Especialistas explicam diferença da delação de bolsonarista
Foto: Ed Alves/CB/DA.Press
Recurso amplamente criticado pelo PT durante a Operação Lava-Jato, a delação premiada ganhou destaque novamente na gestão do ministro da Justiça, Flávio Dino, por trazer importantes avanços na investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco — assassinada em 2018. Especialistas ouvidos pelo Correio destacam que o mecanismo é válido, sim, por lei, mas que é necessário contar com um forte aparato de provas para corroborar com o delator.
A delação premiada é quando um réu aceita colaborar com a Justiça, entregando os comparsas, em troca de benefícios na pena. Essa pessoa deverá apresentar provas capazes de identificar outros responsáveis pelos crimes ou revelar como são as estruturas e funcionamento de organizações criminosas.
Na Lava-Jato, os acordos da tiveram início em 2014, com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, seguido do doleiro Alberto Youssef. Nesses últimos nove anos, a força-tarefa viveu momentos de ascensão e queda, com diversas delações anuladas e inúmeras críticas pela forma como foram conduzidas.
A própria legislação também foi aperfeiçoada. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que é direito dos delatados apresentarem as alegações finais depois dos réus que firmaram acordo de colaboração. Segundo os ministros, a manifestação deve assegurar o direito fundamental da ampla defesa e do contraditório.
“Nada mais é do que uma possibilidade de ter-se um benefício direcionado a alguém que esteja sendo processado, ainda que não esteja sendo denunciada, mas que essa pessoa suspeita de ter cometido o crime, ela possa cooperar durante as investigações”, explicou a advogada Carla Rahal Benedetti, especialista em direito penal.
O advogado especialista em direito penal Lucas Fernando Serafim Alves explica os possíveis benefícios para os delatores. “Pode ser a diminuição da pena, de um terço a dois terço; ou o cumprimento da pena em um regime diferente; e há casos em que a própria instituição da pena e há casos em que se homologa o perdão judicial”, ressaltou.
Segundo a legislação, a colaboração deve ser espontânea e contar com corroboração em provas documentais ou outros meios para ser formado o convencimento do juízo de forma objetiva e lícita.
“Neste sentido, deve sempre ser considerada com um meio de obtenção de provas, para que, em cotejo com o conjunto probatório, possa ser utilizada validamente na persecução penal. A Lei nº 12.850/13 não autoriza a decretação de medidas cautelares ou o recebimento de denúncias baseadas exclusivamente na palavra do delator, o que tem sido reiterado e assegurado pela jurisprudência brasileira”, explicou Maurício Silva Leite, especialista em direito criminal.
Em 2021, o PT também pediu que o STF determinasse algumas regras para os acordos de delação premiada. A ideia do partido é que esses parâmetros “sirvam como limites constitucionais” e proporcionem “a segurança jurídica pretendida por todo sistema jurídico democrático”.
À época, a legenda argumentou que a delação premiada poderia violar a segurança jurídica e os direitos do réu, como a ampla defesa e o contraditório. Entre os exemplos citados, está a “delação forçada” e a falta de limites para os benefícios a delatores.
A delação premiada do ex-policial militar Élcio de Queiroz, divulgada em julho, revelou que ele dirigiu o carro usado no assassinato da vereadora Marielle Franco. Na colaboração, o homem também afirmou que Ronnie Lessa foi o autor dos disparos. As informações abriram espaço para que a polícia possa chegar aos mandantes do crime.
Após a revelação, o senador Sergio Moro (União-PR), ex-juiz da Lava-Jato, apontou o fato que os petistas criticaram o instrumento no passado. “A colaboração premiada, apesar de demonizada pelo PT, revelou as roubalheiras na Petrobras durante o governo Lula, e agora é invocada pelo PT. Espero que cheguem no mandante e mordam a língua ao criticarem métodos modernos de investigação”, disse.
O ex-deputado Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava-Jato, também alfinetou a legenda. “Delação agora é prova? Até ontem, o PGR tava ‘desdenunciando’ e o STF tava desrecebendo denúncias adoidado contra corruptos sob o fundamento de que apenas a delação não é suficiente. Alguma lei deve ter mudado… Ou o que mudou foi a capa dos autos?”, ironizou, via redes sociais.
No entanto, a presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), rebateu as declarações de Dallagnol e Moro sobre o caso. Ela disse informações obtidas com a delação “corroboram as provas já existentes”, diferentemente da “República de Curitiba que prendia e depois quando não encontrava provas, forçava confissões”.
Na avaliação do advogado Miguel Pereira Neto, especialista em direito criminal, foram observados abusos na Lava-Jato. “A colaboração consta em expressos dispositivos de lei, do sistema de Justiça, do ordenamento jurídico processual. A crítica é contra a forma como foi utilizado o instituto de forma deturpada e abusiva, como se prova fosse a mera palavra do delator ou como forma de coagir investigados, mesmo sem denúncia, ou acusados, como moeda de troca para soltura ou fixação de penas mais amenas ou até mesmo pagamento por absolvição”, destacou.
Para o advogado criminalista Thiago Turbay, as delações serviram, na ótica lavajatista, como pressão e coerção ilícita, para fins de obtenção de informações e dados que não correspondiam à realidade. “A manipulação de fatos e o doping da acusação tornaram a colaboração premiada um vilão do processo penal civilizatório. Todavia, o mau uso não se confunde com as propriedades do instituto, que utilizado no âmbito do Estado democrático auxilia o Estado frente à apuração de ilícitos e a responsabilização de delitos”, concluiu.