Brasil terá dois juízes em processos penais

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Nelson Jr./STF/Divulgação

Apesar de já ter formado maioria pela obrigatoriedade do juiz de garantias, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode fazer uma alteração no modelo que foi aprovado no Congresso: a competência do juiz de garantias encerraria no momento do oferecimento da denúncia, e não no recebimento dela, como foi estabelecido pelos parlamentares. Essa alteração é importante porque pode aumentar o poder do juiz da instrução, que assume a segunda parte do processo e é responsável pela sentença. O julgamento será retomado na tarde desta quarta-feira.

Em 2019, o Congresso aprovou a criação do juiz de garantias, um magistrado que cuidaria da instrução do processo, como a supervisão das investigações e a decretação de medidas cautelares, como prisões, apreensões e quebras de sigilo. Neste modelo, outro juiz ficaria responsável pelo julgamento, analisando se o réu é ou não culpado. Hoje, um mesmo juiz fica encarregado do inquérito e da sentença, o que alguns consideram prejudicial ao réu.

O mecanismo foi suspenso pelo ministro Luiz Fux em janeiro de 2020. Agora, os ministros estão analisando se o mecanismo é constitucional. Seis ministros já votaram pela obrigatoriedade da implementação.

Também já maioria para alterar a alteração da competência, seguindo o voto do ministro Dias Toffoli. Para o ministro, o juiz de garantias estaria “contaminado” pela investigação ao analisar a denúncia. Quando a denúncia do Ministério Público é aceita, o juiz considera que há elementos para tornar o investigado réu e iniciar a ação penal.

“O juiz das garantias estará contaminado e tendente a confirmar as convicções prévias surgidas ao longo do inquérito policial, o qual não apenas teve acesso aos elementos produzidos, como o presidiu, podendo, assim, influenciar na análise da absolvição sumária ou da rejeição da denúncia”, afirmou Toffoli, na íntegra do seu voto.

O ministro Alexandre de Moraes foi um dos que concordou com esse ponto:

— Se o juízo de garantias não deve participar do processo, não é ele que deve iniciar a ação penal. Ele produziu as provas, ele participou, ele vai receber a denúncia?

O único a divergir até o momento neste ponto foi o ministro Edson Fachin, que considerou que não cabe ao STF analisar se a divisão estabelecida pelo Legislativo é boa ou não.

— Há um juiz das garantias, que vai até o exame da denúncia, e em seguida há o juiz do processo penal, que fará a instrução e o julgamento da ação penal. Parece-me que isso é que está no cerne dessa legislação. Se esta é uma boa solução ou não, tenho a impressão que isso desborda um pouco do exame da sua respectiva constitucionalidade — afirmou Fachin, na semana passada.

Ainda faltam os votos dos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e a presidente do STF, Rosa Weber.

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), que é um dos amicus curiae (que tem direito a sustentação oral no processo), enviou aos ministros do STF um documento criticando a possível alteração. O texto diz que a preservação da competência é “central à própria compreensão do instituto”.

— Você está aniquilando a essência dessa separação funcional. A ideia principal é: o juiz das garantias recebe (a denúncia) justamente para que ele livre o juiz da causa de ter contato com esses elementos prévios — afirma o presidente do instituto, Renato Stanziola Vieira.

Assim como na Corte, no entanto, o modelo não é consenso entre especialistas. O advogado criminalista Thiago Turbay, sócio do Boaventura Turbay Advogados, afirma que há riscos nas duas possibilidades, mas que o risco é menor quando o juiz da instrução recebe a denúncia. Isso porque durante a ação penal serão produzidas novas provas que poderão alterar seu entendimento.

— Aquele que recebe a denúncia e inicia a ação penal terá, ao final do processo, um conteúdo distinto daquele da investigação. Portanto, ele terá que considerar esse outro conteúdo. Esse conteúdo vai ser submetido ao contraditório. Em termos de distribuição do risco de erros, me parece que a posição do juízo de garantias terminar após a citação do réu é mais razoável — afirma Turbay.

O Globo