Bolsonaro tenta incriminar Mauro Cid

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Foto: Rodrigo Silviano

O ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou ao Estadão que seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid tinha “autonomia” ao ser perguntado sobre a venda ilegal de joias recebidas pela Presidência durante visitas oficiais. Na quinta-feira, o criminalista Cezar Bitencourt disse que seu cliente confessaria à PF que vendeu os objetos no exterior em nome de Bolsonaro. Nesta sexta-feira, porém, Bitencourt indicou em mensagem ao Estadão recuo quanto ao teor da confissão ao afirmar que seu cliente não falará de joias.

“Ele (Cid) tinha autonomia”, disse Bolsonaro em Abadiânia (GO), cidade a caminho de Goiânia, onde o ex-presidente será homenageado nesta noite. A conversa com a reportagem ocorreu enquanto Bolsonaro comia um pão com manteiga acompanhado de café com leite em uma panificadora da cidade.

Na entrevista, Bolsonaro afirmou ainda que deseja “clarear o mais rápido possível” caso das joias. A pedido da PF, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes quebrou os sigilos bancário e fiscal do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle no âmbito desta investigação.

Quando questionado se estava se sentindo mal diante da possibilidade de delação do seu homem de confiança, Bolsonaro devolveu a pergunta: “O que você acha?”, reagiu. O tempo todo ele oscilou entre momentos de tensão e estresse durante a entrevista.

Bolsonaro reafirmou que no seu entendimento não há ilegalidade sobre o destino das joias que recebeu como presidente. Ele cita uma portaria de 2018 do ex-presidente Michel Temer que tipifica as pedras preciosas como itens personalíssimos. Ele não soube responder, no entanto, se teria cometido algum crime depois de 2021, quando o texto foi revogado pelo próprio governo dele.

A principal referência sobre os critérios é um entendimento fixado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ao analisar diferentes leis e decretos em 2016. O tribunal decidiu que os presentes recebidos em agendas e viagens oficiais devem ser incorporados ao patrimônio da União, mesmo que dados ao presidente.

Há exceções para os “itens de natureza personalíssima”. Como exemplo, o TCU citou “medalhas personalizadas, bonés, camisetas, gravata, chinelo e perfumes”. Para que um presidente possa ficar com o material, é preciso que seja algo pessoal e também que tenha um valor baixo.

O relator do caso à época, ministro Walton Alencar, deixou claro que joias preciosas não poderiam ser consideradas “personalíssimas”. “Imagine-se, a propósito, a situação de um Chefe de Governo presentear o Presidente da República do Brasil com uma grande esmeralda de valor inestimável, ou um quadro valioso. Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do Presidente”, afirmou no voto.

Na semana passada, a PF abriu uma operação para investigar suposto grupo que teria vendido bens entregues a autoridades brasileiras em missões oficiais. A Polícia Federal também suspeita que os valores obtidos das vendas das joias eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de laranjas e sem utilizar o sistema bancário formal, “com o objetivo de ocultar a origem localização e propriedade dos valores”.

As tentativas de vender as joias só foram paralisadas após o Estadão revelar, em março, que auxiliares de Bolsonaro tentaram entrar ilegalmente no Brasil com um kit com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes entregues pelo governo da Arábia Saudita para o então presidente e Michelle Bolsonaro.

Mauro Cid está preso há três respondendo a uma outra investigação que também atinge Bolsonaro. O militar é acusado de fraudar cartões de vacinação da covid-19 do ex-presidente e familiares.

Estadão