Mourão muda de opinião sobre o governo Lula

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Foto: Kayo Magalhães/CB/D.A Press

Para o general da reserva, ex-vice-presidente da República e senador pelo Rio Grande do Sul, Hamilton Mourão, o governo “perdeu o foco” na CPMI dos Atos de 8 de Janeiro ao concentrar seu poder de fogo no ex-presidente Jair Bolsonaro. Sobre a participação de militares na depredação das sedes do Três Poderes, Mourão diz que não houve interferência das Forças Armadas e, sim, atos individuais que devem ser apurados. A respeito da PEC que prevê a proibição de militares da ativa de disputarem eleições, o senador ressalta que a medida é “oportunista” e que a política é importada para dentro dos quartéis pelos próprios políticos que estão fora, e não pelas Forças.

Na entrevista ao Correio, Mourão avalia como regular os oito meses de gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Destaca que o petista “olha muito para o retrovisor” e que precisa ser “mais objetivo” nas negociações do governo com o Centrão. Mas avisou que, como parlamentar de oposição, pode deixar o Republicanos caso a adesão da legenda à base governista seja formalizada.

A CPMI que investiga os atos de 8 de janeiro se debruça sobre a participação de militares na invasão das sedes dos Três Poderes. Como vê este momento turbulento na relações entre o poder civil e as Forças Armadas?

Vejo que a CPMI perde o foco quando começa a se desviar para assuntos que dizem respeito iminentemente ao presidente Jair Bolsonaro. Essa questão das joias e outras correlatas não têm nada
a ver com os acontecimentos de 8 de janeiro, mas se busca fazer um gancho por interesse político. Esse é o grande problema da comissão: deixa de ter um foco correto em cima do que era para apurar. Do nosso lado, a intenção era mostrar que o governo recém-iniciado não tomou as providências necessárias para impedir que uma baderna daquela natureza ocorresse. Do outro lado, o governista, provar que aquilo foi uma tentativa de golpe de Estado. Então, a CPI deveria estar focada na discussão desses dois pontos.
Mas esse foco se perdeu, (a CPMI) busca trazer alguns militares para serem ouvidos. São condutas
individuais que, na minha visão, não refletem aquilo que é o espírito das Forças Armadas.

Que tratamento deve ser dado a militares envolvidos na invasão das sedes dos Poderes?

Apenas dois militares, dois coronéis da reserva, estavam naquela marcha. Não invadiram nada. Foram objeto de Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado pelas Forças. Um, que prestava tarefa no Hospital das Forças Armadas, foi exonerado. Ou seja, aquilo que tinha que ser apurado, foi apurado. Quem tinha que ser punido, foi punido. Não há, pelo que me consta, nenhum militar envolvido na invasão do Congresso, do STF ou do Palácio do Planalto.

Sobre o caso das joias, há o general Mauro César Lourena Cid e o filho dele, Mauro Cid, investigados por venda ilegal de presentes valiosos recebidos por Bolsonaro em viagens ao exterior. Como avalia isso?

Passei 46 anos no Exército. Sempre seguimos um aforisma chamado “apurundaso”, que significa apurar e punir, se for o caso. Isso tem de ser investigado. Agora, de uns tempos para cá, toda e qualquer investigação é vazada da forma mais ampla possível para veículos da imprensa e, a partir daí, muitas vezes, notícias que não levam à veracidade dos fatos são veiculadas. Vamos aguardar o final das investigações sobre quem tem culpa.

Se o senhor recebesse um relógio cravejado de brilhantes, o que faria?

Ia usar, estaria com ele aqui no pulso (risos).

Usaria se tivesse recebido como vice-presidente?

Seguiria o que está escrito. A regra diz que tem um valor (máximo). Mas eu acho que algumas coisas têm de ser interpretadas. Se você receber uma mesa em mogno que custa R$ 50 mil, R$ 60 mil, não é algo pessoal. Você vai deixar no depósito. Agora, se você recebe um relógio que tem um valor maior, por que não pode ficar com ele? Não vejo isso como um suborno para um presidente da República, ainda mais
partindo de outra nação.

E o senhor, na vice-presidência, recebeu muitos presentes?

De pequeno valor: boné, camiseta do Flamengo, muitos.

Estamos bem perto do 7 de setembro, data marcada, nos últimos anos, pela conotação política dada por Bolsonaro. As Forças Armadas já fizeram as pazes com o novo Poder Executivo?

As Forças Armadas são uma organização de Estado. Devem respeito à pessoa do presidente, quem quer que seja ele, porque são organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob autoridade suprema do presidente da República. Não vejo essa questão de que as Forças como instituição são contrárias a A, a B
ou a C. Agora, com os indivíduos, é diferente. Militar também é cidadão, não é? A farda não abafa o que vai no peito do cidadão e ele vota. Obviamente, teve gente que não votou no atual presidente da República e não gosta dele. Mas isso é como indivíduo, não como o conjunto da Força.

O que espera do próximo 7 de Setembro?

O 7 de Setembro sempre foi uma festa cívica, não é nem de A nem de B nem de C. É do povo brasileiro.

Está em tramitação no Congresso um projeto que proíbe militares da ativa de disputar eleições. É uma medida correta?

É uma medida oportunista. O estatuto dos militares foi claro: se você concorre e é eleito, tem dois anos para definir a sua vida. Mas, vamos fazer uma análise de quantos militares da ativa concorreram? Acho que não dá a soma dos dedos da mão. A política, quando ela vem para dentro do quartel, é importada pelos próprios políticos que estão fora, e não pelo pessoal da Força.

Que balanço faz da gestão Lula?

A gente nota que não há um norte. O governo foi eleito sobre a égide da união e da reconstrução, mas o presidente olha muito o retrovisor. Sempre tem um discurso de embate, principalmente com o ex presidente Bolsonaro e seguidores dele. O governo tem uma responsabilidade muito grande e deveria se concentrar mais nessa responsabilidade, não ficar discutindo coisas do passado ou ressuscitando projetos que a gente sabe que dão errado.

O governo vai bem ou mal?

Acho que o governo está “R” de regular. Não chega a ser insuficiente, mas está no regular, que é um grau entre 4 e 6.

O Republicanos está perto de se integrar ao governo Lula, com a indicação do deputado Silvio Costa Filho para um ministério, o senhor cogita deixar a sigla?

Você tem um governo de esquerda e um Congresso majoritariamente de centro e centrodireita. Então, o governo é obrigado a negociar para poder fazer avançar as pautas que quer. Como é que um governo negocia? Liberando emenda para os deputados, oferecendo cargos. No mundo ideal, essa negociação seria pragmática, em torno das ideias, dos objetivos, mas a gente não vive no mundo ideal.

E como fica sua situação no Republicanos?

Nós ficamos naquela dicotomia. O (deputado) Silvinho está no governo, mas nós não somos governo. Isso tem que ser definido em algum momento. A gente não pode ficar com um pé em cada canoa. Para mim, que sou oposição, ou estou numa canoa ou na outra.

Para onde iria?

Ficam poucos lugares para serem escolhidos, não é? Temos de aguardar.

Há Bolsonaro inelegível e muitos bolsonaristas sendo investigados. A direita passa por um momento “invernal”?

O presidente Bolsonaro deu voz e voto à direita. Sempre fomos um país conservador, mas não tínhamos uma voz que disputasse uma eleição dizendo “eu sou de direita”. Quem teve 58 milhões de votos, como ele, tem uma força expressiva no país. Agora é um momento de reorganização, estamos olhando para as eleições de 2024, para formar uma base de prefeitos e vereadores importante para o prosseguimento em 2026. A situação de Bolsonaro, hoje, é de inelegibilidade. Mas a gente olha que, dois anos atrás, o presidente Lula também estava inelegível e voltou para a cena do jogo.

Caso a situação de Bolsonaro não mude, quais nomes o senhor destacaria para representar essa direita?

Se fala no nosso governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); no de Minas Gerais, o (Romeu) Zema (Novo). E tem o governador Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul. E não dá para dizer que Leite é da direita. Ele é centro-esquerda, mas tem uma visão liberal na economia. Respeito muito o Leite, ele tem feito um trabalho excelente, fez um primeiro governo muito bom e, principalmente, soube dialogar com os diferentes setores na Assembleia. Mas, hoje, não é uma liderança conhecida nacionalmente, como é Tarcísio, é Zema. Ele precisa se mostrar mais.

O senhor é o único senador autodeclarado indígena no Senado, e o Congresso e o Supremo estão se debruçando paralelamente à questão do marco temporal na demarcação das terras indígenas. O senhor está de que lado?

Estou do lado do Brasil. É uma discussão que só leva à insegurança jurídica da forma que está colocada. A Constituição é clara quando assegura os direitos dos povos indígenas às terras que eles ocupavam até aquele momento. Se o povo comprova que até outubro de 1988 estava estabelecido naquela terra, essa comprovação pode ocorrer hoje, amanhã, depois.

Com relação ao debate no STF sobre descriminalização da maconha em pequenas quantidades, qual é sua opinião?

Não é tarefa do Supremo definir se com 60g o cara é usuário, se é com 100g. A gente sabe o que vai acontecer. A droga continuará a ser comprada das organizações narcoguerrilheiras que existem aqui no Brasil. Se querem ter uma liberação do consumo da droga, tem que haver uma política pública. Isso tem que ser estabelecido no Congresso junto com o governo. O Supremo está avançando em algo que não é decisão dele. Deveria esperar o Congresso se posicionar.

Correio Braziliense