Zanin deixa direita perplexa e esquerda indignada
Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo
As primeiras decisões proferidas por Cristiano Zanin na cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) irritaram políticos da esquerda e advogados ligados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou para a Corte. O descontentamento com as teses defendidas pelo ex-advogado do petista aumentou a pressão para que o titular do Palácio do Planalto escolha um nome progressista para a vaga da ministra Rosa Weber. Ela vai se aposentar em outubro.
Os posicionamentos de Zanin que mais incomodaram o entorno do presidente foram apresentados durante julgamentos sobre a descriminalização da maconha para uso pessoal e a respeito da equiparação de ofensas à população LGBTQIA+ ao crime de injúria racial. Na primeira ação, o ministro votou contra a descriminalização, embora tenha sido favorável à adoção de novos critérios para diferenciar usuários de traficantes. Na outra, Zanin foi contra à proposta de equiparação das práticas criminosas, alegando questões técnicas processuais, sem entrar no mérito da causa.
Vice-líder do governo na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG) classificou a atuação de Zanin como “ultraconservadora”. E considerou um “erro” o voto contra a descriminalização da maconha para uso pessoal.
Já em grupos de advogados, o comportamento do ministro foi taxado como “vergonhoso” e “decepcionante”, de acordo com relatos feitos à coluna da Malu Gaspar, do GLOBO. Entre parlamentares petistas, foi chamado de “desastroso”. E em trocas de mensagens entre servidores do Planalto, as decisões de Zanin foram consideradas terríveis.
Integrantes do Prerrogativas, grupo que reúne advogados e juristas que apoiaram Lula em 2022, fizeram um “pacto de silêncio” sobre as teses defendidas por Zanin, que eles consideraram conservadoras. Nas palavras de um dos integrantes do movimento, os votos do novo ministro “caíram como uma bomba” na turma.
A pessoas do meio jurídico, Zanin disse, segundo a colunista Bela Megale, do GLOBO, que vê nessas críticas um “hiperpoliciamento” de suas manifestações e avalia que estão tentando usá-lo para pressionar Lula em relação ao perfil de quem ocupará a segunda vaga no STF. Nesses diálogos reservados, Zanin buscou se mostrar tranquilo e reforçou que seus posicionamentos tiveram base técnica e nenhum viés ideológico.
Quando o nome de Zanin despontou como o favorito de Lula para o STF, parlamentares do PT cobravam manifestações do então advogado sobre temas além da Lava-Jato, pauta em que eles e Zanin são alinhados. Ao se reunir com a bancada evangélica em busca de apoio para a aprovação de seu nome pelo Senado, Zanin deu um indicativo das teses que defende em alguns assuntos. Na ocasião, fez acenos ao segmento religioso, afirmando ser um homem cristão e contrário à descriminalização do aborto, por exemplo.
Voto de Zanin contra a descriminalização de maconha é criticado por apoiadores de Lula: ‘Conservador no STF’
Durante a sua sabatina no Senado, ele deixou claro que era contra a legalização das drogas:
— A droga é um mal que precisa ser combatido. E, por isso, este Senado tem, inclusive, aprimorado a legislação com esse objetivo, acredito, de promover o combate às drogas e os temas que estão relacionados.
Anteontem, ao votar contra a descriminalização da maconha para uso pessoal, Zanin sustentou que a medida provocaria um aumento do consumo e que, pela Constituição, é dever do Estado zelar pela saúde de todos. Já ao se manifestar contra a equiparação de ofensas à população LGBTQIA+ à injúria racial, o ministro justificou seu posicionamento com argumentos técnicos. Ele afirmou que haveria um “extrapolamento” do pedido inicial da ação. Segundo Zanin, essa tipificação não foi “objeto da demanda e do julgamento” que equiparou a discriminação ao racismo.
Militantes de diferentes correntes começaram a disparar mensagens convocando para uma pressão sobre Lula pela escolha de um “progressista de verdade” para a próxima vaga do STF.
— Nosso receio agora é de que se essa nova indicação for aos moldes do Zanin, a Corte se torne ultraconservadora. Isso é um risco para a democracia e nós vamos cobrar o presidente — afirmou a deputada Duda Salabert (PDT-MG).
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) está entre os que foram às redes sociais criticar Zanin. “Lamentável o voto de Zanin. Descriminalizar a posse de drogas é essencial para combater o encarceramento em massa e a suposta ‘guerra às drogas’, que afeta sobretudo pobres e negros. A próxima indicação de Lula ao STF deve representar as lutas democráticas e progressistas”, postou.
Já o influencer Felipe Neto, apoiador de Lula, classificou a indicação de Zanin para o STF como o maior erro do petista até agora na Presidência: “Lula colocou um conservador no STF q vai ficar lá por 27 anos!”
Parlamentares da base do governo se preocupam com os próximos votos de Zanin. Na próxima quarta-feira, por exemplo, a Corte retoma o julgamento do marco temporal para demarcação das terras indígenas. O que se discute é se, para o reconhecimento de uma área como tal, é necessária a comprovação de que os povos originários a ocupavam no momento da promulgação da Constituição de 1988.