Pra quem Deus torce?
Pra quem Deus torce?
Eduardo Guimarães
A parcela vitoriosa da delegação olímpíca brasileira na França tem usado e abusado das demonstrações de religiosidade pentecostal durante as comemorações de suas vitórias exuberantes. Com isso, decidiram infringir as regras sobre esse tipo de comportamento.
Ao ganhar medalha de bronze na competição, a skatista Rayssa Leal passou mensagem de cunho religioso usando a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Com isso, viralizou nas redes sociais e, como não poderia ser diferente, abriu caminho para os exploradores bolsonaristas da fé, a começar pela familícia, que tentaram vincular a vitória da garota a eles mesmos.
O feito da gloriosa Rayssa também abriu um debate sobre se ela poderia ser punida pela iniciativa. Porque o Comitê Olímpico Internacional (COI) estabelece regras sobre manifestações religiosas e políticas dos participantes do evento.
O COI desconversou e ficou por isso mesmo. Após os ataques de pelanca pela encenação de um banquete dionísico, confundido com a Santa Ceia na abertura dos Jogos Olímpicos, instalou-se a cautela máxima do Comitê Olímpico internacional em uma região onde fanáticos religiosos costumam explodir (literalmente) os que veem como “hereges”.
O que é permitido e proibido durante os Jogos Olímpicos figura na Carta Olímpica, conjunto de princípios, regras e estatutos da competição. Pela regra 40, os competidores têm garantida sua liberdade de expressão, mas pela regra 50, que versa sobre opiniões de atletas e participantes, é proibida demonstração ou propaganda política ou religiosa.
A regra 50 foi criada em 1975 e reescrita ao longo do tempo. Em 2019, o COI consultou 3.500 atletas representantes de 185 países e de 41 esportes para reformular a Regra 50. Cerca de 70% dos entrevistados afirmaram que não era apropriado demonstrar ou expressar opiniões nos locais dos jogos, em cerimônias oficiais ou nos pódios.
Porém, como no Brasil, uma parcela significativa (mas não total) dos praticantes de religiões pentecostais e neopentecostais não aceitam seguir regras como as outras religiões. No caso das disputas esportivas, o crédito ou o débito a Deus por vitórias ou sua invocação para chegar a elas beira o desrespeito de alguns atletas a outros que também tenham fé arraigada.
Façamos uma pergunta simples que pode demonstrar o absurdo de se pedir a Deus uma mãozinha para vencer ou debitar a ele uma vitória: Deus é corintiano ou palmeirense? Porque se tiver preferência por atletas ou pela nacionalidade ou pela regionalidade dos atletas, podemos entender que todos os outros são rejeitados pelo protagonista das religiões monoteistas.
Se Deus interviu para que o atleta ou o time A vencessem, os atletas ou times B, C, D etc. seriam religiosamente inferiores e, portanto, éticamente inferiores ao contemplado pela Benevolência Divina.
A inserção exacerbada da religiosidade –mil por cento subjetiva — para definir os mais merecedores onde deveriam prevalecer direitos iguais, portanto, afronta, desrespeita e é fator de emburrecimento e fanatização das sociedades submetidas a esse tipo de vigarice.