PGR amaciou com Bolsonaro após reunião secreta
Foto: Jorge William / Agência O Globo
Em pelo menos quatro ocasiões, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, emitiu posicionamentos favoráveis ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em um período próximo ao de “agendas privadas” com o então chefe do Executivo, que não foram divulgadas pelo governo nem pelo Ministério Público Federal. Como o GLOBO revelou nesta terça-feira, e-mails analisados pela CPI do 8 de Janeiro indicam a existência de encontros desse tipo, fora da lista de compromissos oficiais, entre Bolsonaro, Lindôra e também Augusto Aras, o procurador-geral da República.
As mensagens armazenadas por ex-ajudantes de ordens da Presidência indicam que, em 11 de abril do ano passado, recém-promovida ao segundo posto mais importante da PGR, Lindôra encontrou o então presidente na companhia do senador Flávio Bolsonaro, filho dele — apontado como um dos padrinhos da indicação da subprocuradora para a vaga. Oito dias depois, em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF), Lindôra afirmou que não via indícios de crime do ex-presidente no inquérito instaurado para apurar a atuação de dois pastores lobistas na liberação de verbas do Ministério da Educação (MEC).
Em 2 de maio de 2022, ainda de acordo com o conteúdo dos e-mails, houve um novo encontro, dessa vez entre Bolsonaro, Lindôra e Aras. Três semanas depois, a vice-procuradora-geral entendeu que o ex-presidente não havia cometido crime de racismo por declaração dirigida a um apoiador negro, na qual perguntou se ele pesava “mais de sete arrobas”.
O material em posse da CPI aponta ainda a existência de, pelo menos, uma terceira “agenda privada” entre o então chefe do Executivo e Lindôra, no dia 10 de agosto do ano passado. Passadas exatas duas semanas, em 24 de agosto, a vice-procuradora geral defendeu no STF que fosse arquivado um pedido feito por parlamentares para abrir uma investigação contra o então presidente por ter atacado o sistema eleitoral em um encontro com embaixadores — a mesma reunião que, em uma ação diferente, motivou a decisão pela inelegibilidade de Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Esta não foi a única manifestação da número 2 da PGR alinhada ao ex-presidente naquela data. No mesmo dia, a procuradora também protocolou uma manifestação crítica ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, por ele ter ordenado mandados de busca e apreensão contra oito empresários bolsonaristas que compartilharam mensagens de teor golpista em um grupo de WhatsApp.
As informações sobre as agendas aparecem na caixa de e-mails do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. Com o título “agenda privada”, as mensagens seguem o formato de calendário, com os dados relativos aos participantes, além da hora e o local.
Durante o governo Bolsonaro, a lista de visitantes no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, foi mantida em sigilo. Na gestão de Lula, o entendimento foi mantido com algumas exceções, como as que se referem a “agendas oficiais” e pessoas “com interesses junto à administração pública”.
A lei que trata da divulgação de compromissos por autoridades do Executivo federal não faz menção direta ao presidente. A Constituição, no entanto, estabelece a publicidade como um princípio que deve nortear a administração pública.
— O que a lei especifica são os casos de sigilo. O resto deveria ser tudo transparente. Existe risco à saúde ou à segurança da autoridade? Não. Então, tem que ser público, como deve ser toda a agenda de autoridade — afirmou o pesquisador Fabiano Angélico, pesquisador da Universidade de Lugano, doutor em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas e autor de um livro sobre Lei de Acesso à Informação (LAI).
— Não dá para falar em intimidade e privacidade com agentes externos, lideranças políticas, procuradores da República e empresários. Isso são reuniões que tratam de interesse nacional, não tem nada de privado nisso — completou ele.