Chega hora do acerto de contas dos golpistas com a democracia
Foto: Reprodução/TV Justiça
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes afirmou no início do julgamento dos réus pelos atos do 8 de janeiro que o prejuízo estimado pelos estragos causados no dia foi superior a R$ 15 milhões. Ao ler o relatório sobre a primeira ação penal analisada, o magistrado elencou os valores calculados após a invasão de cada uma das sedes dos Três Poderes.
— O prejuízo inicialmente estimado, e sem contar os danos incalculáveis a bens da União, foi de R$ 3,5 milhões no Senado Federal e R$ 3,039 milhões na Câmara dos Deputados. No Palácio do Planalto, os danos ultrapassam o valor de R$ 9 milhões apenas com obras de arte. No Supremo Tribunal Federal, ainda não há prejuízo estimado. Todos os valores serão aferidos — disse ele.
Moraes relembrou a destruição causada pelos radicais, que, segundo ele, estavam “possuídos de ódio irracional, quase patológico” e, “imbuídos de ousadia, ignorância, destroçaram bens públicos sujeitos a proteção especial, tombados pelo patrimônio histórico, como mobiliário, tapetes e obras de artes”.
— Mas advirto: não destruíram o espírito da democracia. Não foram nem jamais serão capazes de subvertê-lo, porque o sentimento de respeito pela ordem democrática continua, e continuará a iluminar as mentes e corações desta Corte Suprema, que farão prevalecer sempre os fundamentos éticos e políticos que informam e dão sustentação ao Estado Democrático de Direito — completou o ministro.
O plenário do STF iniciou, na manhã desta quarta-feira, os primeiros julgamentos que podem resultar na condenação de quatro pessoas acusadas de depredar as sedes dos três Poderes durante os atos golpistas de 8 de janeiro.
O início dos julgamentos ocorre às vésperas da aposentadoria da presidente do STF, ministra Rosa Weber. Ela convocou sessões extras para esta semana para que pudesse participar da análise dos primeiros casos. A expectativa no Supremo é que os julgamentos iniciais tenham forte carga simbólica, com recados duros, e terminem com punições exemplares. Os próximos julgamentos devem ser no plenário virtual.
Os quatro primeiros réus são Aécio Lúcio Costa Pereira, Thiago de Assis Mathar, Moacir José dos Santos e Matheus de Carvalho Lázaro.
Pereira, cujo processo é o primeiro a ser analisado, é ex-funcionário da Sabesp, a companhia de saneamento de São Paulo, e foi flagrado dentro do Congresso no dia 8 de janeiro usando uma camiseta com as inscrições “intervenção militar já”. Naquele dia, ele postou um vídeo sentado na mesa Diretora do Senado no qual dizia “Vai dar certo, não vamos desanimar”.
A defesa de Pereira argumentou no processo que ele estava em uma “manifestação pacífica” e que as depredações foram feitas por pessoas infiltradas, alheias aos que estavam acampados em frente ao Quartel-General do Exército. Segundo os advogados, a denúncia oferecida pela PGR foi genérica e não individualizou a conduta do acusado.
O subprocurador-geral da República Carlos Frederico dos Santos, responsável pela denúncia, afirmou no julgamento que o Ministério Público não precisa descrever quem quebrou uma porta ou uma janela específica, porque é a multidão, unida pelas mesmas intenções, que responde pelo resultado.
— As acusações foram pautadas na melhor técnica jurídica. Na tese de crimes multitudinários, ou seja, de multidão (…) quem responde pelo resultado é a multidão, a turba, aquele grupo que tentou estabelecer a ruptura institucional — disse o subprocurador-geral.
Outro réu a ser julgado, Mathar foi preso em flagrante pela Polícia Militar dentro do Palácio do Planalto. De acordo com a PGR, ele “participou ativamente e concorreu com os demais agentes para a destruição dos móveis que ali se encontravam. Todos gritavam palavras de ordem demonstrativas da intenção de deposição do governo legitimamente constituído, como ‘fora Lula’, ‘presidente ladrão’, ‘presidiário’”.
Santos, que em 8 de agosto teve a prisão preventiva revogada por Moraes , também foi preso dentro do Planalto. Ele foi denunciado pelos mesmos motivos de Mathar. Ao decidir pela revogação da prisão, e substituí-la pelo uso de tornozeleira eletrônica, Moraes entendeu que não estavam mais presentes os motivos para a manutenção da medida. Já Lázaro foi preso com um canivete depois de sair do Congresso Nacional.
Eles são acusados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de participar da depredação de prédios públicos e respondem pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, com uso de substância inflamável. Dos três, apenas Santos está solto. As penas podem chegar a 30 anos de prisão. A PGR pediu “punição exemplar” para o grupo.
Em alegações finais encaminhadas ao Supremo em agosto, a PGR pediu que 40 réus, incluindo os quatro que estão sendo julgados, sejam condenados a penas de até 30 anos. O órgão argumentou que as punições para o grupos dos que agiram com violência devem ser “exemplares”.
Pelo rito processual, o julgamento começa com o pronunciamento do relator, ministro Alexandre de Moraes, que fará a leitura do relatório da ação penal. Depois, a PGR apresentará a acusação. Em seguida, a defesa do réu irá se manifestar. Só então é que Moraes passará a ler o seu voto, que deverá vir com recados a quem ataca a democracia. Depois dele, votará o revisor das ações penais — neste caso, o ministro Nunes Marques, a quem cabe analisar aspectos formais dos processos.
Em outros processos que ainda não estão prontos para julgamento, Moraes autorizou, no mês passado, a PGR a propor acordos de não persecução penal para cerca de 1 mil investigados pelos atos. A decisão vale para os casos de acusados que estavam no acampamento montado no quartel do Exército, em Brasília, no dia 8 de janeiro. Quem participou da depredação de prédios públicos, como é o caso dos primeiros julgados, não terá o benefício avaliado.
Com a medida, a PGR vai avaliar os casos em que o acordo pode ser concedido. Em seguida, o acordo deverá ser homologado pelo ministro para ter validade. Em função da possibilidade de acordo, Moraes determinou a suspensão das ações penais que foram abertas contra os eventuais beneficiados pelo acordo pelo prazo de 120 dias.
Quem é quem
Aécio Lúcio Costa Pereira
Ex-funcionário da Sabesp, companhia paulista de saneamento, gravou um vídeo durante a invasão que circulou nas redes sociais à época. Ele tem 51 anos e foi preso em flagrante dentro do Congresso pela Polícia do Senado.
Moacir José dos Santos
Apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, tem 53 anos. Pelas redes sociais, postou mensagens em defesa do ex-presidente, que foi derrotado nas urnas. Em 8 de agosto, teve a prisão revogada pelo ministro Alexandre de Moraes, com a condição de usar tornozeleira eletrônica. Santos também foi preso dentro do Palácio do Planalto.
Thiago de Assis Mathar
Morador de São José do Rio Preto, de 43 anos. Em depoimento em 9 de janeiro, disse que se apresentou de maneira espontânea ao comandante do Choque da Polícia Militar. A família chegou a criar um abaixo-assinado virtual contra sua prisão.
Matheus Lima de Carvalho Lázaro
Tem 24 anos e foi preso com um canivete após sair do Congresso Nacional, de acordo com a denúncia da PGR.