Tarcísio quer disfarçar prejuízo popular com privataria da Sabesp
Foto: Rubens Cavallari-5.jun.2023/Folhapress
O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) pretende usar parte ainda indefinida dos recursos da privatização da Sabesp para gerar redução imediata da tarifa de água dos consumidores logo após a concretização da venda.
A ideia é analisada no primeiro relatório produzido pela International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial contratado pelo governo de São Paulo para modelar a desestatização, ao qual o Painel teve acesso. O governo de São Paulo assinou contrato de R$ 45 milhões com o IFC para a elaboração do estudo.
Essa estratégia de Tarcísio deve se tornar um dos flancos de contestação ao projeto que tem sido tratado como joia da coroa do mandato.
Para a oposição, a redução imediata da tarifa tem como objetivo gerar uma sensação passageira e artificial de sucesso da privatização, que não poderá ser sustentada no longo prazo sem exaurir os recursos levantados com a venda das ações do governo do estado.
“Do ponto de vista econômico, usar dinheiro de venda de ativo para custeio é um erro clássico. Só se o estado estivesse quebrado, o que não é o caso. Isso está sendo usado como engodo para a população. O governo acena com a redução de tarifa de maneira artificial com um subsídio por um período de tempo que não está dito no estudo, mas que certamente será limitado. Não se diz quanto vai ser investido nem de que maneira vai ser”, afirma o deputado estadual Antonio Donato (PT), que tem encabeçado a oposição ao projeto.
A gestão Tarcísio diz, por sua vez, que a gestão privada vai gerar ganhos de eficiência e produtividade na Sabesp no médio e longo prazo, e que o uso dos recursos obtidos na desestatização para financiar investimentos e o aumento de eficiência vão viabilizar a redução tarifária de maneira perene.
No primeiro relatório (chamado de “fase zero”) produzido para o governo de São Paulo, o IFC diz que a redução de tarifa seria possível por meio de três alavancas: usar recursos da venda de imediato, eficiência em capex [despesas de capital, ou seja, investimentos] e em opex [custos operacionais].
Em sua próxima etapa (“fase um”), o estudo deverá definir o quanto dos recursos deverá ser investido para reduzir de imediato a tarifa, o custo-benefício em relação a investir esses mesmos valores em outros setores e como distribuir a redução de tarifas pela sociedade (para todos ou de acordo com a renda).
“Por mais que a gestão privada seja eficiente com os investimentos e custos operacionais a serem realizados, isso somente não garantiria uma redução das atuais tarifas da Sabesp, em especial dado o robusto plano de investimentos para os próximos anos. Desde modo, com o intuito de baixar a tarifa de imediato, o GESP [governo do estado de São Paulo] poderia usar parte dos recursos recebidos na transação pela venda de parte de suas ações para reduzir tarifas de imediato”, diz o texto.
“Além da redução tarifária imediata, pode-se obter reduções tarifárias adicionais através de uma execução mais eficiente de capex e melhorias operacionais a nível de custos”, complementa. “Com a gestão privada, estima-se que a Sabesp será capaz de entregar um plano ampliado de capex, antecipando para 2029, com ganhos de capex e opex, evitando assim aumento de tarifas que onerariam a sociedade pelos aumentos realizados”, conclui.
Donato afirma que o otimismo com que Tarcísio tem divulgado a privatização para prefeitos e parlamentares contrasta com o que é mostrado no estudo do IFC.
“Não tem uma conta no estudo, não há estimativa de valor de venda ou do tamanho do desconto na tarifa. É a fase zero do estudo, é verdade. Mas a fase um do estudo só estará pronta em fevereiro, segundo o secretário Rafael Benini (Parcerias em Investimentos) disse à Alesp. Com o que tem hoje, que não possui qualquer concretude, o governo já saiu dizendo a todos que vai dar tudo certo”, afirma o parlamentar. O governador tem dito que quer concluir a privatização até o fim de 2024.
Em relação à capital, por exemplo, Donato argumenta que a antecipação do prazo da universalização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário para 2029, um dos principais chamarizes da privatização para Tarcísio, já está prevista no contrato vigente entre Prefeitura de São Paulo e Sabesp.
A gestão Tarcísio afirma, em nota, que “a desestatização da Sabesp permitirá ampliar investimentos em mais R$ 10 bilhões para levar água tratada e esgoto coletado e tratado para mais um milhão de pessoas.”
Professor titular do Insper na área de Estratégia e Gestão Pública, Sandro Cabral enfatiza que a transparência terá que pautar todo o processo de privatização.
“Sem saber o racional das contas, não tem como saber se [a privatização] é boa ou má alternativa. Esse processo precisa ser feito de maneira muito transparente. Os memoriais de cálculo precisam ser abertos à população para que a gente não fique refém de narrativas ideológicas de qualquer um dos lados, do tipo menos estado é sempre melhor ou o contrário”, afirma.
“A luz do sol sempre é o melhor desinfetante. Transparência é importante nesses cálculos para mostrar para a população o que está em jogo, mostrar quais as premissas que estão sendo adotadas, para que caso os cenários não se materializem lá na frente, a gente possa ter muito claro o que foi adotado no cenário base”, avalia Cabral.