Geisel avisou o país sobre Bolsonaro
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O ano era 1993 e Jair Bolsonaro ainda estava no primeiro de seus sete mandatos como deputado federal. O capitão da reserva havia chegado a Brasília três anos antes, apoiado por 67.041 eleitores. Foi a sexta maior votação no Rio de Janeiro. Afastado da política desde 1979, quando passou a faixa para João Figueiredo, o general Ernesto Geisel, quarto presidente depois do golpe militar de 1964, concedeu naquele ano uma série de entrevistas para os pesquisadores Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. A certa altura da conversa, refletindo sobre as relações entre os militares e a política, Geisel chamou a atenção para a baixa influência que os fardados exerciam naquele momento, oito anos após a redemocratização.
“Presentemente, o que há de militares no Congresso?”, questionou Geisel. “Não contemos o Bolsonaro, porque é um caso completamente fora do normal, inclusive um mau militar”. A reputação do ex capitão paraquedista na cúpula das Forças Armadas e entre os generais reformados do Círculo Militar era a pior possível. Em 1986, Bolsonaro havia desrespeitado a hierarquia dos quartéis ao reclamar da situação financeira de praças e oficiais num artigo publicado na revista “Veja”. Um ano depois, a imprensa revelou que Bolsonaro estaria por trás de plano de atentado a bomba para pressionar por aumentos. Os dois eventos levaram à abertura de processo contra o capitão, mas a leniência corporativista acabou falando mais alto, e Bolsonaro foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar em 1988. Além de escapar da punição, Bolsonaro alcançou uma popularidade tão grande entre seus colegas de farda que resolveu pedir transferência para a reserva e lançar-se na política, primeiro como vereador do Rio e depois, como deputado federal. Ao longo de 28 anos no Congresso Nacional, Bolsonaro comportou-se como um sindicalista das corporações militares e de segurança. A maior parte dos projetos propostos tratava de reajustes dos soldos, melhorias no sistema de pensões, anistia de penalidades e outras regalias para militares. Nenhuma das suas propostas, porém, chegou a ser aprovada. A carreira legislativa de Bolsonaro foi totalmente irrelevante, nunca tendo ocupado cargos de liderança ou relatorias de projetos importantes. Pulando de partido em partido, Bolsonaro se reelegia a cada quatro anos graças a um eleitorado cativo, mas nunca deixando de ocupar o baixo clero da política nacional. Seu tino pela polêmica e a adoção de posições extremistas, porém, foram sendo aperfeiçoados ao longo do tempo e começaram a ecoar fora dos círculos militares. Em 2014, num prenúncio do tsunami que se abateria sobre a política brasileira, Bolsonaro obteve seu sétimo mandato na Câmara com expressivos 464.572 votos, a terceira maior votação do país, atrás apenas do apresentador de TV Celso Russomano e do humorista Tiririca. De lá até as eleições de 2018 as cenas se sucedem em modo acelerado. De um lado, as várias fases da Lava-Jato, Eduardo Cunha, impeachment de Dilma, Temer e Joesley se encontrando no Palácio do Jaburu, prisão de Lula. De outro, exposição maciça nas redes sociais, Bolsonaro carregado nos aeroportos de todo o país, discurso com citação a Brilhante Ustra na votação contra Dilma, “mito! mito! mito!” e o apoio de 57,8 milhões de brasileiros o levaram ao posto mais alto da República brasileira. A cúpula das Forças Armadas entrou de cabeça no novo governo. Três generais (Heleno, Santos Cruz e Azevedo e Silva) e um almirante (Bento Albuquerque) assumiram altas posições no Ministério, sem falar no vice Hamilton Mourão. Muitos outros vieram depois, assim como centenas de oficiais e milhares de praças, da ativa e da reserva, ocupando órgãos públicos e estatais. O alto comando do Exército, da Marinha e da Aeronáutica conhecia Bolsonaro, suas limitações intelectuais e personalidade difícil. Também tinha total ciência de seu passado de “mau militar”, como diria Geisel, e de parlamentar medíocre. A cúpula das Forças Armadas brasileiras tinha plena consciência do risco de aderir ao governo de Bolsonaro. Se a gestão fracassasse, a reputação das três Forças seria gravemente contaminada. No entanto, se deixou inebriar pela perspectiva de voltar a comandar o país e pelas inúmeras benesses financeiras que a vitória do capitão reformado poderia oferecer à classe. Das cinco linhas de investigação abertas atualmente pela Polícia Federal contra Bolsonaro, todas têm militares como protagonistas: ataques virtuais a opositores, campanha contra as urnas eletrônicas, tentativa de golpe de Estado, gestão da pandemia e fraudes com vacinas e o caso das joias. De Eduardo Pazuello, que no auge da pandemia enviou vacinas do Amazonas para o Amapá porque confundiu as siglas dos Estados, a Mauro Cid pai, que negociou joias roubadas da Presidência da República enviando foto com seu rosto no reflexo, ambos generais, o governo Bolsonaro expôs a mediocridade das nossas Forças Armadas. Os militares criminosos precisam ir para a prisão. E os demais, voltar urgentemente para os quartéis.