Centrão manterá chantagem a Lula por todo mandato

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Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Mesmo após o desfecho da reforma ministerial, com a acomodação de Progressistas (PP) e Republicanos em ministérios e no segundo escalão, a percepção no governo é de que remanescerão focos de turbulência na Câmara dos Deputados, embora a expectativa seja de períodos mais longos de estabilidade.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retornou nesse domingo do périplo pela África, e seu núcleo de articuladores políticos espera que ele finalmente resolva o impasse sobre o ingresso dos novos aliados na base nesta semana.

Uma fonte credenciada do Palácio do Planalto ouvida pelo Valor admitiu que não há expectativa de que as negociações no varejo com o grupo político do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acabem quando as mudanças no primeiro escalão forem concluídas porque há medidas provisórias, projetos de lei relacionados ao arcabouço fiscal, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a lei orçamentária a serem votados até o fim do ano.

Articuladores políticos e auxiliares presidenciais acreditam que cada votação dessas matérias demandará uma delicada negociação por dois motivos. O primeiro deles é o sistema de pesos e contrapesos entre os Poderes, de modo que o Congresso não avalizará todos os pleitos do Executivo.

A segunda razão, entretanto, é que mesmo com a concessão de dois ministérios, além de postos no segundo escalão, para PP e Republicanos, ainda chegarão faturas do grupo de Lira em algumas votações, embora em menor escala.

Em contrapartida, há o sentimento de que o diálogo com a Câmara vai melhorar, e de que Lira tende a calibrar o estilo “morde e assopra” adotado desde a vitória de Lula, durante as articulações da proposta de emenda à Constituição (PEC) da transição.

O Valor apurou que Lira tem afirmado a interlocutores que, até o momento, nada foi pactuado. Mas tem assegurado que, no momento em que fizerem um acordo com o governo, será cumprido, eles estarão na base, e trabalharão pela estabilidade. “Não existe meio acordo, se tem acordo, é para ser cumprido”, tem dito Lira, segundo relatos de interlocutores.

Enquanto o acordo não se consuma, entretanto, continua o clima de insatisfação entre deputados do Centrão. Nos bastidores, Lira tem reiterado as críticas de que Lula reservou espaço muito melhor para as bancadas do Senado na Esplanada, e o quinhão da Câmara estaria desproporcional ao peso da Casa nas votações.

É nesse contexto de descontentamento que dois deputados do PP ouvidos pelo Valor, em condição de anonimato, avaliam que a nomeação do líder da bancada, André Fufuca (PP-MA), para o ministério a ser definido por Lula, não vai alterar o número de votos da legenda na Câmara. Alegam que os deputados de viés governista – majoritariamente dos Estados do Nordeste e Norte – já votam com o governo, enquanto os bolsonaristas não mudarão de posição.

Para esses correligionários de Lira, a cessão de um ministério para o PP contribuirá para o governo melhorar a interlocução com o presidente da Câmara. De outro lado, a Lira interessa o papel de principal interlocutor junto a Lula, que raramente se reporta diretamente aos líderes. Esse protagonismo garante a Lira manter-se no controle do processo sucessório na Câmara, e de seu grupo político.

Mesmo após o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, anunciar, publicamente, que Lula havia avalizado as indicações de Fufuca, do PP, e Silvio Costa Filho (PE), do Republicanos, para se tornarem ministros, os deputados continuam indóceis, aguardando a definição dos espaços.

Lira continuará influenciando as votações nas bancadas. No caso do PP, por exemplo, depois que Fufuca assumir o ministério, o novo líder da bancada deve ser o deputado Doutor Luizinho (PP-RJ), aliado de primeira hora de Lira. Para isso, ele deixaria o cargo de secretário de Saúde do Rio de Janeiro para atender à convocação do presidente da Câmara.

Nesse pano de fundo, é ilustrativo que os deputados tenham rejeitado a emenda do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), ao projeto do novo arcabouço fiscal, que abriria espaço de R$ 32 bilhões no Orçamento para o governo.

Mesmo com os nomes dos ministros anunciados publicamente, o Centrão avisou o governo que não chancelaria a emenda. Diante da recusa, foi feito um acordo para que o tema volte a ser discutido no âmbito da LDO, que tem como relator o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). Ele tem perfil independente, mas é um dos parlamentares mais próximos de Lira.

PP e Republicanos têm contrariado o governo em votações pontuais recentes, em claro recado de insatisfação com a demora no desfecho da reforma ministerial. Na última semana, as duas siglas, e os demais partidos da base votaram para manter na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) uma PEC que desagrada o governo. Trata-se da PEC do BNDES que prevê que empréstimos da instituição destinados a operações no exterior exigirão aval prévio do Congresso.

Simultaneamente, Arthur Lira tem investido na tática do “morde e assopra” nas votações estratégicas para o governo. Nos últimos dois meses, em meio à arrastada negociação com Lula, Lira dispara contra o governo, para em seguida, entrar em campo para amenizar o prejuízo.

Em junho, o Senado devolveu o texto revisado do novo arcabouço fiscal para a Câmara antes do recesso informal, mas o projeto não foi apreciado pelos deputados. Lira prometeu que levaria à votação tão logo os deputados retornassem a Brasília, o que não ocorreu.

Ao contrário, alegou que não havia acordo, e a votação quase não ocorre antes do prazo do envio da lei orçamentária, que é 31 de agosto, para aflição dos governistas. A proposta foi votada, mas os deputados não entregaram o que era prioridade para o governo: a emenda dos R$ 32 bilhões a mais no Orçamento.

Lira ainda derrubou duas medidas provisórias como recado para o governo de que não concorda com o uso indiscriminado da ferramenta, e demonstrou que nada avançará na Casa sem prévio acerto com ele e com os líderes.

Os deputados aprovaram as medidas provisórias do salário mínimo e da correção da tabela do Imposto de Renda, de ampla repercussão social. Mas deixaram caducar outras duas menos expressivas: uma delas sobre a retomada das obras na área de educação, e outra regulamentando mudanças no vale-refeição.

Em outro movimento, Lira excluiu da medida provisória o dispositivo sobre a taxação dos fundos “offshore”, exigindo que a matéria seja reenviada à Casa na forma de projeto de lei. O artigo é fundamental para compensar o Tesouro das perdas com a revisão da tabela do Imposto de Renda.

É fato que o governo derrapou ao enxertar o texto na MP sem prévia negociação com os líderes. Mas o novo projeto de lei da taxação dos fundos offshore demandará cuidadosa e paciente negociação para ser votado e aprovado no prazo desejado pela Fazenda.

Em outra frente, Lira instalou a comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No entanto, revogou a convocação do ministro da Casa Civil, Rui Costa, para depor no colegiado, e ajudou na articulação para substituir os quadros radicais no colegiado.

Em novo movimento para tensionar o governo, Lira estimulou a fritura do ministro da Agricultura Carlos Fávaro, representante da bancada do PSD no Senado. A pasta da Agricultura esteve sob o comando do PP nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Uma fonte do PSD disse ao Valor que Lira está fazendo o “jogo do poder”, “criando um problema que é maior para resolver outro problema”, que é a reforma ministerial. Mas esta fonte não acredita que Lula entre em rota de colisão com o PSD, diante da pressão de Lira. “O PSD é harmônico, não tem sentido Lula mexer com o partido”, afirmou, sobre a pasta da Agricultura migrar para o grupo de Lira.

Valor Econômico