Moraes aceita acusações de Cid a Bolsonaro
Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados
O acordo de delação premiada fechado pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) com a Polícia Federa, foi homologado no sábado (9) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com apoio tácito de outros integrantes da Corte.
O sentimento dentro do Supremo é que o caso de Mauro Cid é diferente de delações premiadas no âmbito da Operação Lava-Jato que mereceram críticas. Entende-se no STF que, ao longo dos anos, houve um aprendizado institucional para que o uso do instrumento não fosse banalizado.
Na visão de um ministro, Moraes só confirmou a validade do acordo porque a PF reuniu provas robustas durante as investigações, especialmente a partir de outras diligências, como a apreensão de celulares e as quebras de sigilo. A avaliação é que os fatos contra Mauro Cid, que podem implicar diretamente Bolsonaro, são “muito graves” e que não há como praticar o “negacionismo” diante de tantas evidências.
A delação premiada é um acordo em que o investigado aceita colaborar com as investigações em troca de vantagens no seu processo, como o abatimento da pena ou até mesmo o perdão. O instrumento é considerado um meio de obtenção de prova, já que os relatos do delator devem ser corroborados com outros elementos, que comprovem as suas afirmações.
Na prática, Moraes seguiu um entendimento que vem sendo adotado desde 2018, quando a Corte estabeleceu que a PF poderia negociar acordos desse tipo, mesmo sem o aval do MPF.
Mauro Cid foi solto no sábado, cerca de quatro meses depois de ser preso. Esta foi outra diferença apontada em relação à Lava-Jato, na qual as prisões temporárias duravam anos (e não meses), o que levou investigados a assumirem a culpa para conseguirem a liberdade, em um processo de “criminalização da política”.
O tenente-coronel terá que usar tornozeleira eletrônica e cumprir outras medidas cautelares. Moraes também determinou o afastamento do cargo e função que exercia nas Forças Armadas.
Em comunicado oficial divulgado no domingo (10), o Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEX) informou que o Exército cumprirá a decisão do STF. Mauro Cid deve continuar recebendo o salário de oficial superior, mas a assessoria jurídica da instituição ainda vai analisar a questão nos próximos dias.
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro é investigado em diversas frentes, como a venda de presentes oficiais recebidos pelo governo passado. A sua prisão, porém, ocorreu por conta de outro inquérito, o que apura um esquema de fraude em certificados de vacina contra a covid-19, que teria beneficiado a família do ex-presidente.
Além disso, o militar é considerado peça central nas investigações sobre a suposta trama golpista que foi colocada em curso após a derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022.
A delação de Mauro Cid foi homologada no inquérito das milícias digitais, que apura a existência de uma organização criminosa que atua para minar o Estado Democrático de Direito.
A postura de colaborar com as investigações começou a mudar após o seu pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid, ser alvo de uma operação em agosto, sob a suspeita de participar da venda das joias no exterior.
O acordo fechado com Mauro Cid jogou novamente holofotes sobre o instrumento jurídico da delação premiada, muito usado na Lava-Jato. Uma das polêmicas que voltou ao debate é a legitimidade da PF para fechar esse tipo de acordo. Foi a corporação que conduziu toda a negociação com o militar, deixando de lado o MPF. A decisão de Moraes gerou protestos do procurador-geral da República, Augusto Aras. Ainda no sábado, ele usou as redes sociais para afirmar que o órgão “não aceita delações conduzidas pela Polícia Federal”.
Outros integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR) ouvidos em caráter reservado pelo Valor também criticaram a celebração do acordo pelos policiais. De maneira geral, o argumento é que cabe ao MPF o papel de acusador e não à Polícia Federal, que deveria atuar como um órgão de investigação.
Em nota, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Luciano Leiro, lembrou do julgamento do Supremo e defendeu a legitimidade da PF em atuar no caso. “Causa estranheza essa questão de que colaborações premiadas conduzidas pela Polícia Federal são ‘contrárias à lei’, afirmou.
No passado, até mesmo ministros do STF, como o decano Gilmar Mendes, já defenderam que essa autorização concedida à PF precisava ser revista, especialmente diante de colaborações consideradas frágeis fechadas na esteira da Lava-Jato, como a do ex-ministro Antonio Palocci e a do ex-governador do Rio de janeiro Sergio Cabral.