Queda de tese permite recurso contra feminicidas
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Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou o uso da tese da “legítima defesa da honra” em julgamentos de feminicídios no tribunal do júri.
Com isso, acusados não poderão ser absolvidos usando o argumento, que não tem respaldo em leis, como base. Se autoridades ou réus insistirem em usar a tese, terão o ato ou o julgamento anulados.
O feminicídio ocorre quando uma mulher é assassinada por “razões da condição de sexo feminino” — isto é, por violência doméstica ou familiar, ou discriminação à condição de mulher.
Na prática, quando o assassinato é cometido nessas condições, o criminoso está sujeito a uma pena de 12 a 30 anos.
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Pela Constituição, os crimes dolosos — praticados com intenção — contra a vida são julgados pelo tribunal do júri. Entram na classificação homicídios e suas variações.
O tribunal do júri é um sistema de julgamento no qual a acusação criminal é analisada por 7 jurados.
Os jurados são cidadãos comuns sorteados a partir de uma lista com 25 indicados. Cabe ao grupo sorteado decidir se o réu será absolvido ou condenado.
Uma vez condenado, caberá ao juiz que preside o júri elaborar a sentença, que vai estabelecer, tendo como base a lei, o tempo de pena a ser cumprido.
A tese da “legítima defesa da honra” é um argumento que vinha sendo utilizado em julgamentos de casos de feminicídio, durante o tribunal do júri.
De certa forma, é uma tentativa — sem base na lei — de justificar os motivos que levam, por exemplo, um homem a matar sua companheira ou esposa.
Segundo a tese, a morte serviria para “lavar” uma suposta honra masculina ferida, por exemplo, em uma traição da mulher.
O argumento é diferente do mecanismo da legítima defesa. Isso porque o dispositivo permite a um cidadão rebater uma agressão injusta de outra pessoa, por meios moderados, na intensidade suficiente para cessar o perigo.
A Constituição prevê que o tribunal do júri funcionará com base em princípios, como a plenitude de defesa e a soberania dos vereditos.
Para usar a tese da “legítima defesa da honra”, as defesas recorriam ao princípio da plenitude de defesa.
O mecanismo permite que, na prática, qualquer argumento que permita a absolvição do réu seja usado pela defesa, mesmo que a tese envolva uma questão que vai além do direito.
Assim, é possível apelar para a clemência dos jurados, por exemplo. Nessa brecha, também passou a ser aplicada a tese da “legítima defesa da honra”.
O PDT acionou a Corte em 2021 para impedir o uso da tese. A sigla argumentou ao STF que a prática não era compatível com a Constituição.
Além disso, pontuou que os princípios que regem o júri popular — plenitude de defesa e soberania dos vereditos — não poderiam ser usados para justificar a aplicação do argumento.
O Supremo analisou o tema porque foi provocado pela ação do PDT. Ou seja, o STF só analisou a questão porque foi chamado a se posicionar, no âmbito de um processo que cumpriu os requisitos para ser deliberado.
Além disso, o PDT havia argumentado que a aplicação da tese era uma afronta à Constituição, que tem a Suprema Corte como guardiã — isto é, cabe ao STF zelar pelo respeito ao texto.
Com a decisão, nenhuma autoridade poderá levantar a tese da “legítima defesa da honra” na fase de investigação nem quando o caso vira um processo na Justiça e é julgado pelo júri.
A proibição vale para todos que participam do caso — polícia, juízes, Ministério Público, advogados. Se insistirem no uso do argumento, mesmo que de forma indireta, podem ter suas ações e o próprio julgamento anulados.
Além disso, a defesa não poderá usar o argumento e, depois, pedir a anulação do júri popular. Ou seja, o acusado não pode agir de forma irregular e tentar se beneficiar disso.
Os ministros concluíram ainda que tribunais de segunda instância poderão acolher recursos pela anulação de absolvições, caso estas tenham sido baseadas no argumento.
A Corte entendeu que, se o tribunal determinar novo júri, não vai ferir o princípio da soberania dos vereditos dos jurados.
Isso significa que, se algum caso nestas circunstâncias chegar à segunda instância por recurso, o tribunal vai poder mandar refazer o júri popular.
O uso do argumento nos julgamentos em feminicídios já estava suspenso desde 2021, por decisão do próprio STF. Agora, com a análise definitiva do caso, a Corte consolidou o entendimento.
A decisão do Supremo tem efeito para todos, não apenas para um processo específico. Além disso, é uma determinação que não pode ser contrariada em instâncias inferiores da Justiça nem por outros atores de processos criminais — como a polícia, advogados e o Ministério Público.
É possível recorrer com os chamados embargos de declaração, um pedido de esclarecimentos de pontos que não foram suficientemente desenvolvidos na decisão.
O recurso possibilita, por exemplo, a chamada modulação de efeitos — ou seja, para que a Corte estabeleça como será feita a aplicação da decisão nos casos que já tramitavam na Justiça antes.