Cid estimulava Bolsonaro a cometer crimes

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Geraldo Magela / Agência Senado

O ex-ajudante de ordens Mauro Cid está no foco da Polícia Federal e do Supremo em razão das transações que fez com as joias recebidas por Jair Bolsonaro do governo da Arábia Saudita.

Segundo o advogado Cezar Bitencourt, o tenente-coronel Cid vai admitir aos investigadores que vendeu um relógio Rolex de platina cravejado de diamantes nos Estados Unidos e entregou o dinheiro ao presidente, mas que fez isso a mando de Bolsonaro.

Mas apesar de a defesa dizer que Cid apenas cumpria ordens, ex-ministros que conviveram de perto com o Bolsonaro e seu ajudante atribuem à influência dele, que atuava em conjunto com um núcleo de ministros militares, uma série de movimentos que cobrariam um preço político alto do então presidente da República.

“O Cid era uma das nossas principais preocupações no governo”, diz um desses ministros, que se autoclassifica como do “núcleo civil” de Bolsonaro.

“Ele estava sempre atrás do presidente com mensagens e áudios de conspiração. A gente convencia de uma coisa, saía do gabinete e ele ficava lá dizendo o contrário. Muitas vezes Bolsonaro nos prometeu fazer uma coisa e fez outra por causa do Cid”, diz esse ex-ministro.

Por causa desses embates, houve ao longo do governo diversas tentativas de tirar Cid de perto de Bolsonaro, todas frustradas.

Embora Cid procurasse ser discreto e se manter calado nas reuniões ministeriais de que participava, em pelo menos um episódio ele se manifestou claramente e confrontou os ministros.

Foi entre novembro e dezembro de 2020, logo após as eleições presidenciais dos Estados Unidos.

Joe Biden foi declarado vencedor em 7 de novembro pelos principais meios de comunicação – como nos EUA cada estado tem as próprias regras eleitorais, não há um órgão nacional que centralize a apuração dos votos e a proclamação dos resultados –, e quase todos os chefes de Estado relevantes já tinham parabenizado o democrata pela vitória, menos Bolsonaro e o russo Vladimir Putin.

Donald Trump, porém, questionou a legalidade do pleito desde o primeiro momento, negou-se a aceitar o resultado e empreendeu uma ofensiva judicial para tentar provar que houve fraudes e anular as eleições.

Depois disso, ministros como o das Comunicações, Fábio Faria ou o da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e até assessores como Carlos França, que depois seria ministro das Relações Exteriores, passaram semanas tentando convencer o presidente a fazer um cumprimento oficial ao novo chefe da Casa Branca, mesmo que fosse protocolar.

O presidente, porém, se recusava. E segundo o relato de testemunhas das conversas, sempre que percebia que alguma reunião serviria para que o “núcleo civil” pressionasse Bolsonaro a reconhecer a derrota de Trump, Cid convocava o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

E a cada argumento dos civis – como por exemplo o de que Biden havia sido reconhecido vencedor em algum estado –, Ernesto e Cid já tinham prontas as respostas.

“Não é bem assim não”, rebatia Cid, para espanto e até irritação de alguns ministros, que o julgavam insubordinado. “O senhor desculpe mas as informações não são essas”, continuava, argumentando que no estado em questão a eleição fora fraudulenta e que em breve Trump provaria isso.

Chamou a atenção de alguns dos ministros que Cid parecia contar com o apoio dos militares como Braga Netto, então titular da Casa Civil.

Diante da pressão, Bolsonaro em geral não dava resposta alguma e pedia tempo para pensar.

Os civis argumentam que quanto mais Bolsonaro demorasse a fazer o gesto, mais atritos geraria. “Mas ele buscava informações diferentes e entregava ao presidente. Parecia que todo dia acordava com essa função”, diz um ministro civil.

No final de novembro, Bolsonaro chegou a dizer publicamente que tinha havido fraude na eleição americana. O debate no Planalto sobre quando aceitar a vitória de Biden ainda durou por alguns dias.

Só em 15 de dezembro, mais de 40 dias depois da eleição e no dia seguinte à declaração oficial do colégio eleitoral americano, o brasileiro cedeu. Bolsonaro foi o último chefe de Estado a reconhecer a vitória de Biden.

Na nota oficial em que admitiu o resultado eleitoral dos Estados Unidos, o brasileiro saudou nominalmente o então presidente eleito desejando os “melhores votos e esperança de que os EUA sigam sendo ‘a terra dos livres e o lar dos corajosos’”, em uma referência a um trecho do hino americano. Só aí Mauro Cid sossegou.

O Globo