Os segredos da maturidade política de Portugal
Foto: Patricia de Melo Moreira/AFP
Teve de tudo nas eleições portuguesas: a passagem de um furacão pelos Açores, a morte de Diogo Freitas do Amaral, um dos fundadores do regime democrático, uma acusação grave contra um ex-ministro da Defesa, e uma tentativa de agressão da candidata de direita Assunção Cristas.
E, apesar disso, se comparada à brasileira, a campanha pareceu um passeio no parque numa tarde de domingo.
A Pax Lusitana, ou a resiliência da coesão social, do respeito às instituições, e das formações sociais-democratas em Portugal no contexto de uma Europa em estado de implosão iminente, é objeto de fascínio.
Explicações para esse fenômeno vão da coesão territorial —Portugal possui as mesmas fronteiras europeias desde 1297— à estabilidade social —a integração dos imigrantes dos países de língua portuguesa é um caso de sucesso—, passando pela memória recente —o pesadelo fascista só terminou em 1974.
Talvez ainda mais importante, os portugueses continuam recorrendo aos meios tradicionais —televisão, rádio e jornais— como fonte de informação política. O papel irrelevante das redes sociais, e a consequente ausência de fake news, é, sem dúvida, um dado essencial para entender a qualidade da democracia portuguesa.
No entanto, os resultados da eleição deste domingo (6) apontam para uma pista inteiramente nova: o dinamismo da esquerda. Os eleitores plebiscitaram a geringonça, a coalizão inédita entre três formações da esquerda que governa o país desde 2015.
Juntas, elas conquistaram mais de 50% dos votos. A temida direita populista, representada pelo Chega!, de André Ventura, ficou abaixo dos 2%.
A campanha mostrou a espantosa versatilidade da geringonça. Os socialistas colocaram na linha da frente Mário Centeno, o ministro da Fazenda admirado pela União Europeia, que chegou a ser cogitado para diretor do FMI.
Notável gestor das contas públicas, Centeno é simplesmente o político mais popular entre os eleitores conservadores.
Espécie de PSOL local, o Bloco de Esquerda desempenha na perfeição o papel de rebelde anti-sistema, arregimentando os jovens das zonas periurbanas. Forte o suficiente para pautar o debate nacional, o Bloco ainda é fraco demais para a aderir à tese do sorpasso —segundo a qual os partidos tradicionais da centro-esquerda devem ser atropelados.
Idealizada pelo Podemos, essa doutrina aventureira tem comprometido a governabilidade na Espanha.
Inesperados campeões do pragmatismo, os comunistas, sempre aliados aos verdes, souberam manter o seu eleitorado cativo, que em outros países europeus forma o núcleo duro dos movimentos populistas.
Capazes de exaltar os revolucionários norte-coreanos de manhã e aprovar uma medida exigida pelos tecnocratas da União Europeia à tarde, eles também são conhecidos como excelentes administradores municipais nas regiões mais humildes do Centro-Sul.
Com os resultados deste domingo, a geringonça vai necessariamente evoluir. Próximos da maioria absoluta, os socialistas vão entrar no próximo Parlamento de salto alto.
Mais cedo ou mais tarde, o Bloco de Esquerda, nova terceira força política nacional, vai tentar voos mais altos e romper com o governo. Nada disso afetará a imagem de Portugal como uma terra tranquila e alegre, onde a esquerda é forte e o populismo não prospera.