ocorridos durante o regime militar.
Bonsaglia lembrou que em 2010, por ocasião do julgamento do caso referente à Guerrila do Araguaia, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a não mais aplicar a Lei de Anistia como forma de impedir a investigação de casos considerados graves violações de direitos humanos.
Paulo Gonet
Atual vice-procurador-geral Eleitoral, ficou nos holofotes recentemente durante o julgamento da ação que tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível, que contou com um parecer favorável do Ministério Público Eleitoral. É conhecido pela previsibilidade na atuação. Como diz a interlocutores, não tem disposição para fazer revolução política “com a caneta ou com a gaveta”.
Antônio Carlos Bigonha
Já presidiu a Associação Nacional dos Procuradores da República e atua em prol dos povos indígenas e dos direitos humanos. Em 2019, em sessão da Segunda Turma do STF, o subprocurador-geral pediu desculpas aos ministros por declarações de membros da hoje extinta força-tarefa da Lava-Jato contra uma decisão do colegiado. “A tarefa caberia apenas à PGR ou aos subprocuradores”.
Mario Bonsaglia
O subprocurador-geral já coordenou a 7ª Câmara do MPF, responsável pela área de controle externo da atividade policial e do sistema prisional e, por isso, é visto como experiente na área criminal. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), defendeu que a Lei da Anistia não deve ser aplicada em casos que envolvem crimes contra a humanidade ocorridos durante o regime militar.
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