Festival de Gramado vaia “Véio da Havan”

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Foto: Valmir Moratelli/VEJA

Não foram os discursos emocionados ou algum filme inédito exibido para o público que cruzou a charmosa Rua Coberta de Gramado (RS). A 51ª edição do Festival de Cinema mais longevo do país ficou marcada como o palco de despedida de Léa Garcia, que teria sido homenageada na noite de terça-feira, 15, quando faleceu ainda pela manhã. Não só por esta infeliz coincidência, mas pela grandeza da sua obra audiovisual, foi tímida, muito tímida a menção a ela na noite de encerramento, que premiou os melhores do ano. De pé o público aplaudiu a imagem da atriz no telão, durante a lembrança do ‘in memorian’, ao lado de outros talentos do audiovisual que faleceram no último ano. Léa não ganhou um clipe sobre seus trabalhos memoráveis no cinema, que a fizeram ser a grande homenageada dessa edição, junto a nomes como Laura Cardoso, Lucy Barreto e Alice Braga. Faltou mexerem no roteiro para dar a esta edição o nome que ela de fato merece: É de Léa Garcia e ninguém tasca.

Tendo como temática o papel das mulheres da indústria cinematográfica, o festival escolheu como melhor filme Mussum, O Filmis, sobre a trajetória de vida de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, com seis Kikitos, do diretor estreante Silvio Guindane – melhor filme, melhor ator para Ailton Graça, melhor atriz coadjuvante para Neusa Borges, melhor ator coadjuvante para Yuri Marçal, melhor trilha musical e melhor filme pelo júri popular, além de uma menção honrosa. O documentário Anhangabaú, de Lufe Bollini, e o longa gaúcho Hamlet, de Zeca Brito, foram os melhores filmes em suas mostras. Premiada como melhor atriz, Vera Holtz, por Tia Virgínia, agradeceu aos diretores e produtores, Fábio Meira e Janaína Diniz. “Quero deixar um poema de Mário Quintana, para vocês: ‘Os grilos…os grilos… Meus Deus, se a gente pudesse puxar por uma perna, um só grilo, se desfiariam todas as estrelas!’”. Ailton relembrou sua infância humilde. “Minha mãe perguntou para mim e meu irmão o que queríamos ser. Eu disse carroceiro, advogado, engenheiro agrônomo, cientista, professor… e sendo ator eu posso ser tudo isso”, disse. Os vencedores dos principais prêmios “esqueceram” de Léa, numa edição que entra para a história como a primeira que uma homenageada morre em plena realização. Outro ponto a se criticar é a escolha de um dos patrocinadores, a rede Havan, do empresário bolsonarista Luciano Hang, que apoiou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e foi contra o lockdown durante a pandemia. Em vários momentos da premiação, houve protestos contra o governo anterior, que extinguira o Ministério da Cultura e dificultou as leis de fomento. Num evento que celebra o cinema, ter a marca entre os apoiadores é no mínimo um contrassenso. Não foi gratuita a enxurrada de vaias que a empresa ganhou a cada aparição da logo durante as sessões (assista mais abaixo). Em maio, a organização do evento divulgou que o Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Sul votou pela não contemplação do festival aos recursos da Lei de Incentivo à Cultura. Sabe-se da dificuldade de se organizar e colocar de pé um festival dessa magnitude, algo que nenhum outro consegue há tanto tempo no país. Mas permitir que uma empresa com este histórico recente se “sente” na festa junto a quem mais sofreu pelo discurso negacionista soa amargo demais. Ponto alto, aliás, para a presença da ministra da Cultura Margareth Menezes na abertura e do secretário-executivo Marcio Santos no encerramento. O Festival de Cinema vem tentando se alinhar aos novos tempos, isso é verdade. Há um esforço por maior diversidade e inclusão. Mas também é preciso salientar a ausência de um apresentador negro no palco – ocupado pelo crítico de cinema Roger Lerina e as jornalistas Marla Martins e Renata Boldrini.

 

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