Conselho Tutelar: milícia fez boca de urna no Rio
A eleição para conselheiros tutelares em algumas capitais do país foi marcada pelo aumento de eleitores, como em Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Assim como na capital paulista, a polarização política no país levou grupos a fazerem campanha por representantes conservadores ou progressistas.
Também houve casos de eleição cancelada por suspeita de fraude em cidades como Curitiba e Olinda. No Rio, o temor de violência pela disputa de facções fez locais de votação serem alterados.
Na capital paranaense, a decisão de cancelar a eleição ocorreu depois de identificada incompatibilidade nas fotos de candidatos em urnas de cinco das dez regionais da cidade. Também foram registradas violações em envelopes em três seções eleitorais.
Os problemas só foram constatados perto das 22h, quando já haviam sido divulgados os resultados de nove das regionais. Um novo cronograma de eleição será divulgado. Outras quatro cidades paranaenses também tiveram a eleição suspensa pela Justiça.
No Recife, alguns locais só começaram a funcionar uma hora depois do previsto. Houve relatos de urnas quebradas e de filas em alguns lugares. Em Jaboatão dos Guararapes, faltaram cédulas para votar, porque a procura foi maior do que a esperada.
Em Salvador, houve um crescimento de 50% na participação dos eleitores. Ao todo, 32 mil eleitores votaram em 74 urnas espalhadas pela cidade. Foram escolhidos 90 conselheiros que terão remuneração mensal de R$ 2.285 e regime de 40 horas semanais.
Também houve registros pontuais de boca de urna e reclamações dos eleitores em relação à divisão das seções eleitorais pela letra inicial do nome do eleitor.
“É preciso criar uma alternativa. Teve gente que teve que cruzar a cidade para conseguir votar”, afirma o vereador Marcos Mendes (PSOL), presidente da Comissão da Criança e Adolescente da Câmara.
Na capital gaúcha, a participação dos eleitores na votação cresceu 173,4% em relação à última votação, em 2015. Em 2019, foram 43.754 eleitores, ante cerca de 16 mil na eleição anterior. A prefeitura decretou dia de passe livre nos ônibus. Foram eleitos 50 conselheiros tutelares, cinco para cada microrregião. O salário é de R$ 5.500.
A candidata mais votada nesta eleição, a professora aposentada Márcia Gil, 57, recebeu 3.629 votos —o maior volume desde 2007, segundo o site da prefeitura.
“Quem mora em Porto Alegre voltou a ver crianças pedindo dinheiro na sinaleira, voltou a se deparar com trabalho infantil. A gente já tinha avançado em tudo isso, mas há um desmonte das políticas públicas. A mobilização ganhou força também por isso”, disse Márcia à Folha.
A professora foi eleita pela microrregião do centro, local em que nenhum conselheiro identificado com os evangélicos venceu. “A gente está tendo que defender coisas básicas como vacinação e uso da cadeirinha no carro e tendo que combater o ensino domiciliar”, comenta.
Também na capital mineira, o interesse cresceu: o número de votos foi quase o dobro do das eleições de 2015. Em 2019, as urnas tiveram 46.619 votos, 46% a mais do que os 31.800 de quatro anos atrás.
Segundo a prefeitura, houve suspeitas de boca de urna e de transporte de eleitores, ainda sob investigação.
A servidora pública aposentada Altamira de Sá Pereira, 67, conta que votou ontem pela primeira vez em conselheiros tutelares. Membro da Igreja Universal do Reino de Deus, ela diz que a eleição foi abordada em cultos, mas que votou “como sociedade”.
“O que a gente vê são as nossas crianças sendo massacradas, sendo estupradas, apanhando, sofrendo os piores castigos por parte de familiares e também da sociedade que não cuida. Existe um Conselho Tutelar ‘pro forma’, que não atende a necessidade da criança”, afirma.
Para ela, as eleições sempre estiveram dominadas por “panelas”, mas avalia que agora “pessoas de bem tomaram consciência disso e se candidataram”.
No Rio, a violência fez com que alguns locais de votação fossem transferidos por questões de segurança, como na região do complexo da Pedreira, onde uma guerra de facções causou terror na última semana, e na Cidade de Deus.
Denúncias recebidas pelo CMDCA também relatam que o tráfico e a milícia atuaram de forma irregular no processo eleitoral.
As reclamações, em geral, dizem respeito a boca de urna, ameaças, compra de votos, transporte irregular de eleitores e propaganda extemporânea. O Ministério Público impugnou sete candidaturas, cuja situação ainda será avaliada.
No final de semana, a ouvidoria do Ministério Público recebeu 129 comunicações sobre irregularidades. No domingo (6), dia de eleição, foram 116.
“A maior parte das denúncias recebidas são intercorrências relacionadas à falta de acesso às urnas ou seções corretas por desconhecimento das alocações das seções eleitorais e da data de corte fixada pelo TRE para atualização do domicílio eleitoral”, afirma a promotora Denise Vidal.
Mesmo com a confusão, o número de eleitores chegou a 107.841, mais que o dobro dos cerca de 48.000 contabilizados nas últimas eleições, há quatro anos.
No município do Rio foram eleitos 190 conselheiros, sendo 95 titulares e 95 suplentes. Eles recebem um salário bruto de R$ 4.128. A apuração da votação terminou às 5h desta segunda (7), mas os resultados serão divulgados no site do CMDCA apenas na terça (8).
De FSP