Ministeriável do PP pagou empresa fantasma
Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Já anunciado como futuro ministro do governo Lula, na cota reservada pelo presidente para garantir o apoio de partidos do Centrão, o deputado federal maranhense André Fufuca abasteceu com recursos de uma emenda parlamentar de sua autoria uma empresa fantasma envolvida em um grande esquema de desvio de verbas federais.
Médico, Fufuca entrou para a política pelas mãos do pai, prefeito do município de Alto Alegre do Pindaré, no interior do Maranhão. Filiado ao PP de Arthur Lira, ele está no terceiro mandato de deputado federal e é hoje um dos aliados mais próximos do presidente da Câmara dos Deputados — é Lira, aliás, o padrinho de sua indicação para o primeiro escalão de Lula, como parte da negociação para que o Centrão se junte à base governista.
Junto com o também deputado Silvio Costa Filho, do Republicanos de Pernambuco, Fufuca teve o nome confirmado na semana passada. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que Lula já decidiu nomear os dois como ministros. Nos próximos dias, devem ser definidas as pastas que a dupla assumirá. Os chefões do Centrão, Lira à frente, reivindicam postos com protagonismo e, claro, com orçamentos relevantes.
Legítimo exemplar do chamado baixo clero da Câmara, em seu segundo ano de mandato em Brasília Fufuca destinou ao Maranhão recursos de uma emenda parlamentar que foram parar na P.R.L. Pereira Construções, uma firma obscura que tinha sido aberta pouco tempo antes e que viria a aparecer no centro de uma investigação federal que envolve desvios milionários de recursos públicos.
O dinheiro da emenda, R$ 1,6 milhão, chegou para Maranhãozinho e Centro do Guilherme, dois municípios do Maranhão distantes quase 250 quilômetros do berço político da família do deputado. Logo em seguida, foi destinado pelas duas prefeituras à P.R.L. Pereira Construções, com endereço ainda mais distante, em Carutapera, no extremo norte do Maranhão, já na divisa com o Pará.
Isso, porém, não é nem o mais estranho. Àquela altura, a firma, supostamente especializada em “construção de edifícios”, já preenchia todos os requisitos para ser considerada suspeita. Primeiro, declarava funcionar em uma casa, sem sinais de que existia de fato. Além disso, havia sido aberta três anos antes, em 2013, em nome de um jovem de 17 anos que, àquela altura, trabalhava como estagiário de manutenção de máquinas e morava em um conjunto habitacional da periferia de São Luís, a capital do Maranhão.
O jovem Paulo Renato Lima Pereira, cujas iniciais davam nome à firma, era também beneficiário do Bolsa Família, embora a empresa aberta em nome dele declarasse ter capital social de R$ 300 mil. Pior: a P.R.L. Pereira nunca teve um único funcionário oficialmente registrado. Era, portanto, uma firma fantasma posta no nome de um clássico laranja.
O dinheiro da emenda de André Fufuca foi parar na empresa por intermédio da Sudam, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, que repassou o valor das emendas para as duas prefeituras por meio de convênios, ambos para recuperação de estradas vicinais.
Trata-se de uma artimanha manjada pelos órgãos de controle, porque é um serviço que ou não é executado ou é feito à meia-boca e, quando há alguma ação de fiscalização, os responsáveis alegam simplesmente que choveu e a estrada voltou às condições precárias de antes. Muitas vezes, quando acontece de alguma obra ser feita, o maquinário utilizado é das próprias prefeituras, assim como os operários incumbidos de fazer o trabalho. Nesses casos, as empresas contratadas fazem só figuração, para garantir o repasse dos recursos.
No caso do município de Maranhãozinho, o convênio assinado a partir da emenda de Fufuca foi de R$ 900 mil. A obra, como era de se esperar, não foi feita a contento. O processo, consultado pela coluna, aponta uma série de inconsistências. Todos os relatórios de execução elaborados pela prefeitura foram rejeitados pelos técnicos encarregados de averiguar a execução do serviço, mas o valor já havia sido pago à empresa fantasma. Já no município de Centro do Guilherme, com os recursos da emenda de André Fufuca a P.R.L. Pereira foi contratada por
R$ 700 mil.
Renomeada para R.S. Lima Serviços Ltda, ou Caru Construções, a empresa foi transferida em setembro do ano passado para um tio do jovem estagiário que, até então, constava como seu único proprietário. Renato dos Santos Lima Filho, que passou a figurar como dono da firma, é vereador em Carutapera, o município onde ela tem endereço. Filiado ao PL, até recentemente ele tinha outras quatro empresas.
Apesar das fartas evidências de fraude, essas firmas têm recebido, sistematicamente, milhões de reais em contratos semelhantes aos dois firmados com recursos garantidos pelas emendas de Fufuca – contratos, diga-se, que abrangem supostos serviços em diferentes áreas, incluindo saúde e educação.
Uma boa parte do valor tem os cofres federais como origem. Um levantamento feito pela coluna aponta que, só nesse núcleo de empresas, os contratos somam pelo menos R$ 27,3 milhões, dos quais R$ 17,2 milhões são verba federal.
A emenda de Fufuca que pôs dinheiro na empresa fantasma poderia ser apenas um caso isolado e acidental de dinheiro público liberado a municípios por Brasília que, lá na ponta, se perde em esquemas locais que quase nunca são mapeados pelos órgãos de investigação. Mas é bem mais que isso.
A P.R.L. Pereira, rebatizada com o nome fantasia Caru Construções, é parte de um emaranhado de empresas que, a partir do primeiro semestre de 2020, entraram na mira da Polícia Federal e do Ministério Público Federal sob a suspeita de integrarem um esquema de compra e venda de emendas, por meio do qual parlamentares que enviam os recursos recebem de volta uma parte do dinheiro desviado nos contratos.
As investigações se concentram, especialmente, no Maranhão. O esquema foi evoluindo ao longo dos anos, até que, nos últimos anos, um deputado federal do estado, Josimar de Maranhãozinho, do PL, foi descoberto como o chefe da megaestrutura montada para desviar.
O deputado é suspeito de pagar uma espécie de “pedágio” a colegas parlamentares em troca da destinação de emendas para um grupo de municípios maranhenses nos quais tem influência política. Quando os recursos chegam, as prefeituras contratam empresas ligadas ao esquema que, no fim das contas, devolvem uma parte expressiva do dinheiro, lavado e em espécie.
Maranhãozinho, reduto político original de Josimar (a ponto de lhe emprestar o nome), e Centro do Guilherme, que receberam os recursos da emenda de André Fufuca, integram a lista de municípios participantes. E a P.R.L. Pereira, a empresa fantasma para a qual a verba de Fufuca foi destinada, também está entre as firmas investigadas por participação no esquema.
É um modelo de corrupção tão escrachado que, durante a apuração, a Polícia Federal conseguiu autorização para instalar uma câmera escondida dentro do escritório político que Josimar de Maranhãozinho mantinha em São Luís e fez imagens impressionantes em que ele aparece manuseando rechonchudos maços de dinheiro (veja abaixo). Os investigadores também mapearam empresas ligadas ao parlamentar que recebiam, em suas contas, transferências dos valores dos contratos firmados pelas prefeituras com as verbas provenientes de emendas.
Josimar de Maranhãozinho foi alvo, pelo menos duas vezes, de operações de busca e apreensão organizadas pela PF. Nada, porém, que tenha abalado sua carreira política, ao menos até agora – no ano passado, o parlamentar, que antes de chegar ao Congresso Nacional era deputado estadual, foi reeleito para mais um mandato na Câmara. Outros congressistas que destinaram emendas para o esquema se tornaram igualmente alvos da investigação, que, em razão do foro privilegiado dos envolvidos, teve que correr no Supremo Tribunal Federal. Estima-se que os desvios ultrapassem a casa dos R$ 160 milhões. O caso estava sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, que deixou a Corte em abril.
A coluna tentou ouvir André Fufuca sobre sua relação com Maranhãozinho, com a empresa e com as prefeituras para as quais destinou a emenda, mas ele não retornou as tentativas de contato até a publicação desta reportagem. Paulo Renato Lima, o ex-dono da construtora fantasma, e Renato Lima Filho, tio dele e o atual proprietário da firma, não foram localizados.