Silvinei Vasques pressiona Anderson Torres
Foto: Tom Costa/MJSP
A Polícia Federal reuniu documentos, mensagens e depoimentos que reforçam a suspeita de atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para favorecer o então presidente Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2022 e prendeu, ontem, Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da corporação. A operação, que ocorreu por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), aumentou a pressão sobre o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, chefe de Vasques na ocasião.
Os agentes cumpriram ainda dez mandados de busca e apreensão contra dirigentes que, à época, estavam na PRF ou no Ministério da Justiça. A Polícia Federal informou que a investigação apura os crimes de prevaricação, violência política e restrição ao exercício do voto. A suspeita é que, durante a gestão passada, a PRF tenha feito propositalmente mais blitzes em cidades onde Lula teve desempenho amplamente superior ao de Bolsonaro no primeiro turno, especialmente no Nordeste. O objetivo seria atrapalhar o deslocamento de eleitores do petista até o local de votação na segunda etapa do pleito. A prisão de Vasques é preventiva, ou seja, sem prazo para se encerrar.
Uma das principais evidências é um mapa que detalha locais onde havia concentração de votos em Lula. O documento estava no celular da delegada Marília de Alencar, então diretora de Inteligência do Ministério da Justiça. Segundo a apuração, o material foi apresentado a Torres em uma reunião no dia 17 de outubro, 13 dias antes do segundo turno.
“Havia uma reunião agendada com o ministro para 11h. Sendo assim, como esta imagem foi capturada às 11h23min, há fortes indícios de que esta fotografia tenha sido realizada para esta reunião”, explica a PF na representação.
No arquivo periciado, há uma foto de uma folha de papel com a impressão de um painel com o título “Concentração maior ou igual a 75% — Lula”. Na página, também aparece um mapa do Brasil e uma lista de cidades, como Crato (CE) e Paulo Afonso (BA). Nesses dois locais, por exemplo, Lula teve no primeiro turno 81% e 77% dos votos, respectivamente, enquanto Bolsonaro alcançou 13% e 18%.
Em depoimento, Marília afirmou que a área técnica da pasta foi demandada por Torres para levantar a quantidade de agentes que poderiam ser usados no dia da votação.
Os números evidenciam o desequilíbrio: foram escalados 795 policiais rodoviários federais para atuar no Nordeste, contra 528 no Sudeste, 418 no Sul, 381 no Centro-Oeste e 230 no Norte. O número de ônibus fiscalizados também foi maior: 2.185 no Nordeste, contra 310 no Norte, 571 no Sudeste, 632 no Sul e 893 no Centro-Oeste. Já o total de ônibus retidos no Nordeste, 48, foi superior à soma das outras regiões: 26.
Dois dias depois, em 19 de outubro, a PF cita dois novos encontros em que a orientação de reforçar os bloqueios em estradas em áreas lulistas teria sido passada: uma reunião do Conselho Superior da PRF, com a presença de 47 policiais, e um encontro no gabinete de Torres. Sobre o encontro do colegiado, a PF extraiu posteriormente mensagens de WhatsApp que corroboram a existência de uma diretriz para favorecer Bolsonaro.
Um servidor da área de inteligência da PRF disse a um colega que a determinação de Vasques foi clara: “Foram as reuniões de gestão. Disse muita m… Policiamento direcionado”. Seu subordinado então questionou: “DG (o diretor-geral)?”. Ele confirmou: “Positivo.” Segundo a PF, a conversa fazia referência ao encontro de dez dias antes.
Já a reunião no gabinete é a principal frente da PF para expandir a investigação, de acordo com a colunista Malu Gaspar, do GLOBO. Investigadores tratam o encontro, que teve a participação de Torres, Vasques, além de outros representantes da PRF, Ministério da Justiça e PF, como uma possível evidência de que a atuação no segundo turno foi uma determinação do governo Bolsonaro, não uma decisão isolada da chefia da PRF.
Este movimento também amplia a pressão sobre o ex-ministro. Ele prestará depoimento hoje à CPI da Câmara Legislativa do DF que apura os atos de 8 de janeiro. Torres tem afirmado que as informações que recebeu na ocasião eram de que a atuação da PRF seguia os trâmites normais. Em depoimento prestado na investigação, Vasques, por sua vez, atribuiu a uma operação do Ministério da Justiça, sob o comando de Torres, a razão para o número de abordagens ter sido maior no segundo turno.
Ao pedir a prisão de Vasques, a PF argumentou que a medida evitaria uma “combinação de versões” entre servidores da PRF, que poderiam atuar com “reverência” ao antigo chefe. A suspeita aumentou depois que dois depoimentos de ex-subordinados de Vasques apresentaram inconsistências frente ao material colhido pela investigação. A PF sustenta que ambos,“faltaram com a verdade”. Moraes, portanto, entendeu que a ação era necessária por haver a indicação de um “temor reverencial” em relação a Vasques.
O ex-diretor-geral da PRF deverá ser ouvido hoje no inquérito. Quando falou à CPI dos Atos no Congresso, ele classificou a suspeita de direcionamento na eleição de a “maior injustiça da História” e disse que o elevado número de operações no Nordeste ocorreu devido à “maior infraestrutura” da corporação na região. Ontem, o advogado de Vasques, Eduardo Simão, afirmou que pedirá a “reconsideração” da decisão que levou o ex-diretor-geral à cadeia. A PRF afirmou que, em paralelo à investigação da PF, abriu três processos administrativos, já encaminhados à Controladoria-Geral da União (CGU), para apurar a conduta de Vasques. O Tribunal de Contas da União (TCU), por sua vez, está realizando uma auditoria para apurar o uso indevido de verba pública nas blitzes da PRF. (Colaborou Karolini Bandeira)