Caixa demite responsável por acobertar Bolsonaro
A Caixa Econômica Federal decidiu hoje dispensar uma dirigente do crédito consignado do Auxílio Brasil, concedido pelo banco estatal entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2022. Na segunda-feira, o UOL mostrou que a funcionária é uma das envolvidas na ocultação de informações sobre riscos e perdas na operação.
Karla Montes Ferreira, que era superintendente nacional de crédito da pessoa física do banco, assina o envio de 17 páginas com informações totalmente tarjadas em resposta a um pedido de Lei de Acesso à Informação feito pelo UOL e deferido pela CGU (Controladoria-Geral da União). No conteúdo censurado estavam mensagens enviadas por ela mesma para o então Ministério da Cidadania.
A Caixa informa que a empregada de carreira está sendo dispensada da função gratificada por interesse da administração. Karla Montes Ferreira chefiava a superintendência nacional de crédito pessoa física da Caixa, área que engloba o consignado para beneficiários do Auxílio Brasil.
Entre outubro e novembro do ano passado, Karla trocou mensagens com o então Ministério da Cidadania apontando problemas e riscos no consignado do Auxílio Brasil. Ainda assim, a Caixa foi o único grande banco a aderir à linha de crédito.
Os empréstimos começaram em 10 de outubro, oito dias depois do primeiro turno. Em vinte e um dias até o segundo turno, a Caixa liberou R$ 7,6 bilhões no consignado do Auxílio Brasil para 2,9 milhões de pessoas. Após a derrota de Bolsonaro, o banco interrompeu a operação na surdina, como revelou o UOL.
O consignado para beneficiários do Auxílio Brasil faz parte de um contexto maior de aparente uso político do banco durante a campanha eleitoral do ano passado, revelado em série de reportagens do UOL. O Sim Digital, uma outra linha de crédito oferecida pela Caixa, resultou em inadimplência de 80% ao banco.
Documento tarjado
As tarjas só podiam ser removidas pela Caixa. Mas o UOL teve acesso aos documentos originais, sem as ocultações. O banco estava tentando esconder comunicações sobre riscos e perdas com a linha de crédito.
Os trechos que foram tarjados revelam que o consignado do Auxílio Brasil foi iniciado aos atropelos, com dúvidas e pendências que representavam riscos financeiros e jurídicos.
A possibilidade de glosa [cancelamento] sem referidos detalhamentos impõe risco imprevisível às instituições financeiras e de difícil mensuração em relação à perda que pode advir do processo, uma vez que não há segurança, ainda, a partir dos dados disponibilizados.
Solicitamos a exclusão do artigo até que haja maior aprofundamento das tratativas e as instituições possam estabelecer procedimentos operacionais suficientes para evitar a concessão de crédito para clientes mais propensos ao cancelamento do benefício.
Karla Ferreira, superintendente dispensada da Caixa, em e-mail ao Ministério da Cidadania em 7 de outubro de 2022
Os trechos tarjados mostravam também que a Caixa começou a ter “perdas relevantes” com o consignado já em novembro.
O tema ‘condicionalidades’ não era conhecido pelos agentes financeiros (…) Diante do novo tema, é importante que as linhas de defesa estejam devidamente implementadas para que a Caixa possa optar pela realização ou não de empréstimos aos clientes que estejam na referida condição.
Karla Ferreira, superintendente dispensada da Caixa, em e-mail ao Ministério da Cidadania em 10 de novembro de 2022
Na segunda-feira, a Caixa retirou as tarjas e abriu investigação para apurar os responsáveis pela censura.
Além de Karla, assinam o envio do documento tarjado: Marcelo Viana Paris, superintendente nacional de Benefícios Sociais; Tiago Cordeiro de Oliveira, diretor executivo de Produtos de Governo; Helen Cristina R. S. Costa, consultora matriz de Produtos de Varejo; Simone Rosa, gerente de Clientes e Negócios de Produtos de Varejo. Eles seguem na Caixa.
UOL