Ruralistas dizem que Zanin prometeu apoiar Marco Temporal

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Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Cristiano Zanin, do STF (Supremo Tribunal Federal), volta ao foco da esquerda hoje com a retomada do julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Pressionado por votos considerados conservadores, o ministro indicado por Lula (PT) se equilibra entre os interesses dos indígenas e os de ruralistas.

Desde segunda-feira, Zanin se reuniu com diferentes interessados no julgamento. Do lado do governo, o ministro se encontrou na segunda (28) com o advogado-geral da União, Jorge Messias, e com a ministra Sônia Guajajara, dos Povos Originários, na manhã de ontem.

O governo procurou Zanin devido aos riscos no voto de Alexandre de Moraes, que propõe uma indenização prévia para alguns casos de demarcação de terras indígenas. O placar no STF está em 2 a 1 contra o marco temporal (leia mais abaixo).

A AGU diz que a medida afetaria todo o processo de demarcação (que já é demorado), a segurança jurídica dos próprios indígenas e traria prejuízos aos cofres da União.

Estabelecer que a indenização ao ocupante será prévia à demarcação cria mais uma condição (que não está prevista na legislação) para o exercício de um dever estatal de demarcação, que já se encontra em mora desde 1993, bem como gera um ônus financeiro ao Estado ainda não previsto no orçamento público
Advocacia-Geral da União, em memorial enviado ao STF

Zanin também se reuniu na segunda com a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro (PL) e uma das expoentes da bancada ruralista no Congresso. Procurada, ela não quis comentar sobre o encontro.

Entre senadores da bancada ruralista, a expectativa é que Zanin siga o que prometeu na sabatina: “conciliar” interesses dos proprietários de terras com os direitos dos indígenas.

Espero que o ministro Zanin faça valer as palavras ditas na sabatina e vote a favor do Brasil. O marco temporal é uma necessidade. Não podemos continuar gerando insegurança jurídica para um segmento que é responsável por um 1/3 do PIB
Luis Carlos Heinze (PP-RS), senador e um dos fundadores da bancada ruralista

Entre lideranças indígenas, o voto de Zanin é visto com preocupação. Na semana passada, o ministro votou para rejeitar uma ação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) sobre medidas protetivas às comunidades guarani e kaiowá.

Zanin acompanhou a ala de Gilmar Mendes, André Mendonça e Nunes Marques, mas acabaram derrotados pela maioria da Corte. Mesmo assim, o temor de um voto favorável ao marco temporal persiste.

A Apib pediu uma agenda com o ministro, mas só deve ser recebida pela chefe de gabinete de Zanin nesta manhã. A entidade não descarta a possibilidade de Zanin pedir vista (mais tempo de análise) e paralisar, ainda mais, o julgamento que foi iniciado em 2021.

Dentro do STF, apesar de um pedido de vista ser possível, integrantes do tribunal avaliam que não deve ser o caso de Zanin.

“O voto do ministro Zanin nos chamou a atenção muito mais pela atenção da pessoa que o indicou. Ao passo que o Lula cria um ministério, ele indica um ministro que votou contra os povos indígenas? É uma política que, em alguma medida, está marcada por desarranjos e contradições”, afirmou o advogado Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib.

Entre um pedido de vista e um voto ruim, eu prefiro um pedido de vista”
Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib

Zanin não deu sinais de como votará no caso específico do marco temporal. Durante sabatina no Senado, em junho, afirmou que era preciso “conciliar” os direitos dos povos originários e também dos proprietários de terras.

Aos senadores disse que caberia ao Supremo “sopesar” o que está previsto na Constituição e dirimir eventuais conflitos. O advogado avançar sobre o tema porque ele estaria em julgamento na Corte.

A nossa Constituição prevê tanto, de um lado, o direito à propriedade como garantia fundamental, e também prevê o direito dos povos originários. Então, tanto a atividade legislativa como o eventual julgamento deverão sopesar esses valores, acredito eu, e chegarem a uma forma de conciliar esses valores”
Cristiano Zanin, em sabatina no Senado

A tese do marco temporal estabelece que os povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam à época da promulgação da Constituição, em outubro de 1988. A discussão opõe ruralistas e mais de 170 povos indígenas, que criticam a tese e defendem a sua derrubada.

A decisão do STF no caso terá repercussão geral, ou seja, servirá para solucionar disputas judiciais sobre o tema em todas as instâncias do país.

A retomada do julgamento é uma das promessas da gestão Rosa Weber à frente do tribunal e há a expectativa de que, caso a discussão seja suspensa por um novo pedido de vista, ela antecipe o seu voto.

Rosa deixará o STF no final de setembro e sinaliza a possibilidade de um voto favorável aos indígenas.

Em 2021, o relator Edson Fachin votou contra a tese. Moraes acompanhou o colega e propôs uma tese para indenizar o proprietário de terra localizada em território indígena caso não tenha esbulho (usurpação de posse), conflito físico ou controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição Federal. Há a expectativa que uma ala da corte, que incluiria o ministro Roberto Barroso, siga este caminho.

Embora contrário à tese do marco temporal, o voto de Moraes é visto com reservas entre lideranças indígenas em razão da indenização prévia aos proprietários de terra.

Para os povos originários, a medida poderia emperrar as demandas dos indígenas se a demarcação for atrelada à indenização prévia ao proprietário de terra – bastaria o governo não ter caixa para pagar e o processo de demarcação ficaria travado.

Na divergência, está, até o momento, o ministro Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), que é favorável ao marco temporal. O próximo a votar é o ministro André Mendonça e, depois dele, Cristiano Zanin.

O caso específico em discussão na Corte envolve uma disputa entre o governo de Santa Catarina e indígenas do povo xokleng, que reivindicam um território na região central do estado.

Em janeiro de 2009, cerca de cem deles ocuparam uma área onde hoje está a reserva biológica do Sassafrás, uma área de proteção ambiental. O governo pediu a reintegração de posse, e obteve em primeira instância, mas a Funai recorreu e o caso chegou ao Supremo em 2016.

Uol