Prefeito de SP abre caminho para privatização da Sabesp
Foto: Governo do Estado
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), assinou sem alarde um documento que afrouxa o controle municipal sobre a Sabesp na cidade e facilita a privatização da empresa, uma das principais metas da gestão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
O documento foi assinado por Nunes em 16 de agosto. Em um evento sem divulgação, o prefeito foi ao Palácio dos Bandeirantes e assinou um termo de adesão da capital à chamada Urae 1, uma das quatro Unidades Regionais de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário criadas pelo ex-governador João Doria (sem partido) em 2021 para se adequar ao novo marco regulatório do saneamento.
A ideia era regionalizar os serviços de água e esgoto. Com as Uraes, a gestão de saneamento deixaria de ser ser feita entre a Sabesp e cada cidade e passaria para um conselho que reuniria representantes do estado e dos municípios reunidos.
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A Urae ajuda na privatização porque os acordos da Sabesp com as maiores cidades do estado têm uma cláusula que prevê o cancelamento dos contratos em caso de privatização. Agora com todas as cidades abastecidas pela Sabesp reunidas em um único bloco, Tarcísio pode aprovar no conselho da Urae um contrato único e de longo prazo, atraindo interessados na privatização.
Ao agregar todos os municípios em um contrato único, será possível oferecer um extenso prazo contratual para garantia de lucratividade a quem arrematar a Sabesp.
Amauri Pollachi, conselheiro do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento)
Acontece que o prazo para aderir às Uraes tinha vencido em 2022 sem a capital paulista. O que Tarcísio fez foi editar outro decreto. O novo documento —publicado um dia antes da visita de Nunes— dava mais 6 meses para que as prefeituras aderissem às Uraes.
A prorrogação do prazo disparou as ações da Sabesp em 7%. Em relatório daquele dia, o Itaú BBA, braço do banco que oferece análises econômicas a empresas, definiu o decreto como “um marco importante”.
A potencial adesão da cidade de São Paulo à Urae tornaria mais fácil para o estado negociar os termos da privatização com os municípios.
Itaú BBA, em relatório de 15 de agosto de 2023
A adesão de Nunes sem alarde, consulta pública ou discussão na Câmara acendeu um alerta no TCM (Tribunal de Contas do Município), que criou um grupo de estudos para analisar a privatização. Para o corregedor do tribunal, João Antônio, o movimento “sinaliza claramente o apoio do município de São Paulo à pretensão do governo estadual para a futura privatização da Sabesp”.
“Adesão à Urae não tem relação com privatização”, diz Nunes. Em entrevista no último dia 7, o prefeito afirmou que há “todo um processo pela frente” e que pretende discutir o tema com os vereadores caso a venda da Sabesp avance.
Sem a capital, a privatização da Sabesp seria inviável. A cidade responde por 46% do faturamento da empresa atualmente.
A privatização só faz sentido com a capital no pacote. Sem a cidade, a Sabesp teria que buscar novos contratos no mercado para tornar o negócio atraente.
Patrícia Pessoa Valente, professora do Insper e advogada especializada em regulação
Tarcísio terá mais poder no conselho da Urae. O decreto do governador redefiniu o poder de voto dos membros do conselho. Serão 37% dos votos para o governo, 6% para a sociedade civil, enquanto os municípios dividem irregularmente 57% dos votos —19% dos quais reservados à capital paulista.
Se a cidade de São Paulo e o Estado concordarem com os termos da privatização, acreditamos que eles terão poder suficiente para aprová-la, sem precisarem de muito apoio de outros municípios da Urae.
Itaú BBA, em relatório de 15 de agosto de 2023
Membros do TCM se preocupam com impacto da privatização para cofres paulistanos. Além disso, há dúvidas em relação ao efeito da venda do controle da empresa nos serviços prestados na cidade. Instâncias como a Câmara Municipal também têm sinalizado dificuldade em dialogar com Nunes sobre o tema.
Além da capital, na Urae 1 estão reunidos os 367 municípios atendidos pela Sabesp e com contrato vigente.
Capital pode ficar sem R$ 1,6 bilhão por ano. Hoje, o contrato da prefeitura com a Sabesp garante um repasse de 7,5% da receita obtida pela empresa na cidade a um fundo que financia obras de drenagem, habitação e urbanização de favelas. O acordo também determina que outros 13% sejam aplicados em ações de saneamento básico e ambiental de interesse do município.
A privatização da Sabesp pode colocar em risco a tarifa social. Paga hoje por cerca de 800 mil famílias, a taxa de R$ 22,38 por 10 metros cúbicos de água fornecida e 10 metros cúbicos de esgoto coletado é menor do que a verificada em estados com serviços privatizados. Mas o governo paulista diz que vai usar parte do dinheiro da venda das ações para “uma redução racional de tarifa”.
No Rio, onde a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) foi privatizada, a tarifa social é de R$ 73.
Amauri Pollachi, conselheiro do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento)
Governo do Estado diz que verba será mantida. Segundo a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logísticas, Natália Resende, a adesão da capital à Urae incluiu um termo de compromisso que garante os repasses após a privatização.
Questionada sobre o fato de o documento não ter sido publicado no Diário Oficial, a secretária disse que não havia necessidade. Após a entrevista, porém, tanto o termo de compromisso quanto a adesão da prefeitura à Urae foram publicados no Diário Oficial no dia 12 de setembro.
Prevista para meados do ano que vem, a privatização da Sabesp deve injetar R$ 66 bilhões para antecipar a universalização do saneamento de 2033 para 2029. A meta é que, após audiências públicas em 2024 e a venda das ações, 1 milhão de pessoas em áreas rurais e comunidades tradicionais passem a ser atendidas pela Sabesp.
Tarcísio se elegeu prometendo privatizar a Sabesp. Assim que assumiu, contratou estudos e anunciou, em 31 de julho, o modelo de concessão: vender a um comprador prioritário a maior parte dos 50,3% de ações que detém. Quinze dias depois, Tarcísio editou o novo decreto.
A tinta do decreto nem havia secado e o Nunes já estava assinando a adesão. Por que não assinou lá trás? Qual a diferença? A nosso ver é a tentativa de conseguir o apoio de Tarcísio à reeleição no ano que vem.
Amauri Pollachi
Em agosto, Nunes afirmou que deseja o apoio de Tarcísio em 2024. Procurado por email e telefone, o prefeito não respondeu se assinou o acordo em troca do apoio de Tarcísio a sua reeleição.