Oposição se arrepende de ter forçado CPI do Golpe
Foto: Gabriela Vinha/UOL
Criada pela oposição ao governo Lula e só depois abraçada pela base aliada, a CPI do 8 de Janeiro tem fustigado em cheio o bolsonarismo.
Nem bem começava o ano parlamentar, em fevereiro, e o Congresso já fervia. Deputados e senadores do PL, principal partido de oposição, carregavam cartazes e chamavam a imprensa para entrevistas em que acusavam o governo de impedir a criação da CPI. Até uma lista de deputados que não assinaram o requerimento de abertura foi publicada nas redes sociais como forma de pressão.
Quando imagens vazaram mostrando a falta de ação do então chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Gonçalves Dias, no dia das invasões, a CPI se tornou um fato.
A expectativa dos bolsonaristas era contranger gente graúda do governo, como o ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública), durante os depoimentos.
Nos bastidores, parlamentares da oposição negociavam para serem indicados a participar da investigação. Até mesmo filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro quiseram entrar: Flávio e Eduardo são suplentes na comissão.
Mas o governo conseguiu ficar com a maioria e controlar a CPI. Com isso, aprovaram a convocação de personagens vinculados a Bolsonaro que causam constrangimento justamente para a oposição.
Numa manhã de agosto, fotógrafos e cinegrafistas abusaram do zoom para capturar o pé esquerdo do depoente. Nada que o ex-ministro Anderson Torres falou ou omitiu à CPI de 8 de Janeiro chamou mais atenção do que sua tornozeleira eletrônica.
Ele foi sucedido por um hacker falastrão. Walter Delgatti acusou o ex-presidente de conspirar contra a urna eletrônica.
Os bolsonaristas tentam bater na tecla de que culpar Bolsonaro é uma “cortina de fumaça” para evitar que se jogue luz à suposta negligência dos ministros de Lula —como reforçou o deputado federal Filipe Barros (PL-PR).
A outra narrativa é que aliados de Lula queriam que os atos fossem violentos para poder relacioná-los aos apoiadores de Bolsonaro. Na avaliação do senador Cleitinho (Republicanos-MG), os governistas desvirtuaram a CPI ao ampliar o foco para outras datas. Tudo para proteger o governo.
Para o deputado Rogério Correa (PT-MG), os fatos mostram justamente o oposto, pois todos os personagens dos ataques têm relação com o ex-presidente.
O tenente-coronel Mauro Cid causou burburinho antes mesmo de abrir a boca. Deputados e senadores comentavam a surpresa em ele aparecer fardado.
Cid vestia o mesmo uniforme que usava quando trabalhava como ajudante de ordens de Bolsonaro. Quando abriu a boca, o tenente-coronel provocou indignação.
Ele ficava repetindo que tinha o direito de permanecer calado e deixava de responder perguntas espinhosas. Os governistas aproveitaram a ocasião para dizer que “quem cala consente”.
O tenente-coronel foi um golpe ainda mais forte no bolsonarismo que a imagem da tornozeleira de Torres. O militar saiu da cadeia só para depor. Ele chegou ao Congresso Nacional escoltado pela Polícia do Exército.
O presidente da CPI, deputado Arthur Maia (União-BA), abriu a sessão com uma fala constrangedora. Os trabalhos tinham que terminar até as 20h porque o depoente usava tornozeleira eletrônica. Não chegar em casa no horário estipulado traria consequências para o preso.
A tornozeleira acionaria a PM em caso de descumprimento do recolhimento domiciliar. O ex-ministro da Justiça poderia parar num camburão.
Delegado da Polícia Federal e ex-ministro, Anderson Torres foi apontado como o depoente mais preparado. Mas governistas consideraram a cena da tornozeleira suficiente para desgastar o bolsonarismo.
A minuta golpista foi mencionada várias vezes. Também foi martelado que Torres e Bolsonaro não fizeram nada para desmobilizar o acampamento de onde saíram os criminosos que invadiram as sedes dos três Poderes.
Esse foi o depoimento mais esperado dos governistas. Para eles, seria a oitiva que ajudaria a avançar nas investigações sobre o papel de Bolsonaro nos ataques golpistas.
O hacker Walter Delgatti entrou na mira da comissão depois que afirmou ter recebido dinheiro da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) para invadir o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Ele está preso desde o início de agosto.
Delgatti ficou conhecido após invadir celulares de integrantes do Ministério Público que atuavam na Lava Jato. Na CPI, foi blindado pelos governistas e virou alvo de críticas e ataques da oposição.
Ele travou um embate pessoal com o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro (União-PR), alvo da “Vaza Jato”, a quem chamou de “criminoso contumaz”. O senador rebateu as declarações e disse que era ele quem estava preso.
No depoimento, o hacker afirmou ter recebido ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro para tentar deslegitimar o sistema eleitoral antes do pleito. Ele disse ainda que o então chefe do Executivo havia lhe prometido um indulto, em caso de ser preso pelos serviços de hacker.
Segundo o advogado dele, Ariovaldo Moreira, teria recebido R$ 40 mil de Zambelli em pagamentos pelos serviços de hacker. A parlamentar teria feito depósitos que chegam a R$ 14 mil e o restante do valor foi pago em espécie. A deputada nega as acusações.
Quando a oposição falou de 8 de janeiro, o discurso foi que o acampamento era formado por senhoras com Bíblia embaixo do braço e patriotas com a bandeira nos ombros. Nas palavras dos bolsonaristas, golpe se faz com armas, algo que não existia no acampamento.
Ocorre que aquele monte de barracas estava na frente do QG do Exército. Sem falar que o acampamento serviu para montar o plano de colocar uma bomba no eixo traseiro de um caminhão perto do aeroporto de Brasília.
Até aqui, a maior eficácia da CPI para a oposiçao é obter material para pregar aos seus convertidos nas redes sociais. Mas as imagens da comissão que ficarão marcadas no futuro são outras.
O ex-ministro de tornozeleira eletrônica, o ajudante de ordens de Bolsonaro que saiu da cadeia para depor e o hacker estelionatário levado pelo ex-presidente ao Ministério da Defesa.
Bolsonaristas insistiram em tentar envergonhar o governo. Acabaram produzindo fatos constrangedores contra si mesmos.