Coronel que incitou golpe finge amnésia

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Foto: Pedro Ladeira-27.dez.2022/Folhapress

Um coronel da reserva do Exército que publicou mensagens golpistas na internet e ofendeu o ministro Flávio Dino (Justiça) negou em depoimento ter incitado as tropas contra ordens do presidente Lula (PT). Ele também disse não se lembrar das ofensas escritas nas redes sociais contra Dino.

Em 8 de janeiro, durante o ataque às sedes dos Poderes, o coronel José Placídio Matias dos Santos conclamou as Forças Armadas e pediu para que o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, desrespeitasse as ordens de Lula.

“Brasília está agitada com a ação dos patriotas. Excelente oportunidade para as FA [Forças Armadas] entrarem no jogo, desta vez do lado certo. Onde estão os briosos coronéis com a tropa na mão?”, disse em uma das postagens.

“General Arruda, o Brasil e o Exército esperam que o senhor cumpra o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade. O senhor sempre teve e tem o meu respeito. FORÇA!!”, afirmou em outra.

A versão do coronel não convenceu nem o Exército, e um inquérito policial militar concluiu que havia indícios de incitação à indisciplina, crime previsto no artigo 155 do Código Penal Militar. O processo está em segredo de Justiça.

Em depoimento prestado no dia 3 de fevereiro, o coronel disse que não quis incitar os coronéis, mas sim provocá-los “a não deixarem de estar juntos de suas tropas em momento de tensão”.

“Acrescentou possuir a mesma especialidade do Gen Arruda, qual seja, a de Forças Especiais, daí possivelmente ter usado a expressão ‘FORÇA!!’, o que significa, no seio das Forças Especiais, uma saudação”, diz trecho do depoimento.

Em outra publicação no mesmo dia, o coronel ofendeu o ministro Dino e escreveu, em tom de ameaça: “O ministro da justiça está se sentindo empodeirara [empoderada]. Tua purpurina vai acabar”.

A investigação interna entendeu que as publicações do coronel caracterizaram “incitação de universo específico de Oficiais (‘Coronéis’) à indisciplina de posicionar-se politicamente (‘do lado certo’)”.

“Por ter referenciado o então Comandante do Exército –general de Exército Júlio César de Arruda– sem autorização e sem obediência à cadeia de comando, o investigado deu publicidade a assunto atinente à disciplina militar, havendo indício de crime previsto no CPM.”

O Ministério Público Militar argumentou, por outro lado, que a conduta se enquadra no Código Penal Comum —incitar, publicamente, animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais— e defendeu que o coronel fosse julgado pela Justiça Federal.

“Não se trata de conduta dirigida contra o patrimônio sob a administração militar, contra a ordem administrativa militar, nem contra militar da ativa”, escreveu a promotora Caroline de Paula Oliveira Piloni, defendendo que não há competência da Justiça Militar no caso.

A Justiça Militar da União discordou do Ministério Público Militar e decidiu dividir o caso. O processo por suspeita de crime militar tramita no STM (Superior Tribunal Militar), enquanto a ofensa ao ministro da Justiça (suspeita de crime contra a honra) foi enviada à Justiça Federal.

Em fevereiro, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes decidiu que os militares envolvidos nos ataques às sedes dos Poderes —tanto das Forças como da Polícia Militar— serão processados e julgados pela Corte.

A decisão foi tomada depois que a Polícia Federal disse ao magistrado que depoimentos indicavam “possível participação/omissão dos militares do Exército Brasileiro, responsáveis pelo Gabinete de Segurança Institucional e pelo Batalhão da Guarda Presidencial”.

Apesar da decisão de Moraes, o juiz federal substituto da Justiça Militar Alexandre Augusto Quintas entendeu que o artigo 155 do Código Penal Militar —crime de incitação à indisciplina— “não se encontra no rol dos delitos descritos” na decisão do ministro.

“Este Juízo entende que as infrações investigadas no presente IPM foram praticadas por um graduado Oficial da reserva remunerada do Exército Brasileiro, incitando o Comandante e outros Oficiais do Exército Brasileiro à desobediência, à indisciplina e à prática de crime militar, configurando, assim, crime propriamente militar.”

A reportagem não conseguiu contato com o coronel. O Exército não quis se manifestar sobre o caso. A instituição disse que o episódio de 8 de janeiro e “os fatos que culminaram no evento” já estão “sob escrutínio” do STF, da PF, da CPI do Congresso Nacional e da CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal.

“Sendo assim, este centro informa que o Exército não se manifesta sobre processos de investigação conduzidos por outros órgãos. Cabe destacar que esse é o procedimento que tem pautado a relação de respeito do Exército Brasileiro com as demais instituições da República.”

Flávio Dino disse em nota que confia no Poder Judiciário. “Com as punições legais que virão, espero que esses criminosos parem com a perpetração de violências e ameaças.”

Hoje na reserva remunerada, Placídio foi assessor do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) durante três anos do governo Jair Bolsonaro (PL). Ele chegou ao cargo no início de 2019 e foi exonerado em fevereiro do ano passado.

Como mostrou a Folha, o inquérito policial militar aberto para investigar os militares que deveriam ter protegido o Palácio do Planalto em 8 de janeiro livrou as tropas de culpa e apontou “indícios de responsabilidade” da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial do GSI.

À época, a secretaria era chefiada pelo general Carlos Feitosa Rodrigues. Ele chegou ao cargo em 2021, na gestão do então ministro Augusto Heleno, e foi mantido no governo Lula pelo general Gonçalves Dias, ministro do GSI que pediu demissão em abril após a divulgação de imagens internas do palácio.

Folha