Falta de diplomacia do Brasil no Mercosul impactará empregos
No começo de junho, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes deliravam com um tal “peso real”, a moeda comum dos países do Mercosul. Estamos no fim de outubro, e o governo encomendou estudos para avaliar o eventual impacto de uma saída do Brasil do bloco.
Há dois dias, o presidente brasileiro se referiu de modo desairoso à iminente vitória de Alberto Fernández na Argentina, tendo Cristina Kirchner como vice. Afirmou que o Brasil poderia se unir ao Paraguai e o Uruguai para suspender o país do bloco.
Bem, ainda que o tratado do Mercosul permitisse tal suspensão, isso não aconteceria. A Frente Ampla, de esquerda, que lidera o bem-sucedido governo uruguaio deve fazer o sucessor de Tabaré Vázquez. Daniel Martinez, da Frente, é o franco favorito. Em entrevista à Folha, ele revela comunhão de propósitos com Fernández.
As coisas estão começando a ficar bem mais complicadas do que supunha a luta, com cara do século passado, de Bolsonaro contra o comunismo…
Além das divergências, vá lá, ideológicas, há uma diferença de posicionamento entre Brasil e Argentina sobre a chamada TEC, a Tarifa Externa Comum adotada pelos membros do Mercosul para importações oriundas de países que estão fora do bloco. Nesse caso, a escolha brasileira não desagrada apenas aos argentinos. Parte do empresariado brasileiro também antevê problemas graves.
A redução do imposto de importação para o setor industrial, segundo a proposta brasileira, seria de mais de 50%: cairia de uma média de 13,6% para 6,4%. Informa a Folha:
“Veículos de passeio passariam dos atuais 35% para 12%. Na cadeia do aço, a tarifa média cairia de 10,4% para 3,7%. Laminados planos (insumo da produção de veículos) seriam taxados a 4%, em vez de 14%. Alguns tipos de plástico teriam corte de 12% para 8%. Na indústria que fornece o insumo (polipropileno), a queda seria de 14% para 4%.”
Para que isso passe a vigorar, é preciso que todos os países concordem. Os pouco industrializados Paraguai e Uruguai não fazem restrições. A Argentina já deixou claro que não aceita. Parte da indústria brasileira resiste. Segundo estudo da CNI, essa redução tarifária média de 50% diminuiria o PIB industrial de pelo menos 10 dos 23 setores da indústria até 2022.
Em entrevista à Folha, Rubens Ricúpero, ex-ministro da Fazenda e um dos mais respeitados especialistas na área, afirma que um corte abrupto, dessa magnitude, seria “catastrófico” para o setor. Para ele, a redução deveria ser gradual.
Estudo da CNI traz alguns números que merecem reflexão. Informa a Folha:
“Estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra que 2,4 milhões de empregos e R$ 52 bilhões em massa salarial, em alguns dos estados onde a votação do presidente Jair Bolsonaro foi mais expressiva, estarão em jogo com o eventual fim do Mercosul ou a flexibilização da TEC (tarifa externa comum) em vigor no bloco.
O Mercosul é o maior destino das exportações brasileiras de manufaturados (20,4%) e produtos de alta e média intensidade tecnológica (25,6%) —e essas vendas são as que mais geram empregos, pagando salários maiores.
O Brasil exportou R$ 77,8 bilhões para o Mercosul em 2018. Essas vendas geraram 2,4 milhões de vagas de emprego —cada R$ 1 bilhão exportado gerou 31.116 empregos. E originaram R$ 52 bilhões em massa salarial —cada R$ 1 bilhão exportado gerou R$ 668,3 milhões.
As exportações para a China, por exemplo, são na maioria de commodities e, por isso, geram quantidade menor de empregos —27.444— e massa salarial —R$ 454,8 milhões.”
GRAVE PROBLEMA ADICIONAL
Se houver erro de operação nessa história, as consequências podem ser catastróficas. Até porque a proposta do Brasil ao bloco é de uma redução unilateral da TEC. Com razão, setores da indústria temem a invasão de produtos chineses. Mas talvez isso não seja mais problema para Bolsonaro, agora que ele descobriu que aquele país é capitalista…
Notem que se está aqui a falar de um Mercosul que passou a correr riscos. A União Europeia demonstra entusiasmo decrescente com o acordo UE-Mercosul em razão dos problemas ambientais no Brasil. Se os países que integram o grupo não se entendem, tanto pior. Fernández já disse que pretende rever os termos do acordo.
Parece que estamos diante de um caso evidente de política externa ineficaz e de falta de diálogo. Em pouco mais de quatro meses, o governo brasileiro saiu do delírio da moeda comum para, se preciso, o jogo do “eu sozinho”.
A questão é saber quantos empregos isso pode custar.