Lula dá início à taxação de super-ricos
Foto: Ricardo Stuckert / PR
Em duas propostas encaminhadas, nesta segunda-feira, ao Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prevê a taxação dos investimentos das camadas mais ricas do Brasil, promessa de campanha e bandeira antiga do PT.
Parlamentares governistas veem dificuldade, mas apostam na aprovação das matérias, enquanto o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que haverá resistências do colegiado, descrito por ele como “liberal”.
Por meio de uma medida provisória, o governo pretende cobrar entre 15% e 20% sobre os rendimentos dos chamados fundos exclusivos, também conhecidos como fundos dos super-ricos.
Eles levam esse nome por exigirem um investimento mínimo de R$ 10 milhões, com custo de manutenção de até R$ 150 mil por ano. Segundo as estimativas do governo, há 2,5 mil brasileiros com recursos aplicados nesses fundos, que acumulam R$ 756,8 bilhões e respondem por 12,3% dos fundos no país.
De acordo com a MP, a cobrança será feita duas vezes ao ano, como ocorre com os fundos tradicionais, por meio das chamadas come-cotas. Atualmente, a tributação é realizada apenas no resgate do investimento.
A previsão do governo é que entre 2023 e 2026 sejam arrecadados R$ 24 bilhões. Para este ano, a estimativa é de recolher R$ 3,2 bilhões, que servirão como medida compensatória para cobrir a perda de receita no mesmo valor causada pelo aumento do limite de isenção do Imposto de Renda, em vigor desde maio. Para 2024, a expectativa é que o montante chegue a R$ 13,2 bilhões. Outros R$ 3,5 bilhões virão em 2025 e R$ 3,8 bilhões, em 2026.
A outra proposta, que seguiu em forma de projeto de lei, com regime de urgência, prevê tributação anual de rendimentos de capital aplicado no exterior, os fundos offshore, com alíquotas progressivas de 0% a 22,5%. Atualmente, o capital investido no exterior é tributado apenas quando resgatado e remetido ao Brasil.
Essa proposta de tributação das offshores havia sido inserida pelo governo na medida provisória que tratou da correção do salário mínimo. Como não haveria consenso para aprovação desse item, os líderes partidários entraram em acordo para a retirada desse ponto específico, impedindo, assim, que a MP perdesse a validade.
As normas foram batizadas por parlamentares de oposição de “medidas Robin Hood”, em uma referência ao personagem britânico que rouba dos ricos para dar aos pobres.
No discurso feito na cerimônia em que Lula assinou as propostas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, rejeitou a comparação. “Não é absolutamente nada disso. O que estamos levando à consideração do Congresso, com muita consideração, respeito e parceria, é aproximar o nosso sistema tributário do que tem de mais avançado no mundo”, argumentou.
Segundo Haddad, para elaborar os textos, a equipe econômica buscou inspiração na tributação praticada nos países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Aqui não tem nenhum sentimento que não seja a justiça social”, completou o ministro.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), admitiu que as propostas vão enfrentar resistências tanto Câmara quanto no Senado, mas afirmou que o Executivo não trabalha com um plano B para ampliar a arrecadação de impostos.
“Acho que vai ser um processo de convencimento. Sempre que você bole no bolso, que é a parte do corpo que mais dói, é difícil. Já houve reclamação no Senado e na Câmara. As pessoas não querem que aumente o imposto. Mas vou repetir o que disse Haddad: tem que, querendo ou não, copiar os países mais ricos, cobrar mais de quem tem mais”, comentou, citando como exemplo o fato de nos Estados Unidos o imposto sobre herança chegar a 50%. “Não conheço outra forma de fazer justiça se não for essa”, declarou.
Na semana passada, durante o processo de negociação com o governo, Lira condicionou o debate da matéria, agora em forma de PL, a alterações no texto que constava da MP, como a retirada do trecho que previa a taxação sobre a variação cambial, e também garantir a progressividade da taxação.
O presidente da Câmara frisou que haveria “clima” para a apreciação da matéria se o novo texto viesse com as modificações acordadas. “Sem taxação da variação cambial, porque isso não existe; com o acordo de 22% a 15% (da alíquota), dependendo do prazo da aplicação. Aplicações mais curtas pagam mais, mais longas pagam menos”, destacou Lira, na ocasião, para descrever o que foi acertado no acordo.
Em diversos debates dos quais tem participado, Lira repete que o Congresso, por ter um perfil liberal, não costuma aprovar matérias que taxem investimentos. O deputado defende que o governo busque resolver problemas fiscais por meio do corte de gastos, e não do aumento de impostos. Uma das sugestões que ele tem levantado é a votação da reforma administrativa.