Nunes e Boulos apostam na polarização de um contra outro

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Foto: Taba Benedicto/Estadão e Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Com o prefeito de São Paulo e pré-candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB), e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) explorando alianças para garantir candidaturas únicas na direita e na esquerda, respectivamente, a corrida à Prefeitura da capital paulista em 2024 deve contar com o menor número de candidatos desde a redemocratização do País. De 1985 a 2020, os paulistanos foram às urnas dez vezes e precisaram escolher entre, em média, 13 postulantes ao Executivo municipal.

Para as eleições do ano que vem, no entanto, políticos e especialistas esperam uma disputa com menos concorrentes e marcada pela forte polarização entre Nunes e Boulos, que trabalham para abafar o surgimento de outros nomes em seus campos, de modo a evitar a divisão do eleitorado.

Essa estratégia explica, parcialmente, a escassez de candidatos à Prefeitura quando o quadro é comparado à média histórica na capital paulista. Com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, que não terá candidato próprio em São Paulo pela primeira vez em sua história, a candidatura de Boulos já surge congregando parte considerável da esquerda. Do outro lado, Nunes busca a aprovação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para se firmar como o nome da direita na corrida eleitoral.

Além disso, o enfraquecimento do PSDB, legenda que já elegeu três prefeitos na cidade, incluindo Bruno Covas na última eleição, é outro fator que justifica a diminuição no número de candidatos na capital paulista, segundo o professor Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV). Atualmente, há uma disputa interna no partido sobre qual será a estratégia do PSDB no próximo ano. Enquanto o diretório municipal defende o apoio à reeleição de Nunes, a direção estadual avalia lançar um candidato próprio.

Segundo o presidente estadual do PSDB, Marco Vinholi, a legenda está discutindo o tema e “ainda é incerto qual será a posição do partido”. Porém, ele admitiu a preferência em ver um tucano na disputa pelo Edifício Matarazzo, sede da administração paulistana desde 2004. Por outro lado, o vereador Xexéu Tripoli (PSDB) afirmou que a tendência da bancada da sigla na Câmara Municipal é “trabalhar pela reeleição de Nunes”. Tripoli ponderou, porém, que a decisão será tomada nos próximos meses, respeitando os processos de deliberação do partido.

Cláudio Couto diz ainda que a redução na oferta de candidatos em eleições majoritárias – como a disputa por uma prefeitura, por exemplo – não é um fenômeno exclusivo da capital paulista, mas sim de caráter nacional. “Espero um número menor de candidatos não só em São Paulo, mas de modo geral. Isso tem relação com a cláusula de barreira”, disse o professor, que esclareceu que o fenômeno também é explicado por mudanças no sistema partidário e nas regras do jogo eleitoral feitas nos últimos anos.

Para cientistas políticos, o fim das coligações para os pleitos proporcionais, a proibição de doações de empresas às campanhas, a criação dos fundos partidário e eleitoral e a implementação da cláusula de barreira eleitoral são alguns fatores que justificam a diminuição no número dos candidatos por todo o País, o que pode beneficiar Ricardo Nunes e Guilherme Boulos em suas estratégias. “Com essas mudanças, há o efeito de tornar menos aberto o sistema partidário para as eleições majoritárias”, diz o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria.

“Os recursos eleitorais se tornaram escassos. Com isso, os partidos tendem a investir os recursos em cidades onde existe maior probabilidade de vitória nas urnas. Eles não têm total grau de liberdade”, conta.

Já o fim das coligações nas eleições proporcionais – como a disputa por uma vaga nas câmaras municipais, por exemplo – alterou o comportamento dos partidos, diz Cortez. As coligações tinham a função de “puxar votos” para os partidos menores. Sem o mecanismo, essas legendas perceberam que o apoio a um nome forte no pleito majoritário tende a atrair mais votos do que o lançamento de um candidato próprio, porém pouco conhecido – o que também reduz a oferta de candidatos.

Os recursos eleitorais se tornaram escassos. Com isso, os partidos tendem a investir os recursos em cidades onde existe maior probabilidade de vitória nas urnas. Eles não têm total grau de liberdade
Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria

Outro motivo citado pelos especialistas é a institucionalização das federações partidárias. Criado em 2021, o mecanismo permite que dois ou mais partidos se unam não somente nas eleições, como também durante a legislatura. Diferentemente da coligação, a federação obriga que as siglas da aliança atuem como se fosse uma única agremiação partidária. Por exemplo, o PT é federado ao PCdoB e ao PV. Assim, os três partidos devem atuar como um só. Como o PT declarou apoio a Boulos na corrida eleitoral, as outras duas siglas não podem lançar candidaturas próprias ou mesmo apoiar outro nome. O mesmo vale para Rede, que ficou federação com o PSOL.

Faltando 14 meses para as eleições municipais, tanto dirigentes partidários como analistas políticos fogem de diagnósticos prematuros, como cravar o favorito na disputa eleitoral. Entretanto, há um ponto que está pacificado nos bastidores da política paulistana: a probabilidade do surgimento de um novo postulante com viabilidade eleitoral é quase nula. Assim, dizem dirigentes de partidos de esquerda e de direita, os pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo com possibilidade de vencer o pleito já estão dados.

Enquanto Nunes e Boulos são vistos como os dois principais nomes na disputa neste momento, a deputada federal Tabata Amaral (PSB) corre por fora para tentar se manter viva como opção à esquerda, e é considerada uma personagem relevante no pleito do ano que vem. Embora não desponte nas pesquisas eleitorais, o apoio de Tabata ao candidato que chegar ao segundo turno é tido como crucial para a definição do resultado nas urnas. Na avaliação do PSOL, ela deve apoiar o candidato da sigla, visto que tem um perfil de centro-esquerda, mais alinhado com Boulos.

De acordo com dirigentes do PSB, a legenda ainda não definiu qual será a estratégia para as eleições do próximo ano, o que só deve acontecer durante as convenções da sigla. Neste momento, porém, o consenso é de apoio à candidatura de Tabata à Prefeitura. Além disso, a deputada federal também tem sido sondada por alas do PSDB, que desejam tê-la como candidata na capital. Contudo, o movimento de troca de partido é considerado difícil mesmo entre os tucanos.

Outros possíveis candidatos citados por políticos e analistas são o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil), que não conta com o apoio do próprio partido para a empreitada, e do apresentador José Luiz Datena (PDT). Com isso, o cenário que se desenha para o ano que vem lembra a eleição de 1992, que contou com uma candidatura à direita, Paulo Maluf, à época no PDS, uma à esquerda, Eduardo Suplicy (PT), e outra à centro-esquerda, Aloysio Nunes, à época no PMDB.

Para dar a arrancada de sua pré-campanha, o deputado Guilherme Boulos planeja fazer uma série de caravanas pela cidade de São Paulo a partir de setembro. Segundo interlocutores, Boulos vai iniciar o giro por bairros das periferias, mas deverá rodar por toda a capital. O objetivo é aproximá-lo do eleitorado, além promover debates sobre os problemas do município para a construção do programa de governo.

Com o apoio do PT formalizado no início deste mês, a expectativa de dirigentes do PSOL é de que lideranças e parlamentares petistas participem da pré-campanha desde o início. A primeira ação está marcada para os dias 2 e 3 de setembro. Porém, o local ainda não foi definido. Além disso, é esperado que o PCdoB e o PV, que são federados ao PT e portanto deve seguir o mesmo caminho, e a Rede, que é federada ao PSOL, se juntem a Boulos nas próximas semanas.

De acordo com o secretário de Comunicação do PSOL-SP, João Zafalão, o pré-candidato do partido disputará o centro político, espaço considerado indispensável para garantir a vitória nas eleições majoritárias. Ele diz ainda que Boulos trabalha para romper com o discurso de “invasor de terra”, que adversários usam para deslegitimar o histórico de atuação do pré-candidato em movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

“A gente larga como favorito e a gestão Ricardo Nunes é uma catástrofe”, diz o secretário do PSOL, que atribui o favoritismo ao fato de Boulos ter chegado ao segundo turno na disputa pela Prefeitura de São Paulo em 2020 e, dois anos depois, ter sido o deputado federal mais votado do Estado de São Paulo, com 1,01 milhões de votos.

Enquanto Boulos conta com o apoio do presidente Lula, o prefeito Ricardo Nunes busca a aprovação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), para se consolidar como o nome da direita nas eleições municipais. Nos últimos meses, Nunes e Bolsonaro se reuniram quatro vezes em eventos públicos. Além disso, Tarcísio já elogiou a gestão do prefeito e disse que trabalhar com Nunes tem sido “fácil e gostoso”.

Na última quarta-feira, 23, o prefeito reconheceu que tanto Bolsonaro como Tarcísio têm dado sinais de que estarão ao seu lado nas eleições de 2024. Porém, ele foi categórico ao dizer que até o momento nenhuma declaração formal de apoio foi feita. “Eu desejo o apoio do presidente Bolsonaro. E do governador Tarcísio, do PP, do PL. Eu não sou aqui de ficar trabalhando em tese com futurologia e tem que ter mais pé no chão”, disse à época.

Além de busca apoio entre a classe política, Nunes também tem se aproximado do setor empresarial. Na última semana, ele participou de um café da manhã com nomes ligados ao mercado financeiro. Antes disso, esteve em evento do Grupo Lide com empresários do setor imobiliário. No evento, foi elogiado por nomes importantes do setor, como o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras (Abrainc), Luiz França, e o presidente da Secovi-SP, Rodrigo Luna, e foi aplaudido ao alfinetar Boulos e dizer que “nunca invadiu nada de ninguém”.

Na avaliação de empresários e de políticos mais a direita, a estratégia conduzida por Nunes até o momento tem dado resultado. Aos poucos, o prefeito, que antes era considerado um desconhecido, tem conseguido arregimentar apoio entre aqueles que temem uma vitória de Guilherme Boulos nas urnas. O segredo, dizem interlocutores de Nunes, são os R$ 35 bilhões que a prefeitura tem em caixa para investir neste ano pré-eleitoral em obras. Assim, o prefeito dispõe dos recursos necessários para emplacar uma marca em sua gestão através da implementação de politicas publicas e entrega de obras.

Estadão