Elogiada por Bolsonaro, política econômica do Chile explode o país
Não eram apenas os 3,75% do aumento da passagem de metrô.
Isso ficou bastante claro quando, após o presidente chileno, Sebastián Piñera, ter recuado da decisão de aumentar a tarifa, na noite de sexta-feira (19), ainda assim os distúrbios continuaram noite adentro.
Mesmo com o toque de recolher, foram registrados saques, incêndios de veículos, edifícios e estações, confrontos com os policiais e o Exército nas ruas de várias cidades do país.
Tanto que surgem agora nas ruas diversas bandeiras que mostram o cansaço da sociedade chilena com vários aspectos da vida no país.
Entre eles, as magras ou nulas aposentadorias (fruto de uma reforma da previdência que o Brasil da atual gestão mostrou interesse em copiar) e o alto custo de vida (só na última década, o preço para alugar e comprar imóveis aumentou em 150%), além da precariedade da saúde e da educação.
Também indignam muitos cidadãos os escândalos de corrupção recentes, que envolvem justamente os policiais e o Exército, os mesmos que estão nas ruas reprimindo os protestos.
Já os estudantes estão cansados há tempos. Desde 2011, marcham e protestam pela educação universitária gratuita.
Enquanto a antecessora do atual presidente, Michelle Bachelet, conseguiu que a gratuidade fosse estendida para 40% dos estudantes, desde a volta de Piñera as reformas nesse setor estão paradas.
Segundo o estudo “Desiguales”, do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Chile é o país mais desigual entre os integrantes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o sétimo em desigualdade na América Latina. Atualmente, 1% da população concentra 33% da riqueza —e 0,1% capta 19,5% do que o país gera.
Diante desse quadro, a revolta por conta do aumento do metrô surge como uma gota d´água. No fundo, o estopim da atual crise poderia ser qualquer outro, pois o caldo já vem fermentando há tempos.
E é preciso reforçar que nem a centro-esquerdista Michelle Bachelet (que comandou o país de 2006 a 2010 e de 2014 a 2018) e nem o centro-direitista Sebastián Piñera (de 2010 a 2014 e desde 2018), em seus mandatos alternados, deram conta de atender a todas essas demandas.
Ao mandar o Exército às como não acontecia desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, Piñera passa um péssimo sinal de intolerância, embora ao mesmo tempo tenha afirmado ter disposição para dialogar.
Já as lideranças mais radicais tampouco ajudam com os atos de vandalismo que incendiaram vagões e estações de um metrô que era um dos melhores da América Latina, além de tentar destruir prédios públicos e de encher de medo as ruas das grandes cidades.
Olhando de fora, o Chile está em posição até invejável quando se verifica a macroeconomia. Em 2019, o país deve crescer 2,5%, o que é pouco comparado à década passada, porém mais do que a média da região. Além disso, o país reduziu a pobreza a menos de um quinto do que era em 1987.
Porém, as mudanças positivas não chegaram para todos. No sul do país, por exemplo, o custo de vida é altíssimo devido à logística do abastecimento. Ali há, ainda, o conflito não resolvido com a numerosa comunidade mapuche, o que também já gerou episódios de violência, queima de propriedades, incêndios de florestas e dura repressão.
Enquanto isso, nas cidades, mais de 70% da população ganha menos de US$ 770 —o que é pouco para um país com alto custo de vida.
No mês passado, a revolta começou a fermentar quando foram anunciados aumentos de contas de luz em 10% —justificadas pelo governo pelo aumento do dólar. Agora, a crise se desenfreou com a questão do metrô e com a inquietação pública tomando conta das ruas.
Piñera agiu bem recuando no aumento, porém, ficou claro que não é suficiente. As próximas horas e dias e o modo como agirá para conciliar o país serão cruciais para que o quadro não se agrave ainda mais.