Direita quer impedir STF de julgar aborto e marco temporal
Senadores de oposição criticaram nas últimas semanas os avanços do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos que, na avaliação desses parlamentares, abordam temas de competência do Legislativo. Entram nesse grupo as análises sobre a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio, a validade do marco temporal para demarcação de terras indígenas e a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
Em reação, o grupo articula a apresentação de propostas e um movimento de pressão sobre o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que ele adote um contraponto ao Judiciário.
Os senadores esperam conseguir reeditar o tom adotado por Pacheco nas críticas à discussão no Supremo da descriminalização do porte de maconha para uso próprio.
Na ocasião, ao dizer que o STF invadia a competência do Congresso, o presidente do Senado apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para inserir, no texto constitucional, a proibição do porte e da posse de qualquer tipo de substância ilícita, independentemente da quantidade.
As emendas à Constituição têm sido avaliadas por senadores críticos ao Supremo como uma possível saída para driblar os julgamentos da Corte em outros dois casos: marco temporal e descriminalização do aborto.
Há também dois movimentos para levar os temas ao centro do debate político.
Liderada pelo deputado Pedro Lupion (PP-PR), a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) tem defendido a união das bancadas ruralista, evangélica, católica e da segurança pública para obstruir as votações no Congresso para pressionar Pacheco e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a endossar propostas contrárias ao marco temporal e ao aborto.
No Senado, o líder da oposição na Casa, Rogério Marinho (PL-RN), deve apresentar nesta terça-feira (26) um projeto que convoca plebiscito sobre a descriminalização do aborto.
Entenda, abaixo, nesta reportagem as reações apresentadas por parlamentares contra o STF:
Marco temporal
Com maioria ruralista, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado deverá aprovar nesta quarta-feira (27) o projeto que estabelece um marco temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil. Encerrada esta etapa, o texto, que já foi aprovado pela Câmara, vai ao plenário principal da Casa.
Mesmo otimistas com a aprovação, senadores avaliam que pode haver, ainda, judicialização sobre o tema, em uma eventual entrada em vigor do texto. Isso porque a proposta seria aprovada como uma lei comum, o que poderia levar a uma nova discussão no STF sobre a sua validade
Por outro lado, os parlamentares avaliam que inserir o marco na Constituição poderia dar fim aos embates jurídicos. Uma PEC nesse sentido foi apresentada no Senado no último dia 21, mesma data em que o STF julgou inconstitucional a tese do marco temporal.
O argumento derrubado pelo Supremo prevê que os povos indígenas só terão direito à demarcação de terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.
Na prática, áreas sem a ocupação de indígenas ou com a ocupação de outros grupos neste período não poderiam ser demarcadas.
A PEC, protocolada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR), insere, no artigo da Constituição que trata do direito dos povos indígenas às terras, justamente a data como requisito para o reconhecimento das áreas. O texto tem o apoio de outros 26 senadores.
“É indispensável que o Congresso Nacional estabeleça um marco temporal adequado para selar de vez essa questão. A decisão do STF não encerra a discussão. Nós vamos aprovar, na CCJ, [o projeto de lei sobre o marco]. Mas acho que vamos ter um desenrolar ainda. Pode haver um veto ou não do projeto, judicialização. Mas a PEC tem uma característica de mais consistência. No meu ver, [a PEC] encerra essa discussão. É nossa prerrogativa, e a gente não pode abrir mão disso”, disse Gonçalves ao g1
Na Câmara, membros da bancada ruralista avaliam retomar a tramitação de uma PEC parada na Casa que pode elevar as indenizações pagas pela União a ex-proprietários de terras demarcadas a partir de 5 de outubro de 2013.
Descriminalização do aborto
O STF ainda não pautou o retorno do julgamento sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, mas os senadores de oposição têm defendido dar uma “resposta” do Congresso ao tema.
Na última sexta-feira (22), o Supremo suspendeu a análise virtual do caso após um pedido do ministro Luís Roberto Barroso para levar a discussão ao plenário físico da Corte. Antes, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, depositou o seu voto em defesa da descriminalização da prática até o período de 12 semanas.
No Senado, porém, os movimentos contrários à discussão da Corte tiveram início com os rumores de que Rosa colocaria o caso em julgamento antes de se aposentar em 2 de outubro. As críticas se intensificaram com a confirmação da data do julgamento, e os movimentos de reação ganharam corpo com o voto da ministra.
Líder da oposição na Casa, o senador Rogério Marinho (PL-RN) reúne assinaturas para uma proposta que convoca um plebiscito para que a população vote se é a favor ou contra a legalização do aborto.
Para começar a caminhar na Casa, o projeto precisa de, no mínimo, 27 assinaturas. Ao g1, Marinho afirmou já ter reunido número de apoios superior ao piso exigido e que o texto deverá ser protocolado nesta terça-feira (26).
O plebiscito é uma consulta à população anterior à discussão de propostas legislativas. O resultado da votação define qual o projeto deverá ser discutido pelo Congresso. Para ser convocado, além da aprovação no Senado, o plebiscito precisa ser aprovado pela Câmara.
Em outro movimento, nesta segunda-feira (25), o senador Magno Malta (PL-ES) apresentou uma PEC para incluir no artigo 5º da Constituição – o principal dispositivo do texto, que prevê direitos e deveres dos cidadãos – que há garantia da “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”.
Na prática, a inclusão desse texto poderia impedir o aborto em qualquer circunstância, até mesmo nas situações atualmente previstas em lei. O texto tem apoio de 27 senadores, entre os quais três parlamentares da base aliada ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: Jorge Kajuru (PSB-GO), Chico Rodrigues (PSB-RR) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB).
“Este pequeno acréscimo adequa nossa Constituição Federal aos atuais avanços científicos e terá o poder de garantir o direito à vida de milhares de crianças brasileiras que são assassinadas por falta de proteção jurídica”, afirmou Malta.
União das bancadas
O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion, tem defendido que uma união da bancada ruralista no Congresso para levar à frente um movimento de pressão sobre Pacheco e Lira, para conquistar apoio a propostas contrárias ao marco temporal. A bancada do agro reúne mais de 300 deputados e senadores no Congresso.
Para elevar o alcance do movimento, Lupion sinaliza que vai procurar lideranças das bancadas evangélica e da segurança pública para articular uma posição conjunta dentro da Câmara e do Senado.
Membros da FPA vão se reunir na tarde desta terça-feira (26) para decidir a estratégia que será adotada pelo grupo.
O coordenador da comissão de Direito de Propriedade da frente, deputado Lucio Mosquini (MDB-RO), disse ao g1 que o encontro deve discutir também a abertura de um diálogo com lideranças de outras bancadas temáticas do Congresso.
Procurados pelo g1, dirigentes da frente evangélica e membros da bancada da segurança pública defenderam a unidade e afirmaram que devem discutir a aliança nos próximos dias.
Entre as possibilidades estudadas pela bancada ruralista está a adoção de instrumentos para obstruir as pautas de votação nas Casas.
Lupion já havia defendido essa proposta em coletiva a jornalistas após a sessão de julgamento do Supremo sobre o marco temporal.
“Se for necessário obstruir trabalhos na Câmara dos Deputados, se for necessário obstruir trabalhos no Senado, se for necessário, nas últimas consequências, nós vamos para garantir o direito à propriedade e os direitos dos produtores rurais do Brasil”, disse na ocasião.
G1